Com linguagem didática que não compromete a qualidade conceitual e teórica, Juventude e contracultura, escrito pelo historiador Marcos Napolitano, da Universidade de São Paulo (USP), abrange amplamente a diversidade do movimento contracultural, apresentando seus significados em outras localidades além do epicentro norte-americano, como na Europa, Caribe e América Latina. Inicialmente, aborda a relevância do estudo da contracultura, um movimento frequentemente lembrado e pouco compreendido, de cunho multiculturalista, que teve como mote a luta contra opressões que vão desde aquelas comportamentais, enraizadas na mente e no corpo do indivíduo, resultantes do condicionamento ao sistema instituído, até aquelas que se estendem às esferas política, econômica e cultural.
O autor apresenta as diferentes fases da contracultura, tendo como ponto de partida o cenário pós-guerra e o boom do rock. Nesse período, marcado pela era de ouro do capitalismo, emerge a rebeldia comportamental (1955-1962), personificada pelos “rebeldes sem causa” que impulsionaram a indústria cultural através do consumo de discos de rock, vestuário e outros produtos criados para esse segmento. No cinema, filmes como O selvagem (1953) e Sementes de violência (1955) foram referências significativas para entender a juventude, pois retrataram os medos, os anseios e a profunda insatisfação existencial gerada pelo American way of life. Nesse cenário também se destaca a importância dos poetas beatniks, cujas criações não apenas desafiaram as normas estabelecidas, mas também provocaram uma reflexão profunda sobre os valores e as limitações impostas pelo sistema capitalista e tecnocrático.
O arquétipo juvenil assumiu papel de destaque, solidificando sua rebeldia em formas mais organizadas de resistência e provocação ao sistema. Essas tendências se tornam evidentes na segunda fase da contracultura (1962-1970), quando as manifestações de rebeldia, sociabilidade e expressão cultural se tornam mais conscientes e radicais, fundamentadas no existencialismo de Sartre e na “grande recusa” de Marcuse, que se opõe à ideia do indivíduo unidimensional, aprisionado e sem autonomia sobre sua própria vida. A luta pelos direitos civis dos negros, homossexuais, mulheres e a inclusão dos jovens como atores sociais significativos são exemplos da politização do movimento contracultural, analisados minuciosamente. Além disso, destacam-se a conscientização ambiental, o pacifismo e outras propostas inovadoras que não encontravam espaço na chamada política tradicional.
Na América Latina, a trajetória da contracultura se deu em um cenário de modernização capitalista, no qual coexistiram estruturas sociais ultraconservadoras evidenciadas em regimes ditatoriais. No Brasil, ao lado da repressão militar iniciada em 1964, havia o anseio pela liberdade percebido na rebeldia comportamental da juventude transviada, passando pelas lutas engajadas do movimento estudantil e chegando ao tropicalismo no final dos anos 1960. Nessa fase, é perceptível a difícil trajetória das lutas juvenis e suas rupturas promovidas no âmbito estético e político, algo que o autor explora ao tratar do “desbunde” ou “udigrudi” na década de 1970, uma versão tropical e antropofágica do movimento hippie, que se diluiu ideologicamente na próxima fase, denominada “contracultura histórica” (1980-1990). Nesse momento, as ideias juvenis se disseminaram por diversas regiões, indo além dos países centrais do capitalismo.
As possibilidades oferecidas pelo horizonte contracultural são apresentadas com um manancial de obras literárias e acadêmicas, filmes de ficção, documentários, entre outros. Nas considerações finais, analisa a fragmentação da contracultura manifestada sob a forma de subculturas superficiais, que se tornaram irrelevantes como crítica global ao sistema. No entanto, enfatiza que, embora o idealismo original dos jovens românticos do século XX possa ter se enfraquecido, o legado da contracultura mantém sua importância na crítica à sociedade dominante, representando uma resistência à extrema direita, que emerge como uma ameaça constante, colocando em risco as liberdades individuais e as lutas coletivas em prol da democracia.
Patrícia Marcondes de Barros é doutora em história pela Unesp, autora do livro Panis et circenses: A ideia de nacionalidade no movimento tropicalista (Eduel, 2000) e uma das organizadoras de Transas da contracultura brasileira (Editora Passagens, 2020).
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