Neste mês, o sistema de monitoramento da qualidade do ar da Grande Vitória, no Espírito Santo, passa a ser o primeiro do mundo a utilizar equipamentos só usados até agora em sondas espaciais. