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Assinatura de luz

Feixes de laser diferenciam formas normais e alteradas do mau colesterol

Do encontro de um bioquímico e de um físico surgiu o desenvolvimento de um teste rápido que, caso se comprove eficaz e de fácil aplicação, pode aperfeiçoar os exames de colesterol, alterar a interpretação das taxas dessa gordura no sangue e até evitar tratamentos desnecessários. Usando luz, por meio de uma técnica chamada varredura Z, foi possível distinguir a estrutura normal de uma forma de colesterol chamada LDL (lipoproteína de baixa densidade) da estrutura danosa e alterada: enquanto a LDL sadia se parece com uma esfera perfeita, a outra lembra uma esfera amassada.

O bioquímico Magnus Gidlund e o físico Antônio Martins Figueiredo Neto, ambos da Universidade de São Paulo (USP), os responsáveis pela aplicação original dessa técnica, conheceram-se no final de 2003 durante o planejamento de um curso para professores de ciências. Gidlund contou a Figueiredo seus experimentos com a LDL e as limitações das técnicas bioquímicas usuais para analisar essa lipoproteína. Mais conhecida como colesterol ruim, a LDL não é na realidade de todo indesejável. É, na verdade, essencial à vida, por entrar na composição de hormônios e das membranas das células.

O problema surge quando essas lipoproteínas perdem partículas atômicas de carga negativa (elétrons) – ou sofrem oxidação, como dizem físicos e químicos – e sua estrutura fica levemente deformada. A forma oxidada da lipoproteína de baixa densidade – não detectada nos exames de sangue tradicionais – causa lesões na parede interna dos vasos sangüíneos. Em conseqüência, essa molécula origina uma inflamação que aos poucos aumenta a espessura da parede das veias e das artérias e obstrui a passagem do sangue, elevando o risco de infarto ou acidente vascular cerebral. Essa razão explica o interesse de médicos, bioquímicos e, claro, de todos nós em saber se a LDL do sangue é a normal ou se uma fração dela está oxidada.

Dupla camada
A saída surgiu quando Gidlund descreveu para o físico a estrutura da LDL. Trata-se de uma esfera de gordura formada por duas camadas com propriedades físicas e químicas diferentes: o núcleo da LDL repele as moléculas de água e é classificado como hidrofóbico, enquanto sua superfície atrai a água – é hidrofílica. Figueiredo reconheceu nessa explicação uma proximidade surpreendente com seu próprio trabalho: as moléculas de alguns cristais líquidos também têm uma região hidrofílica e outra hidrofóbica, embora se aglomerem em uma estrutura um pouco diferente, parecida com uma bola de futebol americano.

Figueiredo e um dos membros de sua equipe, o físico Sergio Gomez, dispuseram-se a analisar a LDL com uma técnica chamada varredura Z, usada rotineiramente para medir uma propriedade associada ao desvio da luz – o índice de refração não-linear – de materiais como o cristal líquido, usado nas telas decomputadores. Os físicos valeram-se do mesmo princípio de funcionamento: em vez de cristal líquido, armazenaram uma fina camada de LDL entre lâminas de vidro. Depois submeteram a amostra da LDL à luz de um laser de baixa potência. Ao atravessar a camada de LDL, a luz se desvia, como os raios de sol que incidem em uma piscina. Avaliando esse desvio, os físicos elaboraram um gráfico – uma assinatura óptica – de cada material estudado.

A estratégia funcionou. Gidlund e Figueiredo observaram uma grande diferença entre esse índice de refração da LDL normal e o da oxidada. “A varredura Z é uma das técnicas mais simples da física usada no estudo de fluidos complexos e permite fazer essas medições em cerca de meia hora”, explica Figueiredo. Os resultados foram publicados em dezembro de 2004 em um artigo da Chemistry and Physics of Lipids, feito em colaboração com Paulo Boschcov, da Universidade Federal de São Paulo, Rozane Turchiello, do Instituto de Química da USP, e Maria Cristina Jurado, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP.Gidlund e Figueiredo estão verificando se existem variações na assinatura óptica da LDL de pessoas com perfis de colesterol diferentes. Também trabalham na identificação da assinatura óptica do colesterol bom – a HDL ou lipoproteína de alta densidade, que elimina as gorduras do sangue. “Se os resultados comprovarem a eficácia na diferenciação da LDL normal da oxidada”, diz Figueiredo, “esse teste pode complementar o exame de sangue tradicional”.

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