Um estudo publicado em novembro na revista The British Medical Journal (BMJ) evidenciou o alcance das chamadas “fábricas de papers”, serviços ilegais que produzem artigos científicos sob demanda, em geral com dados ou imagens falsas, e os submetem a periódicos acadêmicos em nome de pesquisadores. Os autores do levantamento, vinculados a instituições como a Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha, e da Escola Pública da Universidade Yale, nos Estados Unidos, analisaram artigos que sofreram retratação, ou seja, que foram considerados inválidos por conterem erros ou indícios de má conduta, registrados na base de dados do site Retraction Watch. Dos cerca de 33,7 mil estudos retratados no período de 2004 a 2021, 1.182 saíram de fábricas de papers. Nessa categoria de trabalhos fraudulentos, 96,8% deles eram de autores de instituições da China e 76,9% tinham um hospital como afiliação principal. O auge do problema ocorreu em 2021, quando 772 artigos produzidos por esses serviços ilegais foram cancelados, o equivalente a 21,8% das retratações do ano.
Os dados confirmam a hipótese de que as fábricas de papers despontaram na China em resposta à pressão para publicar trabalhos científicos imposta à comunidade científica e médica. “A China incentivou seus pesquisadores a publicar artigos em troca de promoções na carreira e recompensas financeiras. Além disso, os estudantes de medicina das universidades chinesas são obrigados a produzir um artigo científico para se formar”, escreveram os autores. Em 2020, o governo chinês ampliou a punição para casos de má conduta científica e passou a reprimir os responsáveis pelos serviços ilegais (ver Pesquisa FAPESP nº 296). Fábricas de papers, contudo, foram identificadas em outros países, como Rússia e Irã. Na Rússia, mostra o artigo, funciona um site denominado International Publisher, que diz ter vendido coautoria de artigos fabricados para mais de 5 mil clientes.
A maioria dos artigos retratados foi publicada em revistas de farmácia e farmacologia (22,4%), oncologia (13,7%), bioquímica e biologia molecular (12,3%), entre outros. Muitos casos se concentraram em um grupo de 15 periódicos, que responderam por 68,7% das retratações. Uma revista específica, European Review for Medical and Pharmacological Sciences, da editora Verduci, contabilizou 166 retratações de artigos produzidos por fábricas de papers. Em seguida aparece o Journal of Cellular Biochemistry, da editora Wiley, com 134, e o International Journal of Electrical Engineering and Education, da Hindawi, com 122.
Os autores do estudo observaram que o problema provavelmente é mais disseminado do que parece. “Os artigos de fábricas de papers que identificamos como retratados até o momento representam possivelmente apenas um pequeno número do total. Potencialmente, milhares desses artigos poderiam ter sido publicados na literatura científica e ainda não foram identificados nem retratados”, diz o estudo.
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