Até há pouco tempo, se você quisesse comprar um suco de laranja pronto para beber nos supermercados, a opção era: nenhuma. Depois, surgiram as embalagens cartonadas longa vida e, mais recentemente, em alguns lugares, o suco em embalagens de plástico ou cartolina em geladeiras. Logo, as possibilidades de escolha podem mudar, com um produto de excelente apresentação. Uma pesquisa de mestrado, feita na Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), desenvolveu um processo pelo qual o suco natural pode conservar-se até uma semana, sob refrigeração a 4 graus, em garrafas de polietileno tereftalato (PET).
“A intenção não foi substituir as embalagens existentes, mas sim criar alternativas para o mercado, especialmente no caso de uma embalagem já consagrada pelos consumidores, devido à sua boa apresentação visual e características de marketing”, diz o resumo da dissertação de mestrado, preparada pelo engenheiro químico Randolpho da Silva Corrêa Neto. A pesquisa,Processamento de Suco de Laranja Pasteurizado em Garrafas de Polietileno Tereftalato (PET) , foi feita sob a orientação do professor José de Assis Fonseca Faria, do Laboratório de Embalagem do Departamento de Tecnologia de Alimentos da Unicamp, com o apoio da FAPESP.
O resultado, porém, pode ir além disso. As garrafas de PET, introduzidas no Brasil em 1989, para bebidas carbonatadas, como os refrigerantes, têm várias vantagens sobre as de vidro e as de polietileno de alta densidade (PEAD), as mais usadas atualmente para sucos. Elas são, por exemplo, inertes, não alterando as propriedades do produto; têm boa resistência aos impactos, não se rompendo nem mesmo quando caem, cheias ou vazias; podem ser fabricadas em diversos formatos, tamanhos e cores; a garrafa que está sendo usada pode ser mantida fechada; e, especialmente, têm excelentes propriedades ópticas, como a transparência e o brilho.
Além disso, ganham do vidro com relação ao fator peso.Atualmente, no Brasil, não existe nenhum suco embalado em garrafas de PET, usadas especialmente em embalagens de 2 litros de refrigerantes. “Conheço alguns exemplos noexterior, mas são sucos reconstituídos, a partir de concentrados, não extraídos na hora”, diz o professor Assis. Assim, a pesquisa teve de partir basicamente do zero. Precisavam ser levados em conta dois fatores, as exigências da embalagem e as do mercado brasileiro. Era preciso manter as características organolépticas e nutricionais do produto e, ainda, suas características de comercialização.
As garrafas de PET usadas normalmente no Brasil não suportam o enchimento a quente, pois deformam a temperaturas superiores a 70 graus. O suco, por sua vez, também não pode ser submetido ao enchimento a quente, pois sofre alterações de sabor e de aroma que o levam a ser rejeitado pelos consumidores. O suco puro, como tirado da laranja, no entanto, não teria muito tempo de vida na prateleira. Sendo um produto perecível, teria de ser consumido no máximo algumas horas depois de extraído.
A pesquisa, assim, trabalhou com o suco pasteurizado. Foram experimentados dois tipos de pasteurização, a 72 graus Celsius por 16 segundos e a 91 graus Celsius por 40 segundos. Foram examinados fatores como sólidos solúveis, sólidos em suspensão, teor de vitamina C, atividade da enzima pectinesterase – que deixa o suco mais turvo, conforme passa o tempo -, contagem microbiológica de bolores e leveduras, coliformes e a qualidade geral e em sabor. De maneira geral, o fator limitante foi o aumento do número de bolores, leveduras e bactérias láticas, o que levou a estabelecer seis dias como o limite da vida útil do produto.
Colapsagem
A conclusão é que a garrafa de PET usada na pesquisa é adequada para o acondicionamento do suco de laranja pasteurizado, apesar de ter apresentado uma pequena colapsagem no final da vida de prateleira. Esse problema, porém, de acordo com os pesquisadores, pode ser resolvido com uma melhoria no projeto da embalagem, com a adoção de um formato que dê mais resistência mecânica à garrafa. A embalagem usada na pesquisa tinha capacidade de meio litro, ou 500 ml. Para os pesquisadores, essa é a capacidade com maior potencial comercial.
