Recentemente entrei numa destas lojas de partes e equipamentos eletrônicos e, por curiosidade, comecei a verificar a procedência dos componentes. Incrível, de cada 10 componentes, 7 vinham da China. Se levarmos em conta que 1 em cada 5 cidadãos do mundo é chinês, faria sentido encontrar 20% ou 30% de tudo como sendo originário da China. Mas 70% é demais. O incidente não me parece isolado. Não apenas eletrônicos, mas tudo está caminhando para ser “Made in China”. Óbvio que isso desperta certa curiosidade, e uma vontade imensa de saber para onde isso tudo está indo. Para matar minha curiosidade, recentemente realizei viagem técnico-científica à China, e o resultado de minhas observações é o fundamento desta coluna.
A China tem crescido mais de 9% ao ano nos últimos 30 anos. Isso pode ser visto como o retorno daquela que foi a mais avançada civilização entre os séculos XII e XV de nossa era. O sucesso desse país é inegável. Ao andarmos na China, percebe-se claramente que eles, de alguma forma, estão procurando unir dois mundos que ninguém mais conseguiu: o melhor do comunismo com o melhor do capitalismo. Ao mesmo tempo que todos têm direitos, todos querem ganhar e competem pelo mercado. Há um senso geral entre os chineses de procurar rapidamente programar o futuro, evitando o colapso de um gigante. São mais de 1,3 bilhão de pessoas que formam uma sociedade nitidamente dividida em três setores: o rural com cerca de 50% dos trabalhadores, o industrial com 24% e o terciário com o restante 26%. O setor terciário não envolve apenas “pasteleiros” e vendedores, ele tem um enorme contingente de engenheiros, artistas, estilistas, profissionais de design etc. É um dos setores que mais crescem.
Ao visitarmos algumas empresas e institutos de pesquisa, fica claro que todos buscam um sistema legal mais confiável, que estabeleça regulamentos que permitam à economia, 75% em mãos privadas, evoluir segundo as tendências mundiais. Há um aumento dos requisitos que garantam o direito civil dos cidadãos. Uma transição do direito público para o direito individual mostra-se claramente em progresso.
Um país que tem uma área 20% maior que o território brasileiro, e no qual todos estão sendo alimentados, parece ser modelo para os outros. O regime comunista da China preocupou-se em produzir quase tudo de que precisa, principalmente alimentos para sua população. Tendo apenas 7% das terras cultiváveis do mundo e mais de 20% da população, é impressionante que o déficit na balança comercial do país na área de alimentação seja praticamente inexistente. Um passo importante de sua história veio na década de 1970, quando Deng Xiaoping tomou a decisão de entregar terras aos camponeses para que eles as explorassem por conta própria. Isso não eliminou a migração do campo para a cidade, mas a minimizou ao mesmo tempo em que gerou a produção necessária para manter o país no caminho certo.
Do ponto de vista universitário, são formados mais que 4 milhões de novos profissionais a cada ano. A universidade pública é paga. Cada aluno paga cerca de U$ 500 ao ano. Os que não podem pagar contraem uma dívida com o estado, que devera ser sanada no futuro, após sua viabilidade profissional. Todos parecem estar batalhando por uma China melhor. Aparentemente todos substituíram, em suas mentes, a famosa frase dos comunistas “proletários de todo o mundo, uni-vos” pelo discurso de Deng Xiaoping : “ chineses de todo o mundo, enriquecei-vos” . O lema “vamos fazer dinheiro” domina todos. O sistema de promover o nascimento de empresa é semelhante ao pretendido pelo Brasil, só que menos político e mais objetivo. Condomínios de empresas são encontrados aos milhares em cada região. Neles, diversas empresas compartilham diversas facilidades. Aparentemente, aquela que começa a crescer vai ocupando o espaço daquelas que se atrofiam. Muitos dos condomínios que iniciaram com diversas empresas pequenas hoje são apenas uma única empresa bem instalada. As incubadoras e o condomínio acabam virando grandes empresas pela seleção natural. Normalmente, os prédios onde isso ocorre são de propriedade privada. A concorrência interna é muito grande e muitos procuram produzir o mesmo item que seu vizinho, só que com melhor qualidade e menor preço. Parece que a China vem praticando aquilo que desejamos para o Brasil: produzir profissionais que queiram gerar empregos e não procurar por empregos.
