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BIOTECNOLOGIA

Anticorpos combatem pragas no campo

Empresa produz kits para diagnosticar doenças em plantações de soja e batata causadas por fungo e vírus

Células híbridas usadas na produção de anticorpos monoclonais

Eduardo CesarCélulas híbridas usadas na produção de anticorpos monoclonaisEduardo Cesar

Dois projetos desenvolvidos por uma pequena empresa de biotecnologia de Campinas, a Rheabiotech, poderão ajudar a controlar doenças de duas importantes culturas agrícolas do país. Em seus laboratórios estão sendo produzidos anticorpos que serão usados em kits para diagnosticar a ferrugem asiática da soja, causada por um fungo, e dois tipos de vírus que atacam as plantações de batatas. A ferrugem asiática da soja é uma doença causada pelo fungo Phakopsora pachyrhizi, que ataca as folhas da planta e causa o definhamento dos grãos e a consequente queda da produtividade. Os prejuízos chegaram a US$ 25 bilhões no período entre 2003 e 2013, segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Seu controle é difícil e requer a aplicação constante de fungicidas, pois na fase inicial da infecção o fungo só pode ser detectado por exame visual com uma lupa. “O problema é que, como ele só é detectado depois que a plantação está infestada, nunca se sabe exatamente quando se deve aplicar o fungicida”, explica o biólogo Luís Antônio Peroni, sócio-diretor da Rheabiotech. “Por conta dessa incerteza são feitas várias aplicações – até seis ou sete por safra –, o que aumenta os custos.” O kit que está sendo desenvolvido em parceria com a empresa ParteCurae Analysis, de São Carlos, poderá antecipar o diagnóstico em até cinco dias, antes que a contaminação tenha se espalhado.

A sua fabricação começa com a obtenção de anticorpos para o fungo. Para isso, usa-se como antígeno o micélio, que é a parte do talo do fungo constituída por filamentos. Esse antígeno é inoculado em coelhos, quatro vezes em intervalos de 15 dias, para imunizá-los. Ou seja, o organismo do coelho produz anticorpos para combater o antígeno. “O sangue do coelho, com esses anticorpos, é retirado e dele extraído o soro imune”, explica a bioquímica argentina radicada no Brasil Fernanda Alvarez Rojas, sócia-diretora da Rheabiotech. “Depois, os anticorpos do soro são purificados.”

Os anticorpos obtidos são chamados de policlonais, pois são produzidos por diferentes clones de linfócitos B, células que constituem o sistema imune. Eles são uma mistura de moléculas de imunoglobulinas produzidas contra um antígeno específico, mas cada uma reconhecendo uma região distinta, também denominada de determinante antigênico ou epitopo. Hoje já estão disponíveis no mercado vários tipos de anticorpos policlonais, produzidos para testes diagnósticos ou para combater doenças infecciosas. Mas há outro tipo de anticorpos, chamados monoclonais, produzidos a partir de um único linfócito B e capazes de reconhecer e combater apenas uma região do antígeno. Ou seja, eles são mais específicos e, por isso, representam um grande avanço para o tratamento de várias doenças, principalmente o câncer. O modo de produzi-los é diferente.

Estufa onde são produzidos os anticorpos

Eduardo CesarEstufa onde são produzidos os anticorposEduardo Cesar

O passo inicial é imunizar os camundongos com o antígeno e, em seguida, efetuar a coleta do baço para obtenção dos linfócitos B ou linfoblastos. Em seguida, essas células são fundidas com outras, cancerígenas, extraídas de um mieloma murino (de camundongo). “Com isso se obtém um conglomerado de células híbridas chamado hibridoma”, explica Peroni. “Ele tem a capacidade de crescimento ‘infinito’ em cultura, conferida pelas células cancerosas, e também a de produzir anticorpos, obtidos dos linfócitos B do baço do camundongo. Assim, pode-se produzir anticorpos com um número menor de animais em laboratório.”

Segundo Peroni, a escolha entre produzir anticorpos poli ou monoclonais depende das técnicas e do objetivo final. “Alguns antígenos são muito semelhantes entre si e, nesses casos, o melhor é usar um monoclonal, pois é possível realizar uma seleção dos clones mais específicos”, diz. “Em geral, quando o objetivo do uso dos anticorpos visa homogeneidade e produção em maior escala, é interessante o uso de monoclonais, pois tendo o hibridoma pode-se produzir os anticorpos em cultura e purificá-los. Além disso, esses anticorpos sempre serão iguais aos originais, o que garante reprodutibilidade e especificidade no teste.”