O tratamento térmico a 91 graus foi mais eficiente na inativação da pectinesterase, mas o tratamento a 72 graus conduziu a um produto de melhor sabor, nos testes a que foi submetido – o que é natural, pois o suco sofre maiores alterações quanto ao sabor quando é submetido a temperaturas mais altas. De qualquer maneira, o sabor não foi fator limitante. Os testes sensoriais não chegaram a determinar o fim da vida de prateleira do produto, apesar de eles se terem prolongado por 28 dias após o armazenamento. Houve uma alteração na cor do produto, mais avermelhada e menos amarelada que o produto recém-processado. Isso, porém, foi atribuído ao processo de pasteurização.
A acidez total titulável, sólidos solúveis,ratio e pH não apresentaram variações significativas, seja em função do tratamento térmico, seja em função do tempo de armazenamento. O teor de ácido ascórbico, ou vitamina C, sofreu uma redução, mais acentuada nos primeiros dias da estocagem. Não houve grandes variações nessa diminuição, porém, de acordo com o tratamento térmico empregado. “Otimizando-se o processo térmico, geralmente, as perdas de ácido ascórbico durante o processamento diminuem”, diz o professor Assis. “A perda depois do envase depende de fatores como a permeabilidade da garrafa ao oxigênio e a temperatura de estocagem.”
Estabilidade
Apesar das alterações no sabor, a pasteurização é importante. Ela dá maior estabilidade microbiológica ao produto e uma vida útil de comercialização maior. Além disso, protege o consumidor. “Ele pode substituir o recente mercado informal de venda de suco de laranja nos sinais de trânsito”, diz o professor Assis. “Na primeira vez que experimentei, tive problemas intestinais.” Outra vantagem é desativar a pectinesterase, que causa turbidez, geleificação e sedimentação de materiais insolúveis no suco, levando o produto a ser rejeitado pelo consumidor. A otimização do tratamento térmico, além disso, diminui as perdas de vitamina C durante o processamento.
A pesquisa usou garrafas de meio litro, por ser a capacidade mais comercial com relação às outras ofertas de embalagens plásticas, mas, segundo os pesquisadores, o processo pode ser usado para garrafas de qualquer volume. “Existem no mercado garrafas de PET que vão das mini doses, de 50 mililitros, aos garrafões de 20 mil mililitros para água mineral”, diz o professor Assis. “Mas os de entre 300 e 2 mil mililitros são os mais comerciais.”
Ela também abre caminho para seu uso em outros tipos de suco. “A pesquisa buscou associar o potencial do PET à tradição e disponibilidade do suco de laranja nacional”, afirma o pesquisador. “Mas qualquer outra matéria-prima poderá ser usada, considerando apenas pequenos ajustes nos parâmetros dos processos.” Isso abre caminho, por exemplo, para a comercialização em embalagens mais atraentes do suco de uva brasileiro, considerado um dos melhores do mundo; ou o de caju, muito rico em vitamina C e em cuja cultura há enorme desperdício, pois a polpa da maior parte da colheita é deixada para apodrecer depois da extração da castanha.
Por enquanto, as embalagens cartonadas têm a liderança do mercado na venda de sucos. Mas a participação dos plásticos também é importante. No Brasil, é usado principalmente o polietileno de alta densidade e, às vezes, o PVC. “A principal vantagem do PET é sua melhor apresentação visual, pois sua barreira ao oxigênio não é das melhores”, diz o professor Assis. Para obter uma barreira melhor seria necessário usar materiais mais caros, como o PEN ou extrusados contendo EVOH. Uma novidade é o PET com coating de carbono amorfo, obtido por tecnologia de plástico. Esse produto, porém, ainda não chegou ao mercado.
