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Alunos com deficiência em classes regulares

Política de educação especial colabora para reduzir atraso escolar, mas pode fomentar segregação do ensino

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Fabio PassosNos níveis infantil, fundamental e médio, as matrículas da educação especial avançaram em classes comuns, conforme o Censo Escolar de 2022, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) no começo deste ano. Entre 2021 e 2022, na educação infantil foram 67,9 mil matrículas a mais. No ensino fundamental e médio foram 74,2 mil e 30,2 mil, respectivamente (ver gráfico). No entanto, mesmo com o crescimento de matrículas em turmas regulares, o processo de inclusão pedagógica constitui uma barreira à formação de alunos com deficiência.

A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva foi adotada em 2008 para garantir o acesso de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades e superdotação em escolas regulares. No mesmo ano, por meio do Decreto nº 6.571, foi estabelecido o atendimento educacional especializado para dar suporte a esses alunos e facilitar o acesso ao conteúdo. A economista Maria Micheliana da Costa Silva, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), detectou, em estudo realizado em parceria com outros pesquisadores da instituição, que essa política permite reduzir a defasagem idade-série de alunos com deficiência, com impactos mais significativos entre estudantes com surdez. Nesse grupo, a defasagem escolar pode ser reduzida em cerca de dois anos, segundo a economista. Investigando dados de censos escolares entre 2009 e 2016, o estudo comparou a situação de grupos de alunos com 13 tipos de deficiência, e contemplados por ações do programa, com a de alunos com as mesmas deficiências, mas que não eram atendidos pelo programa. “Os dados da curva histórica indicam que o programa colabora para que alunos com cegueira, baixa visão, deficiência física e múltipla, autismo, superdotação, entre outros, façam um melhor acompanhamento das atividades das classes regulares”, sustenta a economista.

Por outro lado, em projeto financiado pela FAPESP e concluído em 2019, a psicóloga Enicéia Gonçalves Mendes, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), avaliou políticas de inclusão na rede de um município paulista. Foram aplicados questionários em 61 docentes, sete gestores escolares, 65 estudantes da educação especial e 67 familiares. A pesquisa identificou que o atendimento educacional especializado, ou seja, as aulas oferecidas a alunos com deficiência em salas apartadas do restante da turma, separa os processos pedagógicos de estudantes com e sem deficiência, tornando-os desiguais. A pesquisa detectou que metade dos estudantes da educação especial não recebia atendimento educacional especializado e muitos participavam da atividade em instituições fora da escola. Cerca de 20% dos estudantes com deficiência precisam de atendimento especializado. “Os demais conseguiriam aprender da mesma forma que os outros, em salas de aula regulares, desde que a qualidade do ensino melhore, evitando a necessidade de remediação”, observa.

A inclusão escolar foi o maior problema identificado em mapeamento realizado entre 2019 e 2020 com 3 mil famílias latino-americanas, mil delas brasileiras, de autistas com idade entre 3 e 18 anos. Pesquisadora do Centro Mackenzie de Pesquisa sobre Infância e Adolescência e do Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a psicóloga Cristiane Silvestre de Paula foi uma das coordenadoras do estudo, concluído em 2020, que envolveu a Rede Latino-americana pelo Autismo. No levantamento, constatou-se que 37% das 3 mil famílias não recebiam nenhum tipo de auxílio-saúde ou educação. “O principal objetivo das pesquisas desenvolvidas pela rede, criada em 2015 por pesquisadores e clínicos de seis países da região, é levantar subsídios para formulação de políticas públicas, explica Silvestre de Paula, que também atua no Centro Especializado em Transtorno do Espectro Autista (TEA), do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Segundo ela, atualmente no Brasil o acolhimento de crianças com síndrome de Down é mais eficaz em sistemas de saúde e educação, se comparado com crianças autistas. “Nesse caso, a atuação dos pais fez a diferença. Há cerca de três décadas eles foram pioneiros em organizar movimentos de inclusão em escolas”, diz, explicando que, no país, o movimento de famílias autistas se fortaleceu nos últimos 15 anos.

Rodrigo Cunha

A médica Christina May Moran de Brito, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), coordenou projeto, finalizado em 2021 com financiamento da FAPESP, com o objetivo de gerar recomendações para fortalecer a inclusão de pessoas com deficiência no SUS. Por meio de revisão da literatura sobre barreiras e facilitadores do acesso, entrevistas com 31 profissionais e 50 pessoas com distintos tipos de deficiência em Santos e São Paulo, ela identificou que a falta de comunicação é um dos grandes obstáculos à inclusão. Brito refere-se à comunicação precária ou inexistente entre usuários e prestadores de serviço, entre esses e os gestores dos serviços de saúde e entre os diferentes níveis de atenção à saúde (primária, secundária e terciária). “Essa falha impede o acesso a serviços e pode prejudicar a autonomia da pessoa com deficiência”, comenta a médica, que trabalha no Serviço de Reabilitação do Hospital Sírio-Libanês e no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo.

As universidades brasileiras, observa Silvestre de Paula, têm gerado um volume expressivo de dados sobre deficiências, como ferramentas de diagnóstico e intervenção que podem colaborar com sua inclusão em sistemas de saúde e educação. “Mas, esses dados não chegam a formuladores de políticas públicas de forma que possam ser aplicados em grande escala na prática cotidiana. Redes de saúde, mesmo quando adotam determinados protocolos de atendimento, enfrentam dificuldades para capacitar profissionais e expandi-los para todas as unidades”, finaliza a pesquisadora.

Projetos
1.
Fortalecendo a inclusão de pessoas com deficiência no sistema de saúde no Brasil (nº 17/50358-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa ‒ Políticas Públicas; Pesquisadora responsável Christina May Moran de Brito (USP); Investimento R$ 100.219,16.
2. Avaliação da política de inclusão escolar em contexto municipal baseada na abordagem do ciclo de políticas (nº 17/06129-6); Modalidade Auxílio à Pesquisa ‒ Regular; Pesquisadora responsável Enicéia Gonçalves Mendes (UFSCar); Investimento R$ 104.550,20.
3. Trajetória da saúde mental e de uso de serviços entre crianças/adolescentes brasileiros e ingleses: Estudo de seguimento longitudinal (nº 18/12747-7); Modalidade Bolsas no Exterior; Pesquisadora responsável Cristiane Silvestre de Paula; Investimento 80.947,45.

Artigos científicos
ARARIPE, B. et alProfile of service use and barriers to access to care among Brazilian children and adolescents with autism spectrum disordersBrain Sci. 2022 oct. 21;12 (10):1421.
CLEMENTE, K. A. P. et al. Barreiras ao acesso das pessoas com deficiência aos serviços de saúde: Uma revisão de escopoRevista de Saúde Pública. 56 (64). 2022.
PAULA, C. S. et alChallenges, priorities, barriers to care, and stigma in families of people with autism: Similarities and differences among six Latin American countriesAutism 24 (8), nov. 2020.
SALVINI, R. R. et alAvaliação do impacto do atendimento educacional especializado (AEE) sobre a defasagem escolar dos alunos da educação especial. Estudos Econômicos. 49 (3), jul-set. 2019.

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