A relação universidade e empresa no Brasil melhorou nos últimos dez anos graças, sobretudo, a múltiplas iniciativas legislativas. Mas ainda há uma série de obstáculos a serem superados, conforme apontaram pesquisadores e empresários na conferência temática “Colaboração Universidade-Empresa”, realizada em 19 de março no auditório da FAPESP. O encontro reuniu subsídios para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI), agendada para 4 a 6 de junho, em Brasília.
Algumas empresas já investem fortemente em um novo modelo de parceria universidade-empresa. Uma delas é a Embraer, como mostrou seu diretor de tecnologia e projetos avançados, Cleiton Diniz Pereira da Silva e Silva. “Temos hoje mais de 20 mil colaboradores, com 1.300 doutores, mestres e pós-graduandos. Um de nossos programas de formação, já com 23 anos, é o mestrado profissional em engenharia aeronáutica, uma parceria entre a Embraer e o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Juntas, empresa e academia elaboraram um currículo e uma metodologia para treinar profissionais capazes de atender as demandas atuais e do futuro”, contou.
E acrescentou: “Já temos mais de 1.600 formados, que vieram de 105 universidades de 20 Estados da federação. Há uma grande diversidade no perfil dos alunos. A formação é conduzida por mentores, professores da Embraer e professores da academia. Na terceira e última fase da formação, os alunos recebem um desafio, que vem da unidade de negócios. É quem entende as necessidades do cliente e propõe os requisitos que os novos produtos devem ter. Com esse desafio em mãos, os alunos devem projetar: trabalham de forma multidisciplinar, conduzem experimentos, fazem projetos conceituais, estudo de viabilidade técnica e estudo de viabilidade financeira – o tempo inteiro acompanhados por mentores especialistas, que, na Embraer, chamamos de nossos engenheiros-chefes, um time guardião do conhecimento”.
Silva e Silva pondera que a formação tradicional, mesmo em nível de mestrado e doutorado, organiza o conhecimento por disciplinas. Mas a realidade da indústria apresenta outro tipo de problemas. “Um exemplo na Embraer é o KC 390, uma aeronave multimissão capaz de pousar em sítios semipreparados. Um problema como este não pode ser resolvido por uma disciplina ou por várias disciplinas não integradas. Exige a participação de uma equipe multidisciplinar. Para muitos problemas físicos suscitados por esse produto, por mais que tivéssemos a participação de doutores e mestres, não havia conhecimento consolidado. Precisamos formular hipóteses, conduzir experimentos, falhar e acertar, para que pudéssemos chegar, entre outras coisas, a uma aeronave capaz de pousar sem arremessar pedras do terreno, que poderiam destruir o motor”, exemplifica.
Outras empresas, como a Granbio, que atua no desenvolvimento de tecnologias verdes, ainda encontram obstáculos. Bernardo Gradin, seu fundador e CEO, apontou, por exemplo, a dificuldade em “traduzir” para a academia a visão de risco da empresa e a inexistência de instâncias acadêmicas que facilitem a conversão de um artigo científico ou uma tese de doutorado numa ideia virtuosa do ponto de vista da inovação. É preciso, ele sugere, criar uma “cultura de inovação” que estreite a relação universidade-empresa.
Gradin reconhece uma significativa melhora no ambiente de inovação no país nos últimos anos. “Mas o resto do mundo melhorou muito mais e mais rapidamente; lá inovação é uma piscina de borda infinita”, alertou.
A Granbio, por exemplo, tem 400 patentes, 375 delas depositadas também nos Estados Unidos. Lá o processo de registro levou 14 meses; aqui são sete anos. “Precisamos de um ambiente que proteja o conhecimento, que acelere a proteção de patentes”, afirmou.
Investimento em pesquisa
Para Carlos Henrique de Brito Cruz, ex-diretor científico da FAPESP, o que falta é pesquisa empresarial no Brasil.
“A empresa precisa ser um dos locais relevantes da atividade de pesquisa empregando pesquisadores. Não precisa ser doutor, mas usar o que sabem para melhorar a competitividade da empresa”, sublinhou Brito Cruz, atualmente vice-presidente sênior de redes de pesquisa da empresa Elsevier, em Oxford, Reino Unido.
