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Philip Sharp

As experiências de um Nobel

Philip Sharp participa de reunião do Genoma Câncer e fala de seu fascínio pela pesquisa genômica

O doutor em química Philip Sharp tinha 33 anos quando fez a descoberta que, 16 anos depois, lhe traria o reconhecimento de um prêmio Nobel. Em 1977, o jovem professor associado do Centro de Pesquisa em Câncer do Massachusetts Institute of Technology (MIT) estudava os mecanismos de transcrição de DNA em RNA em adenovírus – que causa conjuntivite em humanos e, em alguns casos, tumores em ratos recém-nascidos. O doutor Sharp havia chegado ao MIT, a convite de Salvador Luria, em 1974; vinha do laboratório de Cold Spring Harbour, onde fora pós-doutorando de James Watson.

Naquela época, os cientistas pensavam – o resumo pode ser lido no comunicado à imprensa distribuído pela Fundação Nobel para justificar a concessão do prêmio – “que o gene existe como segmento contínuo dentro de longas moléculas de DNA; quando ativado, sua informação é copiada em uma molécula de RNA de fita simples, chamada RNA mensageiro, que traduz a informação numa proteína”.

Essa concepção mudou radicalmente com a descoberta dos split genes : ao examinar uma molécula de RNA do adenovírus no microscópio eletrônico, Sharp percebeu que ela se originara de quatro segmentos bem separados de dentro da molécula de DNA constituinte do gene. A idéia do gene como um segmento contínuo não valia sempre; os cientistas perceberam, em seguida, que a estrutura mais comum encontrada em organismos complexos envolve a descontinuidade; há trechos irrelevantes de DNA chamados íntrons, separados por trechos relevantes, chamados exons.

Sharp esteve em São Paulo em setembro, para participar da reunião do Comitê de Supervisão do Genoma Câncer, na qualidade de consultor do Instituto Ludwig. Até hoje, 22 anos depois da descoberta, o Nobel de Fisiologia e Medicina continua estudando os mecanismos de emenda de exons e suas conseqüências sobre a regulação da expressão dos genes. Ao avaliar o projeto brasileiro, demonstrou esperança de que os dados obtidos, com a nova metodologia Orestes e a partir dos tecidos de tumores ainda não estudados, acrescentem informações sobre os padrões de splicing alternativo que investiga .

“De maneira geral”, disse o doutor Sharp às entrevistadoras Mariluce Moura e Mônica Teixeira, “estamos interessados em conhecer a totalidade dos genes humanos. E toda vez que um gene apresenta splicing alternativo torna-se essencialmente um novo gene no sentido funcional”. Atualmente, Philip Sharp chefia o departamento de biologia do MIT; desde 1978, é sócio da Biogen – uma companhia farmacêutica, cujo produto principal é um interferon beta usado no tratamento da esclerose múltipla. Outro prêmio Nobel de Medicina – Walter Gilbert – faz parte da sociedade. A Biogen, segundo comunicado à imprensa de 15 de setembro, pretende investir US$ 300 milhões em pesquisa no ano que vem. O afável Phil conversou com as jornalistas na sede da FAPESP, durante o intervalo de almoço da reunião do Comitê Diretor:

Como o senhor avalia o impacto de sua descoberta, 22 anos depois?
O impacto imediato foi informar toda a comunidade científica de que, quando olhássemos para a biologia das nossas células, ela teria que ser diferente dos sistemas moleculares que conhecíamos até ali, em células mais simples. A célula humana será mais complexa, vai ter este segmento inteiro de gene, vai ter um método diferente de fazer a transcrição do RNA, um método diferente de ter acesso à informação. Assim, a biologia da célula transformou-se inteiramente com esta descoberta. Antes dela, pensava-se o seguinte: se eu entendi o gene na bactéria, poderei entender o gene em nós mesmos. Ficou claro que este não era o caso. Essa mudança representou uma descontinuidade, e uma descontinuidade emocionante.

O senhor notou a importância do que descobriu no momento da descoberta?
Notei que fiz uma descoberta fundamental, não antecipada, notável. No entanto, leva meses depois que você faz uma descoberta…você começa a falar com as pessoas, e começa a pensar sobre o trabalho de outros… Levou meses até que todas as potencialidades da descoberta se revelassem. Foi como se eu estivesse “grávido”. Claro que nunca tive propriamente essa experiência… O que senti é que muitas coisas novas passariam a acontecer. Mas leva um pouco de tempo para você amadurecer o quão novo, diferente e excitante vai ser. Você sabe que está lá, e que é novo, e quer contar para as pessoas, mas demora um pouco até você realizar o que aconteceu.

Que vantagem ter split genes traz para o adenovírus?
Aparentemente, o que osplicing alternativo permite ao gene fazer é uma espécie de ajuste fino da otimizacão do ambiente da célula para a reprodução do vírus. Em cada fase de sua reprodução, o mesmo gene ajusta-se para mudar o metabolismo celular de maneira a ser ótimo para o vírus, para produzir um número alto de partículas virais. Quando aprendermos mais, nós saberemos bastante mais a respeito da biologia do vírus em diferentes tecidos, e talvez possamos encontrar esse ajuste de padrões de splicing para efeitos ainda mais sutis. Nós estudamos outros vírus e está claro que eles usam padrões de splicing diferentes quando ocupam “silenciosamente” o tecido, quando se reproduzem mas não causam doença e, depois, quando causam sintomas. Os plicing é um meio de regular de maneira específica um mesmo conjunto de genes. Com essa flexibilidade, o vírus produz uma porção de coisas diferentes.