De qualquer maneira, a pesquisa chega num momento importante. Desde o início da década de 1990, o mercado de suco de laranja passa por uma enorme transformação no Brasil. A indústria brasileira de suco de laranja nasceu e se desenvolveu voltada para o exterior, portanto, para o produto concentrado. Isso está mudando. O surgimento de novas formas de comercialização do produto, dificuldades de exportação e o aumento do poder de compra da população se combinaram para tornar o mercado interno mais atraente para os produtores.
A isso se combinaram fatores como a disponibilidade de fruta fresca para a extração de suco praticamente durante todo o ano e novos hábitos que dão aos sucos naturais preferência sobre as antigas bebidas industrializadas, como os refrigerantes. Surgiram também melhores canais de distribuição, facilitando a distribuição do produto refrigerado. Isso permite que os alimentos sejam submetidos a processos térmicos mais brandos, ficando com características mais semelhantes às do produto fresco. Isso é muito importante para o mercado brasileiro, cujo consumidor é normalmente muito exigente com relação ao sabor dos sucos cítricos.
O processo empregado na pesquisa mostra, nesse ponto, enorme vantagem sobre o usado nos produtos encontrados no mercado. Os sucos refrigerados prontos para beber atuais são submetidos a tratamentos térmicos de 90 a 95 graus, durante 30 a 40 segundos. Se acondicionados em embalagens cartonadas simples, sem folha de alumínio, do tipo pure pak, têm vida útil de três a quatro semanas a 4 graus Celsius.
Existe um outro setor, cujas características de sabor e odor são inferiores. É o dos sucos comercializados à temperatura ambiente, em embalagens cartonadas com alumínio, do tipo tetra brik, as caixinhas. Esses sucos são obtidos a partir da mistura do suco de laranja concentrado com água e açúcar, mais ácidos cítrico e ascórbico. Nessas embalagens, a vida útil é de cerca de três meses.
Novidades continuam a surgir no campo das embalagens. Nos Estados Unidos, os maiores fabricantes põem à venda suco de laranja pasteurizado em embalagens do tipo bombona com alça e capacidade de 2,8 litros. As embalagens têm formato retangular e podem ser guardadas nas portas de geladeiras. A quantidade corresponde ao consumo médio semanal de uma família americana e o tempo de prateleira é de 60 dias.
A entrada de grandes empresas no mercado e a disponibilidade do produto em supermercados e padarias teve como resultado um grande impulso no consumo de suco de laranjas pelos brasileiros. O consumo por habitante, que era de 400 mililitros por habitante/ano, deu um salto e chegou a 16 litros por habitante/ano em 1996, aproximando-se do consumo americano, que é de 20 litros por habitante/ano. Hoje, um terço da produção de suco de laranja de São Paulo é consumido no Brasil.
O engenheiro Randolpho completou com êxito seu mestrado e agora prepara o doutorado, trabalhando com a equipe da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp que estuda o desenvolvimento de sistemas assépticos para a conservação de produtos líquidos em garrafas. “O trabalho foi a etapa inicial de uma de nossas linhas de pesquisa, que vem sendo desenvolvida há mais de três anos”, informa o professor Assis.
As investigações atualmente em curso incluem o uso de embalagens de PET para vários produtos, como água de coco, óleo comestível e bebidas isotônicas. Desta vez, porém, com atenção especial para a obtenção de um sistema asséptico, capaz de garantir um produto de boa qualidade com comercialização à temperatura ambiente, sem a necessidade de refrigeração no ponto-d- venda ou cadeias de frio na distribuição. “Nosso objetivo é desenvolver um sistema asséptico para garrafas plásticas que seja, especialmente, viável para empresas de pequeno e médio porte”, diz o professor da Unicamp.
Perfil:
José de Assis Fonseca Faria é Professor da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Formado em Agronomia pela Universidade Federal de Viçosa (MG), fez o mestrado e o doutorado na área de Ciência de Alimentos na Rutgers University, nos Estados Unidos.
Projeto:Desenvolvimento de Processo de Acondicionamento de Suco de Laranja Pasteurizado em Garrafas de Polietileno Tereftalato (PET)
Investimento: R$ 12.165,00