Brito Cruz ponderou que cabe às universidades produzir conhecimentos básicos e aplicados e preparar pesquisadores para atuar nas empresas e no governo. Aos governos, cabe manter uma rede de boas universidades, uma boa infraestrutura de pesquisa e um bom escritório de propriedade intelectual, e criar um ambiente que facilite e estimule as empresas a desenvolverem pesquisa. “Mas as empresas precisam fazer sua parte. Precisamos abandonar a ideia de que os únicos lugares da pesquisa são as universidades e os institutos de pesquisa governamentais”, pontuou. Em sua avaliação, as políticas nacionais têm sido frustradas em obter um aumento do dispêndio empresarial em pesquisa.
Na avaliação de Fernanda De Negri, diretora de Estudos Setoriais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a demanda empresarial pelo conhecimento desenvolvido nas universidades ainda é muito baixa. Comparou números de cientistas e pesquisadores por milhão de habitantes em diversos países e sublinhou que, nesse ranking, o Brasil ocupa posição bastante modesta.
Nos Estados Unidos, ela exemplificou, os investimentos públicos tiveram um bom período subsequente ao pós-guerra, alcançaram um pico em meados da década de 1960 e depois declinaram, sendo ultrapassados pelos investimentos privados no final da década de 1970. “Esse período de boom do investimento público foi justamente o momento de consolidação dos grandes laboratórios nacionais, de construção de uma infraestrutura que fez daquele país o líder tecnológico mundial”, falou. Depois que as bases estavam assentadas, os investimentos públicos puderam diminuir e o investimento privado decolou.
Distritos inteligentes
Do lado da universidade, um projeto de futuro foi apresentado na conferência pelo professor Antonio José de Almeida Meirelles, reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que falou da criação do “Hub Internacional para o Desenvolvimento Sustentável” (HIDS), a partir de uma parceria público-privada. “Campinas é, hoje, responsável por 16% da produção científica nacional. E, em torno da Unicamp, temos alguns dos principais equipamentos de pesquisa do país. A ideia é desenvolver um distrito inteligente, um local onde seja compartilhada a inovação entre a universidade e o mundo corporativo, sem restrição de porte, com ênfase na formação de pessoas que possam ir para as empresas e gerar um processo inovativo em seu interior. Queremos que as pessoas morem no local, com escolas, transporte e estrutura para a vida social”, informou.
Segundo Meirelles, a expectativa é que esse distrito seja um exemplo para iniciativas semelhantes em outros locais do Estado de São Paulo e do Brasil.
Sob o guarda-chuva “Colaboração Universidade-Empresa”, a conferência temática tratou de uma agenda extensa e se prolongou por mais de quatro horas. Além dos debatedores citados, teve apresentações de Paula Helena Ortiz Lima, diretora-presidente do Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec), e de Mayra Silvestre Izar, consultora de Inovação do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
André Clark, vice-presidente sênior da Siemens Energy para América Latina, e Liedi Legi Bariani Bernucci, diretora-presidente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), participaram das coordenações de mesas.
A comissão organizadora foi composta por Marco Antonio Zago, presidente do Conselho Superior da FAPESP, Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente da FAPESP, e Pedro Wongtschowski, do Conselho Superior de Inovação e Competitividade da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Pacheco, que coordenou a conferência, encerrou o encontro lembrando que a mudança da legislação norte-americana para flexibilizar a relação entre atores do processo de inovação é algo que tem entre 25 e 30 anos e que, bem antes disso, eles já haviam feito outros experimentos com esse objetivo. “Em certo sentido, as coisas no Brasil andaram. As instituições responderam à criação da Lei de Inovação, fazendo um esforço de patenteamento. O importante a notar é que, quando se muda o ambiente regulatório, as instituições respondem ao desafio da política. É esta perspectiva positiva que queremos levar à 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação”, disse.
A conferência temática: “Colaboração Universidade-Empresa”, preparatória para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI), pode ser assistida na íntegra em: www.youtube.com/watch?v=1sLGlz3S5fc&t=4s.
Republicar