Foi logo após uma competição de robôs, em 2004, na cidade de Salvador, Bahia, durante um congresso da Sociedade Brasileira de Computação, que os professores Marcello Cláudio de Gouvêa Duarte e José Pacheco de Almeida Prado resolveram montar uma empresa para produzir kits robóticos. A ideia era desenvolver pequenos robôs que pudessem ser construídos de forma simples e instrutiva em sala de aula. Os dois são professores da Universidade Paulista (Unip) de Ribeirão Preto e do Centro Universitário de Lins (UniLins), no interior do estado, e contrariam o sentimento nacional de que vice-campeonato não tem nenhuma importância. Eles estavam à frente da equipe que representava as duas universidades e ficaram em segundo lugar na disputa em Salvador, a etapa Brasil da competição organizada pelo Institute of Electrical and Electronics Engineer (IEEE), uma das principais instituições internacionais na área de desenvolvimento de tecnologias eletroeletrônicas que tem sua base nos Estados Unidos.
Duarte e Prado conseguiram montar a empresa e desenvolveram kits que hoje estão em várias escolas. Em 2007 o kit foi usado por cerca de 12 mil alunos, nas cidades de São Paulo, incluindo instituições como Santa Marcelina e Carnello Marques, São Carlos, Bauru, Lins, Sertãozinho, Ribeirão Preto, Limeira e Jundiaí, municípios paulistas, além de João Pessoa, capital da Paraíba, e de Londrina, no norte do Paraná, atendendo a rede pública e particular. A meta é atingir 60 mil alunos e cem escolas em 2008, levando o projeto também para os estados da Bahia e de Santa Catarina. “Os professores escapam da lousa, as aulas tornam-se mais dinâmicas e, sem perder conteúdo, despertam a curiosidade dos estudantes. É o que chamamos de alfabetização tecnológica”, explica Prado.
No final de 2007, o Kit Alfa foi escolhido um dos 20 projetos do país, dos 239 apresentados, selecionados e certificados pelo Ministério da Educação (MEC) na área de Tecnologias Educacionais – uma espécie de selo de qualidade do segmento. No mundo todo, principalmente nos Estados Unidos, Japão e Espanha, o uso de robôs educacionais se expande e ganha mais espaço com a miniaturização de componentes eletrônicos. Os primeiros robôs em classe de aula apareceram nos anos de 1980, nos Estados Unidos, impulsionados pelos experimentos do professor sul-africano Seymour Papert, então no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), que criou uma linguagem de computador, chamada de Logos, no final da década de 1960 e escreveu um livro, Mindstorms: children, computers and powerful ideas, ou Tempestades mentais, crianças, computadores e idéias poderosas, lançado em 1980. Suas ideias também incentivaram a criação do Lego Mindstorm, composto por kits de robótica, da tradicional empresa dinamarquesa produtora do brinquedo Lego formado por pecinhas de encaixar. Os kits são comercializados por ela em todo o mundo, inclusive no Brasil. Aqui são os principais concorrentes da PNCA Robótica e Eletrônica a empresa de Duarte e Gouvêa.
O sucesso educacional e empresarial da PNCA começou com o Montezuma, o robô que chegou em segundo lugar, atrás de uma equipe da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Os robôs, programados para comportamento autônomo e construídos pelas diversas equipes inscritas na disputa, deveriam ser capazes de subir uma rampa branca com 25 centímetros de largura, formada por retas e curvas protegidas por paredes pretas, que levava ao topo de uma pirâmide quadrangular com 1,60 metro de altura. Lá no alto as máquinas tinham que encaixar uma bolinha de golfe em um buraco com apenas 10 centímetros de diâmetro. A tarefa deveria ser realizada em no máximo dez minutos. O Montezuma era movido por sensores ópticos, sonares, que emitem ultra-som, e de posição, que lhe permitiam corrigir a rota quando batia nas paredes, realizar curvas precisas e não cair da pirâmide. Ele lembrava a locomotiva de um trem (sem a chaminé e com muitos fios à vista) e acabou se destacando: na primeira etapa da competição foi o único robô a cumprir a prova. “Era muito eficiente, sempre conseguia encaçapar a bolinha”, recorda Prado. “Mas não tinha muita velocidade e fez o percurso em um tempo maior que o robô da equipe da UFRN, na etapa de desempate”, lembra Duarte.
