Já passava da meia-noite do dia 24 de novembro em Baku, capital do Azerbaijão, quando o texto sobre o novo financiamento climático, ou Nova Meta Coletiva Quantificada (NCQG), foi aprovado na plenária da COP29, a conferência da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC). De acordo com o documento, o valor será de pelo menos US$ 300 bilhões por ano até 2035 e substituirá o atual montante de US$ 100 bilhões, que tem prazo de validade até 2025. A quantia deve ser destinada pelos países desenvolvidos para as nações em desenvolvimento.
A meta custeará, principalmente, os esforços de redução de gases de efeito estufa e os planos nacionais de adaptação, especialmente os dos países menos desenvolvidos. A decisão veio depois de quase 13 dias de negociação emperrada: foi preciso estender em mais de 24 horas a conferência, que começou em 11 de novembro e deveria ter terminado no dia 22. Na segunda semana do evento, a delegação brasileira e a do Reino Unido foram alçadas ao posto de facilitadoras das negociações pela presidência da COP29, posto ocupado por Mukhtar Babayev, ministro da Ecologia e dos Recursos Naturais do Azerbaijão e ex-alto funcionário da empresa estatal de petróleo. Com essa tarefa em mãos, ambas as representações conversaram com os blocos de negociação dos países participantes, leram os textos finais e passaram sua avaliação das propostas à presidência.
Na política climática da COP, pelo menos quatro pontos eram considerados essenciais para a NCQG: o valor final e o tempo de validade do acordo; a qualidade do financiamento, ou seja, quanto dos recursos seria destinado de forma gratuita aos países em desenvolvimento; quais as áreas prioritárias para destinação das verbas, como mitigação e adaptação; e quais seriam os países doadores. Desde a conferência sobre meio ambiente das Nações Unidas em 1992, ocorrida no Rio de Janeiro, alguns países são considerados doadores por terem se desenvolvido primeiro, como a maioria dos membros da União Europeia, os Estados Unidos, a Austrália, a Nova Zelândia e o Japão.
Devido à dificuldade de atingir um consenso, o valor obtido é considerado insuficiente em relação ao que seria necessário para ajudar as nações mais pobres em seus esforços contra as mudanças do clima. Além disso, a meta acordada não estipula se os recursos devem vir somente de fontes públicas e gratuitas, e não de empréstimos financeiros – uma demanda que as nações em desenvolvimento tinham desde o início das negociações para evitar a contratação de mais dívidas. O texto do documento final contempla uma “variedade de fontes”, como recursos públicos, privados, acordos bi e multilaterais, além de bancos de desenvolvimento.
Para alguns especialistas em financiamento climático, a decisão está em descompasso com a realidade. “O orçamento público mundo afora deveria se dedicar à mitigação e à adaptação às mudanças do clima e para o restauro de perdas e danos provocados pelos eventos extremos”, avalia o economista Juliano Assunção, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e diretor-executivo da Climate Policy Initiative, que esteve em Baku. “Mas estamos em uma situação oposta. De acordo com um relatório de 2023 do Fundo Monetário Internacional [FMI], em torno de US$ 4 trilhões foram utilizados como subsídios diretos a combustíveis fósseis em 2022.”
Desde o início da COP29, alguns blocos de negociação – como o G77, que, apesar do nome, reúne o Brasil e outras 133 nações, a Aliança dos Pequenos Estados Insulares e os Países Menos Desenvolvidos (LDC) – pleiteavam a quantia anual de US$ 1,3 trilhão para o financiamento climático. Diversos trabalhos defendem a necessidade de destinar cifras maiores do que os US$ 300 bilhões, de modo que os países mais pobres consigam preparar seus territórios para as mudanças climáticas e se proteger de eventos extremos. Por exemplo, um relatório da Universidade de Oxford, no Reino Unido, liberado no início de novembro de 2024, estima que o montante anual adequado para essa finalidade pode chegar até US$ 9,5 trilhões. Outro documento, divulgado em novembro deste ano e feito por um grupo independente de pesquisadores que assessora as COP desde sua 26ª edição, estima que o valor ideal para o financiamento climático seria da ordem de US$ 6,5 trilhões por ano.
“A meta atual não considera o valor temporal do dinheiro e a inflação”, sinaliza o economista e engenheiro civil Brian O’Callaghan, autor do estudo de Oxford. “Em outras palavras, a meta precisa considerar que os países poderão fazer muito menos com US$ 1 em 2035 do que podem hoje.” O texto oficial da COP29 reconhece que os países menos desenvolvidos precisam de uma quantia na casa dos trilhões e, por isso, lança o compromisso “Roteiro de Baku a Belém para o 1,3 trilhão”, passando a responsabilidade para o Brasil, que sediará a COP30 em 2025. No entanto, não detalha como funcionará a tentativa de escalar os recursos.
