A celebração dos 80 anos da USP é um bom momento para ir além das discussões de farol baixo sobre as suas dificuldades e refletir na perspectiva do farol alto sobre as suas realizações e do que representam para São Paulo e para o Brasil.
“O início é mais da metade e alcança o fim”, dizia Políbio. Por isso, vale a pena começar com algumas considerações sobre o projeto dos fundadores da USP, correlacionando-o com as circunstâncias históricas da sua origem. O contexto da década de 1930 trouxe a diminuição relativa do poder de São Paulo na República, a derrota paulista na Revolução de 1932 e ensejou a subsequente acomodação política com Getúlio Vargas, que levou ao governo de São Paulo Armando de Salles Oliveira.
Foi Salles Oliveira quem criou a USP pelo Decreto nº 6.283, de 25/1/1934, inspirado pelas ideias de Julio de Mesquita Filho, que contou, na sua reflexão, com o apoio de um grande educador, Fernando de Azevedo.
O objetivo dos fundadores da USP foi o de responder ao desafio, para São Paulo, representado pela mudança da realidade brasileira. Partiram, com grande originalidade, da avaliação de que, só por meio de uma universidade, São Paulo poderia vir a ser um laboratório de investigação científica e um centro de alta e irradiante intelectualidade, que singularizaria o nosso estado no país. Foi o que, nestes termos, sublinhou o jornal O Estado de S.Paulo em 27/1/1934. Com efeito, cabia elevar a um nível universitário o que já tinha sido alcançado em São Paulo com suas faculdades, instituições de formação profissional e investigação científica, como dizia o considerando conclusivo do Decreto nº 6.283/34.
Nosso estado sempre atribuiu importância ao conhecimento como variável crítica do seu desenvolvimento. O Instituto Agronômico de Campinas data de 1887. A Faculdade de Direito de 1827, a Politécnica de 1894, a Luiz de Queiroz de Agricultura de 1901, a de Medicina de 1913 e a primeira fase da de Farmácia e Odontologia de 1899. Todas se dedicavam à formação de profissionais e o componente de pesquisa era essencialmente o da pesquisa aplicada, como era o caso do Gabinete de Resistência dos Materiais da Poli, criado em 1899, que deu origem ao IPT.
A originalidade da USP foi ter ido além da justaposição de unidades preexistentes com a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras como núcleo irradiador que introduziu os chamados estudos desinteressados de ciência pura e da alta cultura, que tinham como objetivo aprofundar a investigação para aumentar o conhecimento e tornar possível sua eventual aplicação. O lema da USP, Scientia vinces, traduziu desde o seu momento fundacional, o DNA da clara percepção de que a geração de conhecimento pela pesquisa era indispensável para uma contínua atualização da transmissão do conhecimento pelo ensino e para a apropriada formação de especialistas e profissionais em todos os ramos do saber.
É esta “ideia a realizar” inerente ao projeto de concepção da USP que está na origem dos passos que a tornaram a grande universidade de pesquisa que é, com um papel irradiador, para o país, do mérito e da qualidade como critérios norteadores da vida universitária.
Para o aprofundamento do DNA da pesquisa contribuíram os Fundos Universitários criados na USP em 1942 como parte do esforço de engajamento da sociedade brasileira na Segunda Guerra Mundial. Eles anteciparam o que é uma característica do mundo contemporâneo: a importância de lidar com a velocidade com que o conhecimento, tanto na modalidade de pesquisa básica quanto na das suas aplicações, altera numa dialética de complementaridade as condições de vida, tornando a capacitação científica e tecnológica uma variável crítica para uma sociedade ter condições de encaminhamento dos seus problemas.
A experiência dos Fundos levou pesquisadores e docentes universitários paulistas a encaminhar à Assembleia Constituinte estadual a proposta de criação de uma Fundação de Amparo à Pesquisa que deu origem ao art. 123 da Constituição estadual de 1947. Consagrou-se, assim, o pioneirismo de São Paulo no reconhecimento da importância da pesquisa, pois as instituições federais, Cnpq e Capes, datam dos anos 1950. As atividades da FAPESP tiveram início em 1962 graças à visão do governador Carvalho Pinto, que contou, na sua implantação, com a liderança de quadros da USP, que formataram a instituição seguindo o lema de Scientia vinces, em todos os campos do saber. Ao longo dos anos, a FAPESP teve importante papel no financiamento de pesquisas na USP: em 2013, por exemplo, R$ 517 milhões foram investidos pela Fundação na USP.
Foram também passos relevantes para a consolidação da USP como grande universidade de pesquisa: a ênfase no regime de dedicação integral de seus docentes na década de 1960, a consolidação da pós-graduação na de 70, a autonomia financeira na de 80, a criação da pró-reitoria de pesquisa com o estatuto de 1988.
O resultado é que a USP é atualmente responsável por 22,4% de toda a produção científica do Brasil. Somada à produção das duas outras universidades públicas estaduais paulistas, a Unicamp e a Unesp, criadas como emanação da USP, 38% da produção científica nacional deriva delas.
Em todos os rankings internacionais respeitáveis a USP sempre aparece como a primeira na América Latina e entre as melhores do mundo. Por exemplo, no ranking da QS (Quacquarelli Symonds), está na 132ª posição, no da U.S. News Best Global Universities, em 77º lugar.
Quando se constata que entre as que estão acima dela nessas classificações a maioria tem história muito mais antiga, algumas com séculos de experiência acumulada, percebe-se que foi muito expressivo o que a USP conseguiu em seus 80 anos. Grande parte do valor agregado de conhecimento que distingue o estado de São Paulo no Brasil, na América Latina e no mundo decorre do que tem sido feito na USP.
Artigo originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo em 16 de novembro de 2014
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