Além do significado simbólico do feito – eram sete as equipes participantes, de algumas das mais importantes universidades do país –, os dois professores decidiram dar uma guinada nas trajetórias profissionais e transformaram uma idéia em uma sólida convicção: levar a robótica para as salas de aula e colocá-la à disposição dos professores nos diferentes níveis de ensino. “A intenção era combinar a tecnologia com um consistente viés pedagógico e aproveitar os robôs para ensinar crianças a partir de 6 anos de forma lúdica e divertida”, explica Prado. Movidos por essa disposição, e ainda em 2004, os dois criaram a PNCA Robótica e Eletrônica. No ano seguinte, surgia a PETe (Planejamento em Educação Tecnológica).
As duas empresas atuam em sintonia e de forma complementar e são responsáveis por fabricar e comercializar o Kit Alfa. Trata-se de um conjunto que oferece uma série de materiais necessários para a montagem de robôs em vários formatos, com formas, funções e tamanhos variados.
Os dois sócios admitem que combinar a carreira acadêmica com a atividade empresarial foi um salto no escuro. “Deu um frio na barriga”, revela Duarte. Ele é formado em engenharia elétrica na Universidade de São Paulo (USP) e mestre em ciências da computação na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Curiosamente, Prado fez o caminho inverso – graduado em ciências da computação na UFSCar e doutorado em engenharia elétrica na USP. Os dois tinham mais de dez anos de experiência na área da educação superior – mas apenas uma tênue noção sobre o funcionamento do setor produtivo. “Investimos nossas economias em um negócio que não sabíamos se iria dar certo”, lembra Duarte. Por isso, desde o surgimento e até julho de 2007, as duas empresas ficaram incubadas no Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cinet) da Fundação Parque de Alta Tecnologia de São Carlos (Parqtec), dividindo as responsabilidades: a PNCA se encarregava do desenvolvimento de tecnologia para os kits, e a PETe garantia o suporte pedagógico para o projeto. “Foi um período fundamental para fazer contatos e aprender aspectos de gestão, produção e administração”, afirma Duarte.
O projeto piloto foi desenvolvido em três escolas, uma em São Carlos, outra em São José do Rio Pardo e a terceira em Lins e revelou que era preciso promover uma série de ajustes na concepção original. “Sugeríamos trabalhos que, imaginávamos, durariam quatro horas. Mas os alunos resolviam os problemas em 45 minutos”, conta Prado. “Foi a nossa primeira lição, jamais subestimar as crianças. Elas aprendem com muita rapidez; além disso, os computadores fazem parte do cotidiano delas”, completa o educador.
Depois de algumas mudanças e de pelo menos duas versões anteriores, atualmente o Kit Alfa é composto por peças e placas de alumínio recicláveis, rodas de plástico com pneus emborrachados, eixos, roldanas, polias, motores, baterias e sensores de luz, temperatura, ruídos, cor e distância, dentre outros. Há ainda um software em português, especialmente pensado para crianças e jovens, combinando ícones e texto, que é o responsável por comandar os movimentos e as reações dos robôs. O conjunto oferece para cada estudante uma apostila com propostas de exercícios, além de um guia de trabalho para o professor.