“Não dá para camuflar a frustração com essa COP. De fato, o dinheiro proposto está aquém das verdadeiras necessidades dos países em desenvolvimento”, avalia o engenheiro civil Moacyr Araújo, coordenador da Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais (Rede Clima), vinculada ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). “O financiamento não está de todo resolvido, o que é de certa forma lamentável, porque seria importante não levar esse debate para a COP de Belém. Precisamos, de fato, de mais engajamento dos países poluidores.”
De acordo com as Nações Unidas, 2025 é o ano em que os 196 países signatários do Acordo de Paris precisam submeter novas metas ambiciosas de redução de gases do efeito estufa, as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC). Com emissões reduzidas, maiores seriam as chances de conter o aquecimento do planeta para evitar eventos climáticos extremos e catástrofes socioambientais. Até o momento, apenas os Emirados Árabes Unidos, o Brasil, o Reino Unido e a Suíça apresentaram suas novas intenções. Entre outros fins, os recursos do financiamento climático serão utilizados para ajudar a implementar as NDC. No entanto, como o valor acordado foi baixo, é possível que muitos países não consigam apresentar metas ambiciosas em 2025.
Na avaliação do geólogo Hassan Sheikh, da Universidade de Oxford, que pesquisa finanças ligadas à área ambiental, o desacordo em relação a uma meta mais robusta de financiamento climático resulta da pressão de grupos dos países mais ricos: “Os países desenvolvidos avançaram sua agenda no texto atual sem incorporar as necessidades dos países em desenvolvimento”.
Ainda segundo Sheikh, as Nações Unidas reconheceram recentemente que existe uma lacuna de US$ 400 bilhões ao ano que seriam necessários apenas para a implementação de processos de adaptação. “Se há desacordo no valor final, as nações em desenvolvimento são colocadas em uma posição mais vulnerável, já que há pouca política [coercitiva] para que os países desenvolvidos forneçam o financiamento climático necessário”, complementa.
Outros olhares atentos sentiram falta de duas palavras importantes no documento final da COP: combustíveis fósseis. O texto não menciona a necessidade de reduzir o uso desse tipo de insumo energético. De acordo com o engenheiro elétrico Ricardo Baitelo, da entidade não governamental Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), essa falta aumenta a lista de tarefas para a COP30: “Agora cabe ao Brasil a responsabilidade de dirigir as negociações e operacionalizar a saída dos combustíveis fósseis, que ficaram de fora do texto de Baku, em algum mecanismo de implementação em Belém”.
Evento para 55 mil pessoas
Mais de 55 mil pessoas foram à COP29, segundo a UNFCCC. Como as negociações são obtidas por consenso entre os países, a política climática interna acaba sendo influenciada pelo que acontece do lado de fora. Nos corredores, muito se falava sobre a eleição do republicano Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, no início de novembro, e sobre a possibilidade de a maior economia global sair do Acordo de Paris no próximo ano, repetindo o que Trump fez em seu primeiro mandato. Com isso, os Estados Unidos – atualmente o segundo maior emissor de gases do efeito estufa do mundo, atrás apenas da China – cessariam o repasse de recursos ao financiamento climático global, o que poderia minar os esforços internacionais.
No evento em Baku, havia muitos defensores da adoção de uma rápida transição energética, com cortes profundos no consumo de petróleo, gás e carvão. Mas também defensores de um ritmo muito mais lento para esse processo. De acordo com uma análise feita por organizações não governamentais divulgada durante a conferência, mais de 1,7 mil profissionais ligados à indústria dos combustíveis fósseis circularam pelos corredores do evento. O número se aproxima dos registros das maiores delegações da conferência: Azerbaijão (2,2 mil) e Brasil (1,9 mil).
Ainda assim, segundo Miriam Garcia, gerente de políticas climáticas do WRI Brasil, instituição independente de pesquisa, as COP costuram pontes e delineiam estratégias. “As COP ainda são um espaço de alinhamento para se chegar a um acordo que, depois, dita as políticas domésticas. São o melhor caminho que temos hoje para fazer isso de forma coordenada no sistema internacional”, conclui.
Esta reportagem faz parte da Climate Change Media Partnership 2024, uma bolsa de jornalismo organizada pela Earth Journalism Network da Internews e pelo Stanley Center for Peace and Security.
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