Imprimir PDF Republicar

óptica

Arma a laser contra o câncer

Pesquisadores desenvolvem equipamentos e elaboram estudo clínico para a disseminação da terapia fotodinâmica

INSTITUTO DE FÍSICA DA USP SÃO CARLOSA dentista Cristina e o médico Cestari fazem aplicação com feixe de laser no Hospital Amaral Carvalho, em JaúINSTITUTO DE FÍSICA DA USP SÃO CARLOS

Apreensão. Talvez essa palavra resuma de forma branda a reação das pessoas quando recebem o diagnóstico de que estão com algum tipo de câncer, um problema que atinge cerca de 350 mil brasileiros todos os anos. Quando recebem a notícia, essas pessoas, entre muitas perguntas, têm dúvidas sobre a forma do tratamento. Cirurgia, radioterapia e quimioterapia são as três alternativas consagradas que salvam muitas vidas. O que muitos pacientes e médicos ainda desconhecem é que um novo tipo de tratamento – a terapia fotodinâmica (TFD ou PDT, do inglês Photodynamic Therapy) – está ganhando terreno rapidamente, num avanço promissor na cura ou na melhora da qualidade de vida dos pacientes com câncer sem deixar seqüelas.

No Brasil, a nova técnica, que utiliza um feixe de laser de características especiais como meio terapêutico principal, está sendo impulsionada pelo Centro de Pesquisas em Óptica e Fotônica, um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) criados no ano 2000 pela FAPESP. Um grupo de quase 30 pessoas, composto de pesquisadores, médicos, biomédicos e técnicos, desenvolveu os equipamentos, aprimorou a técnica e agora faz os testes clínicos para finalizar o protocolo que vai orientar os médicos brasileiros nessa especialidade. Aprovada em 1998 pela Food and Drugs Administration (FDA), agência que faz o controle de alimentos, medicamentos e técnicas de terapias em humanos nos Estados Unidos, a TFD já está presente em 18 países. “Já atendemos cerca de 230 pacientes e tratamos mais de mil tumores, porque cada paciente pode ter muitas lesões”, conta o coordenador do grupo, o professor Vanderlei Salvador Bagnato, do Instituto de Física (IF) de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP).

Uma das grandes vantagens para os pacientes que recebem a TFD é a eliminação dos efeitos desagradáveis da quimioterapia e da radioterapia, que provocam enjôos, vômitos e queimaduras na pele. Evita-se também as cirurgias que, muitas vezes, mutilam e diminuem o volume da pele e dos músculos. “A TFD promove a regeneração dos tecidos da pele, não deixa cicatrizes, além de não provocar afundamento do local tratado e nem provocar a perda de cartilagem”, enumera o médico Guilherme Cestari Filho, coordenador dos trabalhos clínicos no Hospital Amaral Carvalho, na cidade de Jaú, um centro de referência em oncologia que atende preferencialmente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), onde foi realizada grande parte das primeiras aplicações da TFD no Brasil.

Cura e redução
Num primeiro levantamento apresentado pelo grupo de pesquisadores, de 63 pacientes com câncer de pele, 79% tiveram seus tumores eliminados. Com o mesmo tipo de problema na boca, de dez pacientes 40% tiveram cura completa. “A cura completa depende muito do estágio da doença, no início as chances são muito boas de eliminação total das lesões”, afirma a dentista Cristina Kurachi, que faz as aplicações em pacientes no hospital Amaral Carvalho e finaliza seu doutorado no IF com a temática do uso de laser no diagnóstico de tumores bucais. “Mesmo nos casos em que a eliminação do tumor não foi completa, sempre observamos uma redução de 50% na lesão”, diz Bagnato.

