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Resenha

As múltiplas faces de Tarsila do Amaral

Tarsila do Amaral, a modernista | Nádia Battella Gotlib | Edições Sesc | São Paulo | 240 páginas | R$ 100,00

Em fevereiro, a imprensa noticiou a venda da tela A lua, pintada por Tarsila do Amaral em 1928. O comprador foi o Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), um dos mais prestigiosos do mundo, responsável por organizar, no ano passado, a primeira grande retrospectiva da artista na cidade, com mais de 100 obras expostas. Recentemente, foi a vez do Museu de Arte de São Paulo (Masp) levar ao público um panorama da produção da pintora, atraindo milhares de visitantes.

Aparece em momento oportuno, portanto, a edição revista e ampliada da biografia Tarsila do Amaral, a modernista, de Nádia Battella Gotlib, professora de literatura brasileira e portuguesa da Universidade de São Paulo. O livro reconstitui a trajetória pessoal e artística de Tarsila, desde a infância até os últimos anos de vida. O mote do livro poderia ser expresso pela indagação: de quem falamos, quando falamos de Tarsila do Amaral (1886-1973)? A musa do modernismo paulista, a aristocrata do café, a pintora cosmopolita, a escritora? Para ajustar o foco sobre figura tão múltipla, Gotlib recorre a artigos de imprensa, cartas, manifestos, entrevistas, poemas, além de livros que são referência na historiografia do modernismo brasileiro. A biografia é ricamente ilustrada, ainda que a autora não se detenha em análises aprofundadas sobre pinturas e desenhos. O leitor encontrará também fotografias que revelam um pouco das amizades e dos lugares que a artista frequentava.

As origens familiares da pintora, neta de abastado fazendeiro paulista, e o início da formação artística constituem o capítulo “Primeiros traços”. O tema da fusão entre as culturas local e internacional, que percorre todo o livro, é introduzido pela biógrafa na descrição do ambiente doméstico da menina. No casarão da fazenda cafeeira no interior paulista, artigos franceses fazem parte do cotidiano: livros, vinhos, partituras, remédios.

O cerne da biografia é a década de 1920, tema dos capítulos “Circuito modernista”, “Pau-brasil” e “Antropofagia”. Acompanhamos a introdução de Tarsila no grupo modernista de São Paulo e a temporada na Europa em que a pintora brasileira mergulha na high life parisiense e na arte das vanguardas, tem aulas com André Lhote (1885-1962) e Fernand Léger (1881-1955). De volta, a visita ao Rio de Janeiro e às cidades históricas mineiras com a “caravana paulista” dará impulso à fase Pau-brasil, “a percepção da tradição brasileira simples, em cores caipiras”, o interesse pela cultura popular e por certo primitivismo.

Tarsila pinta Abaporu em 1928, como presente para o marido Oswald de Andrade (1890-1954). A tela marca o início da Antropofagia, e a fase de sua pintura em que “se mantém a beleza natural, mas reforçando um de seus aspectos: a face rude, bruta, bárbara, ilógica”. Esse é também o período áureo da Tarsila anfitriã, que recebe os amigos em seu casarão paulistano – as paredes forradas por obras suas e de outros artistas – e em temporadas na fazenda.

A quebra da bolsa de valores de Nova York em 1929 e a Revolução de 1930 abalam a elite cafeeira. As decorrentes transformações na vida de Tarsila são descritas no capítulo “O social”. Separada de Oswald, ela encontra no psiquiatra Osório César (1895-1979) um novo companheiro. Juntos viajam para a Rússia, em 1931. É o estopim de nova fase em sua produção, com telas de motivo social. As dificuldades financeiras levam-na a procurar atividades paralelas. Surge então a Tarsila jornalista, que publica textos sobre arte e cultura na imprensa.

“Últimos traços” abrange o período entre 1940 e 1970, quando ela “volta a explorar na sua pintura aspectos de fases anteriores”. Nos anos 1960, o reconhecimento da sua obra ocorre na sala especial dedicada a ela na VII Bienal de São Paulo, na participação especial na 23a Bienal de Veneza e, sobretudo, na retrospectiva Tarsila 1919-1958, que exibiu no Rio e em São Paulo 600 obras. Os episódios de consagração convivem com momentos dolorosos na vida pessoal, como o falecimento da única filha e da única neta.

Com linguagem simples e de maneira acessível, Tarsila do Amaral, a modernista encara o desafio de “construir uma imagem da artista, que é apenas uma, dentre tantas possíveis”. A biografia é proveitosa ao leitor iniciante e interessa ao leitor iniciado como panorama bem organizado das principais informações sobre a pintora.

Priscila Sacchettin é pós-doutoranda no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP) e professora da Escola da Cidade – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.

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