Antes da chegada dos descobridores europeus, a povoação da Amazônia provavelmente estava concentrada em sua porção central e leste, e não na bacia amazônica inteira, como se pensava. A conclusão vem da análise de amostras de carvão no centro e no oeste da Amazônia, num estudo feito por pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Flórida (FIT), nos Estados Unidos, e publicado na revista Science desta semana (15 de junho). “As queimadas que indicariam a presença humana eram bem localizadas”, conta o brasileiro Marco Raczka, um dos autores do artigo, contrariando a hipótese anterior de que populações humanas sempre estiveram disseminadas por toda a região.
As partículas de carvão estudadas são, de acordo com o pesquisador, resquícios de queimadas feitas pelos habitantes antigos da floresta. “É uma região muito úmida, as chances de que fogo natural acontecesse ali seriam muito menores”, explica. Mas esses indícios se revelaram localizados e com pequena extensão. “Isso sugere que os impactos humanos, e portanto as densidades populacionais, eram mais baixas do que foi sugerido para regiões no leste da Amazônia e em algumas partes da Bolívia”, conta Crystal McMichael, autora principal do estudo e colega de Raczka no PaleoLab, onde ambos são doutorandos orientados por Mark Bush. “A datação do carvão em nosso estudo indicou que queimadas eram mais frequentes durante os últimos 2.000 anos, mas também registramos fogos até 4.000 anos atrás em uma região”, ela detalha, ressaltando que se trata do mesmo período em que se detecta populações maiores na Amazônia oriental. Povoamentos mais estabelecidos também deixaram como legado um solo mais enriquecido chamado de terra preta, resultado de dejetos, restos de alimentos e queimadas (ver Pesquisa FAPESP nº 194). Mas o grupo não encontrou terra preta em suas amostras, mais um indício do povoamento discreto.
Junto com o colega Luiz Lobato, à época pós-graduando na Universidade Federal de Rondônia, Raczka foi responsável por coletar as amostras na floresta. Eles se concentraram numa região onde não haviam sido feitos estudos desse tipo, sobretudo em áreas que se suspeitava terem sido ocupadas por seres humanos em tempos pré-históricos. “Colhemos amostras ao longo da estrada Porto Velho-Manaus, próximo às cidades de Tefé e Barcelos e também no Acre, onde há florestas de bambu, cuja origem é muito debatida”, conta.
Além do carvão quase em pó misturado às amostras de solo, um tratamento diferente também revelou partículas microscópicas chamadas fitólitos. São restos minerais, sobretudo sílica, deixados pelas plantas e que permitem identificar o tipo de vegetação que existiu no local. A análise e a raridade desse material indica que os habitantes dali provavelmente não praticavam agricultura. “Pequenas ocorrências de carvão e uma carência de fitólitos provenientes de atividades agrícolas nas amostras de solo durante as ocupações pré-colombianas indicam impactos pequenos e altamente localizados”, diz Raczka.
A imensidão amazônica certamente ainda reserva muito espaço para novos estudos, e o próprio grupo da Flórida não considera sua missão encerrada. Mas por enquanto, o retrato que esses pesquisadores enxergam da Amazônia ocidental durante o período pré-colombiano é de pequenos e esparsos grupos indígenas vivendo próximo aos rios e consumindo os recursos vegetais e animais oferecidos pela floresta.
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