Em relação ao teste para diagnosticar a ferrugem asiática da soja, a empresa pode usar tanto os poli como os monoclonais. Nos que foram realizados até agora, usando o método Elisa, foram empregados os dois tipos de anticorpos. O Elisa é uma técnica para avaliações imunológicas capaz de detectar um antígeno ou anticorpo em uma amostra, com base na interação entre eles. Se um deles está presente, um sinal visível – como uma mudança de cor – é produzido e detectado por um espectrofotômetro. Apesar dos bons resultados obtidos com esse método no diagnóstico da ferrugem asiática da soja, em testes de campo realizados pela Rheabiotech ele apresentou alguns problemas. “Embora seja simples, esse tipo de teste exige uma estrutura mínima, como geladeira, leitor de microplacas e um funcionário capaz de interpretar os resultados, o que normalmente não existe na área das lavouras”, diz Peroni. “Por isso estamos desenvolvendo um kit diferente, que usa uma membrana de nitrocelulose, em forma de tirinha, semelhante a um teste de gravidez.”

Freezer para conservação de banco de células a -80ºC

Eduardo CesarFreezer para conservação de banco de células a -80ºCEduardo Cesar

Para isso, foi firmada uma parceria com a ParteCurae Analysis, que atua nos segmentos agrícola, ambiental, biotecnológico e veterinário e produz, entre outros itens, kits de diagnóstico rápido para doenças de animais e plantas. No caso do kit usado para detectar a ferrugem asiática da soja, ele é composto pela tira contendo anticorpos em duas posições definidas. “Numa delas são depositados os anticorpos contra o antígeno em estudo (região teste), no caso o micélio do fungo Phakopsora pachyrhizi”, explica a bióloga molecular Regiane Travensolo Sacomano, pesquisadora da ParteCurae. “Na outra são colocados anticorpos contra os ‘conjugados’ (região controle).” Ela explica que nesse kit os conjugados são anticorpos secundários, com especificidade contra os anticorpos primários, marcados com alguma enzima ou outra substância que torne visível a reação. Em outras palavras, há dois tipos de anticorpos no teste. Os primários, que reagem contra o antígeno, no caso o fungo. E os secundários, que contêm o marcador e reagem contra os primários, tornando visível a reação toda. No caso do kit desenvolvido pela ParteCurae, os marcadores usados são nanopartículas de ouro.

Durante o diagnóstico, o complexo antígeno-anticorpo conjugado migra pela membrana (tirinha) até chegar às regiões de teste e de controle. “Se aparecerem duas linhas vermelhas, significa que o resultado é positivo, ou seja, a amostra de folhas está contaminada pelo fungo”, diz Regiane. “As análises com o resultado negativo formarão apenas uma linha vermelha, a do controle, que é uma forma de mostrar que o teste funcionou adequadamente.” O diagnóstico é realizado em 10 minutos.

Grandes prejuízos
Por um processo semelhante, a Rheabiotech está trabalhando para desenvolver kits para a detecção de dois tipos de vírus que atacam batatas, o potato virus X (PVX) e o potato virus Y (PVY). Nesse caso, os anticorpos policlonais contra os vírus foram desenvolvidos pelo aluno de mestrado Marcel Salmeron Lorenzi, sob orientação da professora Dagmar Ruth Stach-Machado, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A tecnologia foi licenciada pela empresa, que agora tenta transformá-la num produto comercial. No Brasil, a cultura de batata ocupa uma área em torno de 130 mil hectares, com produção de cerca de 2 milhões de toneladas por ano. Nos últimos anos, no entanto, tem sofrido grandes prejuízos por causa dos vírus PVX e PVY. “Eles causam problemas nas folhas e manchas nas batatas”, conta Peroni. Segundo Dagmar, é um problema sério. “No Brasil, as doenças causadas por esses vírus são uma das principais limitações ao aumento da produção”, diz.

Para esses dois projetos de produção de teste para microrganismos específicos e para um terceiro, de desenvolvimento de anticorpos secundários e conjugados, a Rheabiotech recebeu, entre 2004 – quando ainda se chamava Imuny – e 2014, cerca de R$ 1,3 milhão da FAPESP por meio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe). Em 2008, Peroni juntou-se a Fernanda, fundadora da Imuny, e surgiu a Rheabiotech, com o objetivo de estabelecer uma ponte entre as pesquisas realizadas nas universidades e o mercado.

Projetos
1. Desenvolvimento de kits diagnósticos para fitopatógenos de importância para agricultura (nº 2008/53621-4); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Luís Antônio Peroni (Rheabiotech); Investimento R$ 386.992,10 (FAPESP)
2. Produção de anticorpos para métodos imunoquímicos – inserção no mercado (nº 2012/51000-8 e 2013/50045-0); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisadora responsável Fernanda Alvarez Rojas (Rheabiotech); Investimento R$ 256.094,26 (FAPESP) e R$ 252.000,00 (Finep)

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