Como o senhor avalia a importância da descrição da estrutura molecular do DNA, em 1953, por James Watson e Francis Crick?
Daqui a um século, quando os livros da história da biologia estiverem sendo escritos, só haverá dois nomes no século XX: Watson e Crick. Haverá Mendel, pela descoberta da genética, antes dele Darwin, e depois haverá Watson e Crick pela estrutura do DNA, e por terem feito nascer a revolução da biologia molecular. Eles serão os nomes da biologia que definirão este nosso mundo científico. Ambos são lendas, e as lendas têm agora 70 ou 80, ambos ainda homens vibrantes e ativos. Jim Watson dirige o laboratório de Cold Spring Harbor, para onde foi no final dos anos 60.

Quando chegou, as atividades de pesquisa atingiam centenas de milhares de dólares; hoje, o laboratório tem um orçamento de pesquisa provavelmente de US$ 40 milhões, uma grande comunidade de pesquisadores, excelente número de publicações e encontros maravilhosos, ou seja, ele realmente dá uma grande contribuição para a ciência ao liderar o laboratório de Cold Spring Harbor. Do meu ponto de vista, Jim Watson foi o mais importante entre os formuladores e organizadores do projeto Genoma Humano. Ele afirmou: “Deve ser feito, é tão importante que seja feito que vou me comprometer em liderar isto, por um período de tempo, até que esteja estabelecido”.

Ele liderou até entregar o comando a Francis Collins, outro excelente cientista. Jim Watson tem uma visão notável; nunca foi um ótimo cientista, ativo por suas próprias mãos; ele sempre usou as pessoas em torno dele para fazer ciência, mas tem uma visão notável – como o mundo é, que ciência pode ser feita – e uma espécie de franqueza que desarma. Algumas vezes, desarma tanto que nos faz desejar que ele não tivesse dito o que disse mas, em outros casos, a franqueza dá lugar a uma questão importante, a uma oportunidade que faz uma enorme diferença.

Me lembro de o senhor dizer em sua autobiografia que não gosta do trabalho de laboratório…
Há cientistas que entram no laboratório e fazem um experimento onde tudo funciona como uma sinfonia. Tudo funciona junto, todas as peças se encaixam, e no fim aparece um trabalho completo, que é lindo. Só conheço quatro ou cinco pessoas que coloco nessa classe, gente com quem me encontrei e trabalhei ao longo da minha carreira. Eu nunca fui uma dessas pessoas. Mas é claro que gosto de refletir sobre dados experimentais No caso específico da minha descoberta, trabalhávamos em nosso laboratório com microscopia eletrônica. Nós estávamos olhando padrões de RNA e DNA. Observando os padrões, e conhecendo os princípios da biofísica, estava claro que o DNA e o RNA não vinham dos lugares esperados. Tendo antes me perguntado como a população de RNA que havia sido encontrada nas células humanas podia ser tão grande em relação ao tamanho pequeno do gene, eu já estava procurando pela resposta para a charada; quando vi que aquele RNA não correspondia ao DNA como deveria, pensei “Oh! isto pode estar relacionado com a pergunta”, e eu focalizei nisso, e de ter focalizado veio a descoberta. Saber que havia uma conexão para ser feita, e o fato de entender a biofísica atrás do método experimental que estávamos usando, isso nos levou até a descoberta.

O que o senhor sentiu ao receber o prêmio Nobel?
Depois que alguém faz uma descoberta científica importante, uma porção de coisas acontecem. Muito antes de você receber o telefonema da Suécia, se é que você vai receber o telefonema da Suécia, você é indicado e recebe uma porção de outros prêmios. Houve um prêmio da National Academy, um prêmio no Canadá, o prêmio da Columbia…Você recebeu todos esses prêmios, olha a lista dos outros premiados, percebe que 25% deles ganharam um Nobel, ou que 15% ganharam Nobel, então você nota que está entre as pessoas que, pelas suas descobertas, se tornaram candidatas. Há tantos cientistas excelentes, que podem receber um prêmio Nobel, que apenas fazer ciência superior não significa que você vai receber o prêmio.

Então, isto também é uma questão de sorte. Dando tão poucos prêmios a cada ano, eles dão um prêmio para diferentes campos, tentam contemplar o maior numero de setores. Na minha área da ciência, eu tinha ganho vários prêmios com Tom Cech, que descobriu que o RNA pode ser catalisador no splicing . Foi uma grande descoberta, uma descoberta importante, e similar à nossa, em área relacionada. Ele recebeu o Nobel de Química, em 1989. Então, presumi “bem,splicing is done “. Não me aborreceu, continuei fazendo minha ciência. Por isso, quando, em 93, recebi o telefonema, me surpreendeu porque eu pensava que esta área da ciência já tinha sido reconhecida. Foi uma grande alegria.

Você nunca será tratado tão bem como os premiados enquanto está na Suécia. O país todo celebra você. Você come nos melhores restaurantes, vai aos melhores museus, a concertos privados, é festejado pelo rei e pela rainha, é uma semana inesquecível. O país inteiro celebra com você. Certamente foi uma das maiores experiências da minha vida. Conversei com outros ganhadores sobre isso, é claramente também uma grande experiência da vida deles também. Há alguma ansiedade porque você está no palco, você está na frente de um monte de gente que não conhece, mas é muito, muito emocionante.

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