O feixe de luz da TFD tem uso mais consagrado nos cânceres de pele e de boca chamados de carcinomas não-melanoma, ou seja, aqueles que não provocam metástases, se reproduzindo por outras regiões do corpo. Felizmente, o melanoma representa apenas 4% dos cânceres de pele. O não-melanoma é o tipo de câncer mais freqüente na população brasileira, segundo o Instituto Nacional do Câncer, órgão do Ministério da Saúde. Dos quase 350 mil casos de câncer por ano no Brasil, 17%, ou um pouco mais de 50 mil, são de carcinomas de pele. O principal motivo para essa “epidemia” é a excessiva exposição da população ao sol. A TFD também já foi aprovada para tumores, do tipo carcinoma, que crescem em outras partes do corpo, como esôfago, estômago, bexiga, laringe e faringe.

Dentro da perspectiva oferecida, a TFD ganha espaço e novas frentes de pesquisa sob uma ampla linha de estudo que utiliza o laser como matéria-prima, num dos braços do Cepid em Óptica e Fotônica, o IF de São Carlos da USP – o outro é o Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Um dos efeitos práticos desse trabalho é que o IF de São Carlos está prestes a repassar a tecnologia desenvolvida na produção de equipamentos a laser para uma empresa da cidade, a Fotonmed, formada, em grande parte, por ex-alunos do instituto. O objetivo dessa transferência tecnológica é tornar os equipamentos mais baratos e eficazes, possíveis de ser adquiridos por amplo número de hospitais e clínicas do país.

Além de disseminar o tratamento de câncer com a terapia fotodinâmica de forma pioneira na América Latina, Bagnato também prepara um sistema de diagnóstico de câncer por meio de luz. “Com um instrumento de laser, possivelmente portátil no futuro, será possível para um médico ou dentista, sem a necessidade de biópsias tradicionais, verificar em segundos, durante uma cirurgia ou numa simples consulta, se uma mancha, por exemplo, é ou não um câncer”, explica Bagnato. “As bases da chamada biópsia óptica já existem, e nós aqui no Brasil, graças ao grupo interdisciplinar formado no Cepid, estamos em pé de igualdade ou até mais avançados que o resto do mundo”, compara Bagnato de forma entusiasmada. “O nosso objetivo é entender e promover inovações importantes nessa técnica.”

A equipe interdisciplinar de Bagnato envolve cinco instituições que trabalham em aplicativos de laser e fazem os testes clínicos. São elas, o IF e o Instituto de Química da USP de São Carlos, o Hospital Amaral Carvalho, o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina e a Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, ambos em Ribeirão Preto. “O centro permite o desenvolvimento de parcerias para incorporar a TFD à medicina”, garante Bagnato, que recebeu autorização especial da USP para também acumular a função de diretor científico do Amaral Carvalho.

Sem anestesia
Na prática, a aplicação da TFD varia de alguns minutos até poucas horas, dependendo do caso e da extensão das lesões. “Tivemos um paciente que possuía 37 tumores na cabeça”, lembra o médico Cestari. “Todas as lesões foram curadas com o paciente recebendo feixes de laser durante um dia. Sem a TFD, ele teria que se submeter a várias cirurgias, possivelmente mutiladoras, além de tomar anestesia geral”, explica Cestari. Com a TFD é possível atender também pacientes idosos ou com problemas que impedem a adoção de cirurgias, contra-indicada para quem precisa tomar anestesia ou tem complicações clínicas como, por exemplo, diabetes.

Vanderlei Bagnato guarda em seu computador e adiciona aos estudos do Cepid que dirige diversos casos de cura, com fotos dos pacientes antes das aplicações e após o tratamento. Quem vê as fotos – impressionantes para um leigo – nota com facilidade a melhora e os benefícios que o tratamento traz para pacientes muitas vezes desenganados por outras técnicas. Em alguns casos, com tumores crônicos e avançados, o tratamento serve como paliativo. “Tentamos melhorar a vida do paciente. Temos um caso de um homem de 41 anos que tinha um tumor na cabeça desde os 17 anos, conseguimos diminuir a área e ele voltou a trabalhar”, conta Cristina.

