Imprimir PDF Republicar

resenha

As facetas de um pensador

Celso Furtado – Trajetória, pensamento e método | Alexandre de Freitas Barbosa e Alexandre Macchione Saes | Autêntica Editora | 320 páginas | R$79,80

Celso Furtado – Trajetória, pensamento e método, de Alexandre de Freitas Barbosa e Alexandre Macchione Saes, apresenta ao leitor um relato completo da vida e da obra de um dos mais influentes economistas brasileiros. Embora a introdução informe que estudantes e jovens são o público especialmente visado pelos autores, o livro na certa se converterá em leitura obrigatória para todos os estudiosos de Furtado, por diversas razões.

A primeira delas é a cobertura abrangente e criteriosa da produção intelectual de Furtado. Como se sabe, além do celebrado Formação econômica do Brasil (1959), o economista publicou diversos livros, artigos, coletâneas, ensaios; alguns deles, reformulados pelo próprio autor e reapresentados em novas edições. Barbosa e Saes efetuaram uma exaustiva recuperação dessa produção intelectual, com atenção a títulos (e mudanças de títulos), anos de concepção e publicação dos textos.

Adicionalmente, o livro nos introduz aos “vários Furtados”: o intelectual, o funcionário internacional, o homem público. A sua produção intelectual é apresentada em seus contextos, com atenção ao ambiente em que foi formulada, bem como à repercussão e aos debates suscitados, em um período de imensas transformações na economia brasileira e internacional.

Para melhor empalmar a análise da obra de Furtado, os oito capítulos acompanham passagens significativas de sua trajetória. Começa com o período de 1920-1948 (“O jovem Furtado”), prossegue por 1948-1958 (sobre a “aventura” na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, a Cepal) e 1958-1964 (que trata das passagens pela Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, a Sudene, e pelo Ministério do Planejamento do governo João Goulart).

A linha temporal continua com dois capítulos dedicados ao período no exílio (1964-1980). Além disso, os autores narram o retorno do intelectual à cena nacional (1980-1988) e o período pós-Ministério da Cultura do governo José Sarney, compreendido entre 1988 e 2004, ano da morte de Furtado. Por fim, há um capítulo dedicado a Formação econômica do Brasil e ao “método histórico-estrutural”.

Todo intérprete do pensamento de Furtado depara-se com um aparato adicional, que é o próprio memorialismo do autor. Isso está expresso na “obra autobiográfica” e em material apenas recentemente publicado, como Diários intermitentes e Correspondência intelectual 1949-2004, organizados por Rosa Freire d’Aguiar. Nesses textos nos aproximamos da trajetória de Furtado por seu próprio relato, o que de um lado fornece ao comentador um aparato adicional e autori­zado, e de outro coloca todos os intérpretes diante do obstáculo adicional de uma eventual colisão com os relatos ou interpretações emanadas de fonte autorizadíssima.

Acredito que Barbosa e Saes tenham se saído bem nesse cruzamento entre os relatos do próprio Furtado e suas particulares apreciações sobre a obra e seus contextos. Destaque-se que, além dos comentadores voltados aos diversos aspectos da obra de Furtado, há um certo número de memorialistas, ou autores que recuperam a biografia de Furtado. Barbosa e Saes se valem bastante – talvez excessivamente – de uma fonte específica, o sociólogo Francisco de Oliveira (1933-2019).

Tendo como referência o aparato analítico desenvolvido por Furtado, os autores se aventuram ainda em interpretações próprias a respeito dos horizontes da economia e da sociedade brasileiras, as quais procuram explorar, para além de Furtado, o “método histórico-estrutural”. Projetam-se para a contemporaneidade brasileira, ou para o pós-Furtado, com base em um método cuja discussão nos levaria muito longe. Barbosa e Saes sugerem ainda críticas à ciência econômica mainstream. Reafirmam a necessidade de, menos do que “prever”, “transformar o mundo em que vivemos”. Enfim, valem-se da recuperação da obra de Furtado e de seu método para sugerir uma crítica à ciência econômica dominante no pós-guerra.

Em seu conjunto, o livro combina recortes bem fundamentados do panorama brasileiro em diversas épocas com a apresentação minuciosa da obra de Furtado. A referência aos comentadores é igualmente ampla e atualizada. Como disse no início, apesar de ser dirigido a um público diverso, o trabalho representará uma referência indispensável aos pesquisadores de Furtado.

O economista Mauricio Chalfin Coutinho é professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Republicar