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Resenhas

Antes que Rockefeller o faça

Os cortiços de Santa Ifigênia: sanitarismo e urbanização (1893) | Simone Lucena Cordeiro (Org.) | Imprensa Oficial do Estado de São Paulo / Arquivo Público do ESP, 224 páginas, R$45,00

Arthur Neiva, em 1916, quando à frente do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo, discursando sobre a urgência do combate às epidemias e particularmente à de febre amarela, declarou que se o governo não as erradicasse a Fundação Rockefeller o faria. Suas palavras traduzem, nesse princípio do século XX, a urgência da resolução de problemas sanitários que já constavam da agenda política do governo republicano desde os seus primeiros anos.

A cidade de São Paulo, durante as décadas finais do século XIX, com o desenvolvimento da cafeicultura, passou por um incrível crescimento, desenca­deando um processo que a transformaria rapidamente em metrópole industrial. Se por um lado essa metamorfose abria perspectivas de enormes lucros para os detentores dos meios de produção, por outro, revelava que a cidade precisava adequar-se às novas necessidades, enfrentando as enfermidades que desorganizavam o trabalho, desestruturavam o movimento imigratório, dificultavam o intercâmbio comercial e inibiam os investimentos internacionais.

Os graves surtos epidêmicos, que vitimavam grande número de trabalhadores e investidores estrangeiros, impunham o saneamento da cidade, exigência não apenas regional, mas mundial. Dessa forma, os problemas de saúde pública tornaram-se questão de Estado e uma das prioridades do governo. Foi com este espírito que no ano de 1893 constituiu-se uma Commissão de Exame e Inspecção das Habitações Operarias e Cortiços no Districto de Sta. Iphigenia, num momento em que um surto de febre amarela havia assolado a cidade, afetando sensivelmente o bairro de Santa Ifigênia, “onde em 60 cortiços habitavam 1.320 indivíduos de diversas nacionalidades e de todas as condições, e que situava-se a 300 metros do nobre Campos Elísios”.

O relatório final que expõe os resultados do inquérito foi elaborado por três médicos e dois engenheiros. Publicado em edição fac-símile, juntamente com o Código Sanitário de 1894, criado praticamente como sua consequência, faz parte do livro organizado pela historiadora Simone Lucena Cordeiro, diretora do Centro de Arquivo Permanente do Arquivo Público do Estado de São Paulo.

A publicação não só facilita o acesso à pesquisa permitindo estudos sobre temas variados como o da medicina social, engenharia sanitária, habitação popular, cultura material, imigração, entre outros, como enseja também vislumbrar as múltiplas e conflituosas dimensões da constituição da nação brasileira nos primórdios da República. O livro ainda traz três renomados historiadores cujos textos inspiraram-se no relatório da comissão.

No primeiro texto, Maria Stella Bresciani perscruta a cidade a partir da “questão sanitária”, assinalando seus contrastes, seus conflitos e ao mesmo tempo a ampla difusão entre a população, dos preceitos sanitários acoplados à ideia de progresso. No segundo texto, Maria Alice Rosa Ribeiro procede a uma rigorosa análise do relatório, capítulo por capítulo, enfatizando o ideal cientificista dos membros da comissão cujo método pressupunha uma abordagem objetiva e neutra da realidade, necessária e em sintonia com as metas republicanas de condução do país na senda do progresso.

No terceiro texto, Jaime Rodrigues detecta os objetivos políticos da comissão subjacentes às metas de prevenção e que poderiam ser resumidos no chamamento para “salvar a cidade ameaçada em sua prosperidade e futuro”, indicando que o relatório e as políticas públicas de habitação popular propostas não se referem apenas à higiene, mas também às formas de apropriação do espaço urbano e, no limite, à construção do Estado.

Mariza Romero é professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)

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