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PESQUISA NA QUARENTENA

“Acredito que conferências híbridas, presenciais e virtuais, podem ser um legado positivo da pandemia”

O botânico Alexandre Antonelli aproveitou o tempo em casa para escrever artigos, realizar simpósios, aproximar-se da família e escrever um livro sobre biodiversidade

Até o fim de agosto, botânico se manteve em trabalho remoto, em casa

Arquivo pessoal

Embora tenha sido um período conturbado, o trabalho virtual e aquele feito solitariamente, em casa, ajudaram a fazer da pandemia um período produtivo. Por sorte, minhas equipes de pesquisa em biodiversidade no Jardim Botânico Real de Kew, na Inglaterra, e na Universidade de Gotemburgo, na Suécia, haviam coletado uma grande quantidade de material antes da pandemia. Longe do laboratório, aproveitamos para trabalhar virtualmente em equipe e publicar artigos sobre evolução e biogeografia de grupos variados de seres vivos, como tamareiras do Egito, macacos do Novo Mundo, anfíbios e répteis do Cerrado e aves não voadoras do mundo.

A colaboração virtual permitiu que eu me dedicasse a aspectos mais práticos da conservação. Com a equipe do laboratório de Kew Gardens e vários outros colaboradores escrevemos um artigo sobre as ameaças à biodiversidade de Madagascar, que será submetido em breve para publicação. É algo que não teríamos feito com as duas reuniões presenciais que geralmente tínhamos por ano. Mas em agosto do ano passado nos reunimos pela internet e montamos um projeto que poderia ser realizado virtualmente, trabalhando com cientistas de vários países e de diferentes especialidades. Além disso, escrevi um artigo sobre o uso de inteligência artificial na escolha de áreas prioritárias de conservação.

Para elaborar o relatório Kew’s state of the world’s plants and fungi 2020 [Estado mundial das plantas e fungos, 2020, de Kew] reunimos de forma virtual 210 colaboradores do mundo todo. Organizamos também a conferência virtual “Reforestation for biodiversity, carbon capture and livelihoods” [Reflorestamento para a biodiversidade, captura de carbono e subsistência], para debater a ciência do reflorestamento e como ela pode beneficiar múltiplos segmentos sociais. Três mil pessoas participaram, além de figuras públicas como o príncipe Charles e Carlos Alvarado Quesada, presidente da Costa Rica.

Na conferência, colaboramos intensamente com pessoas de países africanos ricos em biodiversidade, que não teriam participado se tivessem de pagar pela passagem de avião até o Reino Unido. Um dos resultados da iniciativa foi um artigo sobre as 10 regras de ouro para o reflorestamento, escrito por uma equipe internacional que coordenei. O artigo e a conferência sobre reflorestação geraram muita cobertura da mídia, atingindo mais de 100 milhões de pessoas em poucas semanas. Acredito que conferências híbridas, presenciais e virtuais, podem ser um legado positivo da pandemia. Claro que a participação virtual não é tão rica quanto a presencial, mas ela democratiza o acesso e permite diminuir a poluição dos aviões.

Harith Farooq Durante trabalho de campo em Moçambique, antes da pandemiaHarith Farooq

O Kew teve perdas econômicas consideráveis com a epidemia, pois as estufas e prédios fecharam para a visitação por mais de um ano e deixamos de vender produtos nas lojas. Já as partes ao ar livre ficaram fechadas por apenas 10 semanas, permitindo gerar alguma receita por meio de ingressos. Por isso, o impacto foi menor do que em grandes universidades como Oxford e Cambridge. A reação dos pesquisadores à epidemia variou muito. A maioria trabalhou de casa e publicou muito e alguns gostaram de não gastar duas horas por dia no metrô. Mas aqueles que precisavam estar no Kew para fazer pesquisa ou trabalho manual com as coleções ficaram afastados por vários meses e foram prejudicados. Foi um período especialmente ruim para os pesquisadores associados aposentados, pois os prédios foram interditados para pessoas a partir de certa idade. De modo geral a instituição está bem e ninguém foi demitido ou deixou de receber. A menos que venha mais uma grande onda, vamos nos recuperar rapidamente.

Com uma carga menor de viagens e reuniões no Kew, dediquei as primeiras horas da manhã para escrever um livro sobre biodiversidade para o público amplo: The hidden Universe: Adventures in biodiversity [Universo oculto: Aventuras na biodiversidade], que será lançado no Reino Unido, na Suécia, nos Estados Unidos, na China e espero que também no Brasil. Baseado em minhas viagens e na ciência, faço um relato pessoal mostrando ao leitor as ameaças à biodiversidade e sua importância para nossa sobrevivência no planeta, especialmente como uma das ferramentas mais importantes no combate ao aquecimento global. A pandemia é um entre milhares de problemas causados pela destruição ambiental, alguns deles bem mais graves, como as mudanças climáticas e a extinção em massa de espécies. Existem recursos para resolver o problema, mas por enquanto muitas pessoas ainda não estão levando isso a sério.

A crise atual reforçou injustiças históricas do colonialismo na distribuição de recursos, como aconteceu com as vacinas: primeiro tentaram vacinar toda a população e agora estão baixando a idade, em vez de ajudar os países pobres na África, América do Sul e partes da Ásia, com índices de vacinação muito mais baixos. Embora o Reino Unido diga que tem interesse em reparar esse problema histórico, na prática isso não aconteceu. É como se o país vivesse isolado.

Minha vida social foi reduzida a zero durante a pandemia, sinto falta do convívio com os colegas, das conversas informais no almoço e até das fofocas. Trabalhando em casa, cozinhar e fazer arrumação foi desgastante, mas nunca fiquei tanto tempo sem viajar e me aproximei muito dos meus filhos e de minha esposa.

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