A proposta da empresa com os kits é sugerir atividades que sejam adequadas aos diferentes níveis de ensino. No primeiro ciclo do ensino fundamental (do segundo ao quinto ano) o percurso começa com a discussão sobre a importância e a utilidade dos robôs. É preciso também desconstruir a imagem que as crianças têm deles. “São sempre imaginados como humanóides, principalmente por conta da influência do cinema. Quando os alunos deparam com aquelas peças estranhas, muitas vezes sem forma definida, ficam desconfiados”, revela Prado. Vencida essa barreira, o trabalho envolve noções de espaço, movimentos e lateralidade. Em aulas de geografia e de história é possível desenhar o oceano Atlântico e os mapas do Brasil e de Portugal sobre um papel azul e reproduzir a chegada da família real portuguesa à então colônia. Com isso, dá para calcular a cartografia e a distância proporcional, escapar de obstáculos no “oceano” como tormentas e rodamoinhos, tudo com os robôs assumindo a função de navios.
Na aula de biologia, estudantes de uma escola de Itajobi, interior paulista, usaram material de sucata, como cobertores e pedaços de plástico, papel e garrafas pet, para transformar os robôs que tinham construído em tartarugas. Depois de sair do ovo, os répteis precisavam escapar dos predadores e chegar até o mar para o primeiro banho. O exercício levava à discussão sobre preservação ambiental. No segundo ciclo (sexto ao nono ano), pode-se pensar em robôs que ajudam a prospectar petróleo, em outros para fazer a coleta de lixo seletiva, em peças que reproduzem os movimentos de planetas e de meteoros.
Nos três anos de ensino médio, além de desafios mais sofisticados, a preocupação está em estimular nos estudantes o gosto pela pesquisa. A partir do contato com os robôs e de temas como inteligência artificial e nanotecnologia, os jovens devem coletar dados, descrever o passo-a-passo dos estudos, produzir relatórios e avaliar erros e acertos. “Apresentamos problemas. Cabe aos alunos discuti-los e encontrar soluções. E vale lembrar que as tarefas são interdisciplinares e estão sempre sintonizadas com os Parâmetros Curriculares Nacionais do MEC”, garante Duarte.
Segundo os educadores e idealizadores do projeto, ainda não há avaliações quantitativas sobre o desempenho escolar (impactos em notas e aprovações, por exemplo) dos alunos e das instituições que adotaram o kit. Mas relatos feitos principalmente por professores e diretores apontam para avanços como mais facilidade no trabalho em grupo e a construção de textos mais criativos. “Os robôs ajudam a desenvolver o raciocínio, o espírito coletivo e o empreendedorismo”, confirma Paulo Luiz Soares Gonzaga, diretor de Tecnologia da Informação e Comunicação da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de João Pessoa. Ele conheceu o kit em uma feira de tecnologia educacional realizada no final de 2006 na capital paraibana.
No início de 2007, os robôs já faziam parte do cotidiano de 4.500 alunos do município, contemplando nove escolas (a rede tem 90 escolas e 68 mil estudantes). “Começamos com uma unidade de cada um dos pólos educacionais da cidade”, explica Gonzaga. Ele admite: foi preciso enfrentar a resistência de alguns professores e a aversão deles às novas tecnologias. Mas, garante o diretor, de forma geral a receptividade foi boa. Nas instituições que participaram do projeto piloto o índice de evasão caiu e a solicitação de novas matrículas no início de 2008 tem sido mais intensa. “É um diferencial da rede”, comemora. “A meta para este ano é ampliar a parceria e fazer dos robôs os companheiros diários de 30 mil alunos, o que representa quase a metade da rede municipal de João Pessoa”, conclui.
O custo final do projeto que integra os kits de robótica, que teve seu pedido de patente depositado em 2005, o material didático e a capacitação dos docentes, é relativamente baixo – de R$ 90 a R$ 120 por aluno, anualmente, dependendo da quantidade de peças solicitadas e das horas de suporte e de orientação para os professores. Na rede privada esse investimento é bancado pelas próprias instituições e, no setor público, o processo envolve licitações. Depois da aprovação, o kit passa a integrar o orçamento das secretarias de Educação. “Feitas as contas, são cerca de R$ 10 por mês para cada estudante”, diz Jaques Weltman, diretor administrativo das empresas.
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