A ciência está recebendo grandes investimentos. O programa de talentos concebido pela Academia de Ciência Chinesa está atraindo as melhores cabeças chinesas espalhadas pelo mundo e dando condições para elas progredirem dentro do país. Há recursos e há desejo de grande expansão. Produzir ciência de boa qualidade em conjunto com o desenvolvimento tecnológico parece ser o rumo que está se tomando. A grande meta da Academia de Ciência da China é ajudar o país a estar envolvido com os grandes temas científicos. Fazer ciência com relevância passou a ser uma meta. Não basta apenas “fazer ciência”, é preciso contribuir para o desenvolvimento científico mundial e, com isso, gerar spin-offs que melhorem a sociedade chinesa.
A China é hoje um grande pátio de obras, novos prédios, novas pontes, novas auto-estradas, condomínios residenciais, transporte metropolitano. Tudo cresce ao mesmo tempo.
O preço do desenvolvimento é notado nas péssimas condições ambientais. Em Guangshou, olhei direto para o sol do meio dia sem vê-lo. A poluição é severa nos centros urbanos e nos distritos industriais. As águas, mesmo as reservas subterrâneas, estão severamente comprometidas. Parte dessa situação advém do fato de que 70% da energia da China é produzida por queima de carvão e óleo. Outra parte vem da falta de leis que estabeleçam condições mínimas de operação para a atividade industrial. A China já esta superando os EUA em emissão de gases poluentes. De modo geral, essa situação parece estar mudando, e o governo está passando aos empresários a responsabilidade de procurar solucionar o problema criado. Um empresário me disse que “antes, formavam-se mais de 500 empresas por dia na China, sem restrições. Hoje o governo fecha mais de 500 empresas por semana por falta de condições de operação”.
A mão-de-obra local é barata e tradicionalmente não se pagava qualquer tipo de encargos. Isso também está mudando, e as leis trabalhistas estão chegando com toda a força. Os empresários já são obrigados a oferecer moradia e alimentação para seus funcionários, além do salário, que cresce dia-a-dia. A nova lei trabalhista, que entrou em vigor em janeiro deste ano, tem causado aumento considerável no custo de produção. As empresas estão sendo obrigadas a fornecer beneficios aos seus funcionários, aposentadoria, além do direito de negociação coletiva. O preço das commodities está subindo vertiginosamente e está ficando impossível para os chineses cobrirem seus custos de produção. Um recente relatório fornecido pela Câmara de Comércio Americana prevê que em breve as vantagens oferecidas a multinacionais instaladas na China devem deixar de existir. Países como Vietnã, Turquia e Índia estão sendo indicados como novos lugares vantajosos.
Esses fatores – mais a constatação de que a mão-de-obra barata da China está se exaurindo (acredita-se que em três anos começarão a faltar trabalhadores de baixa qualificação) – alimentam previsões de que os tempos de ouro dos produtos chineses de baixo preço deverão acabar em breve. Nesse sentido, as empresas brasileiras que desativaram, ou deixaram de investir na sua produção, tornando-se apenas montadoras ou que preteriram os produtos e componentes brasileiros em favor dos chineses, poderão passar por um sério período de enrosco. Não são poucas empresas brasileiras que estão baseando seus produtos nas milagrosas compras na China. Isso deverá começar a criar um problema de produção muito em breve. Jamais deveríamos ter desativado certas tecnologias, pois agora ficará muito difícil reativá-las.
Apesar de tudo, uma coisa é certa: a determinação e o esforço do povo chinês são de tirar o chapéu. O Brasil tem trilhado um bom caminho em ciência e tecnologia, mas é ínfimo comparado com a China. Enquanto eles conseguem, pelo menos até o momento, dar educação e alimentar 1,3 bilhão de pessoas, nós temos dificuldades de obedecer as leis básicas da nação. Talvez um pouco mais dos bons hábitos chineses no Brasil seria muito bom. Nossos empresários devem também aprender que é preciso produzir para a população de baixa renda consumir. Os chineses fizerem isso e deu certo…
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