Experiências acumuladas não faltam também na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. A coordenadora dos estudos clínicos naquela unidade, Cacilda da Silva Souza, conta que uma paciente do interior de Minas Gerais, possuía um tumor de pele de 17 centímetros de diâmetro por mais de 15 anos. “Após uma aplicação de TFD, o tumor diminuiu em 80% e na segunda aplicação, ele foi eliminado em 100%”. Satisfeita com os resultados, ela lembra das dificuldades iniciais para o desenvolvimento dos primeiros estudos com TFD em 1997, em Ribeirão Preto. “Não tínhamos dinheiro para a compra dos equipamentos – as fontes de laser são instrumentos caros e não havia interação com outros grupos de pesquisa para montar equipamentos aqui. O impulso para o projeto aconteceu com a nossa interação com o Cepid. Aí, conseguimos recursos tanto para o equipamento como para as drogas sensibilizadoras, que são importadas dos Estados Unidos, Rússia e Alemanha”, conta Cacilda.

As drogas sensibilizadoras, que a professora Cacilda fala, são a chave para se entender como o laser elimina, ou como Bagnato prefere, “mata” as células tumorais. A maior parte dessas drogas é sintetizada a partir de um componente do sangue, a porfirina, um pigmento dos glóbulos vermelhos, tornando-se, portanto, pouco tóxicas ao organismo. Essas drogas são injetadas na corrente sangüínea do paciente e percorrem todo o corpo, se concentrando nas células cancerosas em até 20 vezes mais que nas células sadias. Para que se estabeleça a concentração desejada, é preciso injetar a droga antes do tratamento, em pelo menos 24 horas.

Reação com oxigênio
Quando essa droga fotossensível concentrada nos tumores é iluminada por um feixe de laser de cor específico na freqüência equivalente a 630 nanômetros, começa uma cadeia de reações químicas que levam a célula cancerosa à morte. “A droga absorve a energia do laser e reage com o oxigênio, que torna-se altamente reativo às membranas das células do tumor”, explica Bagnato. A profundidade que a luz laser penetra na pele é de 1 centímetro. Em lesões mais profundas, são feitas várias aplicações no mesmo local, para se atingir a eliminação do tumor. Com a técnica, o tumor seca, forma uma casca, como uma ferida qualquer, que cai após alguns dias.

O único efeito colateral do tratamento é o aumento da fotossensibilização da pele do paciente. Assim, se o paciente sair ao sol por um período de até 30 dias após o tratamento, pode sofrer queimaduras ou ter irritações na pele. Para tentar diminuir esse efeito, os pesquisadores de Ribeirão Preto estão testando novas drogas fotossensibilizadoras em forma tópica, aplicadas sobre o tumor. “Elas têm efeito apenas sobre o local e são mais indicadas para os tumores superficiais”, afirma Cacilda. Pesquisadores de Ribeirão Preto e São Carlos estão desenvolvendo também modelos experimentais – animais de laboratório – para testar as novas drogas que estão surgindo no mercado.

“O que estamos desenvolvendo são pesquisas que possam definir melhor a dosagem de luz e de medicamentos, a área a ser atingida pelo laser, gerando assim conhecimento médico e científico, além de treinar profissionais para disseminar essa nova técnica”, diz Bagnato. “Ainda falta, por exemplo, estabelecer um planejamento de iluminação de acordo com a geometria do tumor. Isso quer dizer que muita coisa nessa técnica ainda não está estabelecida.” Bagnato diz que, no futuro, será possível eliminar câncer de cérebro com TFD. “De acordo com a alta seletividade de células proporcionada pelo laser, será possível abrir a cabeça do paciente, matar o tumor e fechá-la com segurança e sem seqüelas, como já acontece em alguns centros internacionais.”

