Invisíveis, minúsculos, abundantes e pouco interagentes: estes são os elusivos neutrinos, talvez as mais enigmáticas partículas elementares que permeiam o imaginário popular. Desde 1930, quando foram teoricamente propostos, e 1956, quando foram detectados, até os dias de hoje neutrinos têm se mostrado uma parte integral do abecedário das partículas elementares, desempenhando papéis importantíssimos nos mais variados fenômenos físicos. O nosso Sol, por exemplo, é uma notável fonte de neutrinos, que são produzidos em grandes quantidades por meio do mesmo processo responsável por mantê-lo brilhando: a fusão nuclear. Esses são os neutrinos solares, tema do livro Neutrinos solares e o método científico, de autoria do físico Pedro Cunha de Holanda.
Como o título sugere, na obra, o leitor é levado em uma jornada histórica da pesquisa na área de neutrinos, percorrendo as principais descobertas, desde seus primórdios até os dias atuais. De forma didática, Holanda apresenta o desenvolvimento das ideias relacionadas a essas partículas, começando com os conceitos mais fundamentais acerca do que elas são e como são produzidas no interior do Sol. Pouco a pouco, ele avança ao introduzir alguns cálculos simples e, com maestria, conduz o leitor à compreensão de conceitos úteis para entender como se dá a detecção de neutrinos.
Gradativamente a abordagem aprofunda-se, com a introdução do conceito de “sabores” de neutrinos. Com o auxílio de criativas analogias musicais, o leitor aprende como um sabor de neutrino pode oscilar em outro, um dos fenômenos mais contraintuitivos da mecânica quântica. Holanda também introduz com didatismo os efeitos da interação entre neutrinos e matéria presente no interior do Sol.
O autor apresenta gráficos extraídos de publicações originais, ademais de algumas equações, sem que isso torne a obra inacessível ao leitor. O esforço evidencia seu ambicioso projeto de alcançar os mais diversos públicos, o que resulta em uma obra estratificada, que ora atende ao leitor pouco familiarizado com a área, ora a um público especialista. Acredito que essa abrangência tenha valor inigualável para um nicho específico de leitores: os estudantes de física, principalmente os que estão iniciando na área da física de partículas.
Holanda utiliza os principais desenvolvimentos da área, tanto teóricos quanto experimentais, para ilustrar o método científico, com a intenção de demonstrar, simultaneamente, suas limitações e seu poder. A ênfase na natureza dinâmica da empreitada científica e na maleabilidade do método, que é um constructo humano, é um tema recorrente na obra.
Neutrinos são observados ou detectados? Essa não é uma questão meramente semântica. Com ela, Holanda motiva uma das discussões mais interessantes em filosofia da ciência, contrastando algumas das principais correntes epistemológicas, tais como o realismo e o antirrealismo, e tocando em pontos fundamentais acerca da natureza das coisas e do real significado das leis físicas.
Os interlúdios filosóficos são talvez a característica mais marcante do livro, a despeito da esporádica desarticulação entre os tópicos apresentados e da superficialidade de algumas análises. Ao argumentar a favor de critérios de elegância e estética na ciência, por exemplo, posição de difícil sustentação e objeto de muitas críticas, talvez por brevidade, Holanda deixa escapar a oportunidade de aprofundar a reflexão sobre um tema amplamente debatido na atualidade. Apesar disso, é bem-sucedido em sua missão de analisar episódios pretéritos e presentes da pesquisa em neutrinos solares sob a ótica de várias vertentes contemporâneas do pensamento filosófico.
Com respaldo em sua trajetória acadêmica na área, Holanda fornece ao leitor uma excelente obra de introdução à física de neutrinos solares. Suas excursões em temas filosóficos são boas fontes de informação para leigos e profissionais da área de física, que frequentemente não têm familiaridade com os debates contemporâneos em filosofia da ciência. Neutrinos solares e o método científico cumpre bem o propósito de ensinar física de neutrinos e, ao mesmo tempo, de apresentar como, de fato, se dá a construção do conhecimento científico.
Rafael Alves Batista é físico e pesquisador da Universidad Autónoma de Madrid.
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