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Prêmio

Ativista iraniana por direitos humanos ganha o Nobel da Paz

Da prisão, Narges Mohammadi lidera defesa das mulheres e luta contra a pena de morte em seu país

Voice of America / Wikimedia Commons

“O que o governo talvez não entenda, é que quanto mais de nós eles prendem, mais fortes nos tornamos”, escreveu a iraniana Narges Mohammadi em artigo publicado em setembro no jornal norte-americano The New York Times. Aos 51 anos, a física e ativista pelos direitos humanos e das mulheres é, desde esta manhã, a mais recente laureada com o Nobel da Paz, concedido pelo comitê norueguês do Nobel.

Ela conseguiu enviar o texto ao jornal a partir da prisão, em seu país natal, onde está detida para cumprir uma pena de 31 anos e 154 chibatadas pelo ativismo que pratica desde os tempos de faculdade, há 32 anos. “Meu objetivo era lutar contra a tirania religiosa, que, junto com a tradição e os costumes sociais, levou à profunda repressão às mulheres neste país”, escreveu. O texto marca o aniversário de um ano da morte de Mahsa Amini, sua conterrânea que sucumbiu às agressões da chamada “polícia moral” ao ser detida por usar incorretamente o hijab – véu que deve cobrir os cabelos.

Ao anunciar a premiação, a advogada norueguesa Berit Reiss-Andersen afirmou que essa morte deu origem a uma manifestação de grande escala que, ela espera, venha a causar mudanças no país. “Na visão internacional, os protestos mostraram que a sociedade iraniana não está disposta a aceitar calada, ela é vigorosa e as mulheres estão reivindicando ter direitos de manifestação, de expressão”, avalia a historiadora Arlene Clemesha, do Departamento de Letras Orientais da Universidade de São Paulo. Segundo ela, ainda estão acontecendo pequenos protestos e manifestações individuais, como mulheres saindo sem hijab e cantando em público – o que também é proibido. Como disse Reiss-Andersen, a revolução feita pelas mulheres é um pouco diferente das outras.

“O lema dos protestos, Mulher – Vida – Liberdade, é uma ilustração do trabalho que Narges Mohammadi tem feito por mais de três décadas pelos direitos humanos básicos, das mulheres e pelos princípios democráticos”, afirmou a presidente do comitê norueguês, que abriu sua fala com o lema em farsi: Zan – Zendegi – Azadi. “Mesmo na prisão ela é a figura de referência, o símbolo do que significa ser uma lutadora pela liberdade.”

“Narges Mohammadi é uma figura muito importante e valiosa da sociedade civil iraniana que por muito tempo trabalhou para construir coalizões e solidariedade entre vários grupos em tópicos diversos como esforços para abolir a pena de morte e o uso de confinamento solitário contra prisioneiros políticos”, conta à Pesquisa FAPESP, por e-mail, a pesquisadora iraniana Tara Sepehri Far, da organização não governamental Human Rights Watch, sediada em Nova York, Estados Unidos. “O movimento social que está acontecendo trouxe à tona a centralidade dos direitos das mulheres e seu papel em dar forma a uma transformação de respeito aos direitos para o Irã.” Na mesma linha, a representante do comitê norueguês afirmou que é fundamental valorizar esse importante movimento.

Desde 2022, enquanto centenas de milhares de pessoas iam às ruas, lideradas por mulheres, Mohammadi via (e denunciava) um volume inédito de mulheres dar entrada no sistema prisional e sofrer agressões mais fortes do que nunca, entre espancamentos, ossos quebrados e violência sexual.

Não é um problema novo. Há 20 anos, o mesmo prêmio foi concedido à advogada iraniana Shirin Ebadi, “por seus esforços pela democracia e pelos direitos humanos”, especialmente no que diz respeito aos direitos das mulheres e crianças. O comitê do Nobel pretende fazer sua parte em chamar atenção do mundo para o problema. “Foram necessários três prêmios da Paz para derrubar o Apartheid”, disse Reiss-Andersen sobre as honrarias concedidas aos sul-africanos Desmond Tutu (1931-2021), em 1984, e Nelson Mandela (1918-2012) e Frederik Willem de Clerk (1936-2021), ambos em 1993, pelo combate ao regime de exclusão racial em seu país. Resta saber, Clemesha reforça, se o movimento no Irã causará mudanças na legislação que regulamenta a repressão, e não só no que diz respeito às mulheres.

Para a historiadora, o prêmio não altera a posição do regime iraniano, mas deve ajudar a proteger a própria Narges. “Ela está na prisão de Evin que é notória, muito temida.” Começa agora a campanha para que o governo iraniano libere Mohammadi para comparecer à cerimônia em Oslo, Noruega, neste mês de dezembro. Em 2020 ela teve uma redução de pena e pôde sair da prisão, mas sem autorização para obter um passaporte – o que a impediu de ir encontrar a família, que vive na França. No ano passado, voltou a ser presa.

“Nossa missão é identificar a pessoa ou organização que tenha feito a contribuição mais significativa para a paz no último ano”, explicou Reiss-Andersen. “A liderança de Narges Mohammadi tem essa qualidade extraordinária que a qualifica. Esperamos que seja uma inspiração para mulheres de outros países que são vítimas de discriminação e segregação sistemáticas.” Clemesha vê, de fato, ligação entre as ações das mulheres iranianas e os movimentos feministas de outros países. “As mulheres no islã são um caso específico que se conecta ao que é o problema da opressão da mulher mundo afora; se o prêmio der vigor aos movimentos feministas em geral, será muito positivo.”

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