Nova modalidade
Hoje, se um hospital ou clínica fosse adquirir um equipamento de laser para tratamento de câncer iria desembolsar algo em torno de, no mínimo, US$ 100 mil. Pensando nesses altos custos do laser , que tem a fonte de luz importada, a equipe de Bagnato já patenteou um equipamento baseado na tecnologia Light Emitting Diodes (Led) que emite luz na mesma frequência do laser da TFD. “O problema do LED é que ele emite uma luz espalhada e não concentrada como no laser“, explica Bagnato. “Estamos ainda numa fase muito experimental e, se conseguirmos viabilizar esse novo aparelho, poderemos baixar de US$ 100 mil para menos de US$ 3 mil o preço de um equipamento usado em câncer de pele.”

A equipe de Bagnato também testa um avançado sistema de diagnóstico de câncer por meio de laser. Conjugando emissores de laser de várias cores e o desenvolvimento de um software específico, os pesquisadores estão montando um sistema que vai proporcionar um rápido diagnóstico de tumores. Com uma haste metálica com uma luz azul na ponta, que lembra as varas-de-condão das feiticeiras das histórias infantis, Bagnato explica o funcionamento da técnica de diagnóstico. “Quando jogamos uma luz monocromática – que pode ser azul ou verde – sobre a pele, provocamos um fenômeno chamado de fluorescência que devolve luz em outras freqüências.” De posse dessa informação o computador determina a malignidade ou não da lesão. Nessa área também existe uma corrida mundial de pesquisadores e empresas para sistematizar o diagnóstico e desenvolver softwares e aparelhos específicos. Nesse projeto, a equipe conta com o físico Luís Marcassa, do IF de São Carlos, estudioso da interação da luz com a matéria.

Com a experiência clínica e tecnológica adquirida, além de vários artigos publicados em revistas especializadas, o Cepid em Óptica e Fotônica se credenciou para ser um dos organizadores do 1º Workshop Internacional em Terapia Fotodinâmica, realizado em fevereiro no Rio de Janeiro. Compareceram 70 participantes, com representantes – a maioria médicos – dos Estados Unidos, Rússia, Alemanha, Chile, França e Portugal.

Centro de produção
Com um orçamento total anual de R$ 3,4 milhões (divididos meio a meio entre São Carlos e Campinas), o Centro de Óptica e Fotônica acumula uma série de estudos e desenvolvimentos que resultaram em oito novos produtos. Entre eles, está um relógio atômico produzido em São Carlos, o primeiro construído no Brasil. “Estamos pensando em fazer equipamentos que atendam às necessidades e aos limites de um país de economia emergente com poucos recursos para investir em equipamentos caros”, diz Bagnato. Recentemente, o grupo desenvolveu também um óxigrafo, aparelho capaz de medir com precisão a respiração celular.

Além de mais de 120 artigos científicos internacionais publicados e oito patentes registradas somente no seu primeiro ano de vida, somado o trabalho da USP e da Unicamp, o centro tem um amplo impacto social, como a produção de 45 títulos de vídeos didáticos que servem desde às universidades do país até as escolas de primeiro e segundo grau. Com eles e em palestras como a “Semana de Óptica” e programas especiais realizados na Unicamp todo ano, os professores recebem informações adicionais sobre o campo da óptica e da fotônica.

Por tudo isso, o centro se credencia, cada vez mais, a ser um pólo de pesquisa básica e de aplicação tecnológica que atinge um amplo espectro de atuação. Suas ações colaboram no entendimento dos fenômenos ópticos, formam pesquisadores, preenchem as necessidades tecnológicas na área de fotônica, como a fibra óptica nas telecomunuicações, e cobrem de informações os professores de primeiro e segundo grau. Agora, o centro prepara verdadeiras armas inovadoras de combate e diagnóstico do câncer, a segunda doença que mais mata no país.

O projeto
Laser em Medicina e em Odontologia; Modalidade Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) – Centro em Óptica e Fotônica; Coordenador Vanderlei Salvador Bagnato – Instituto de Física da USP de São Carlos; Investimento R$ 60 mil por ano

Republicar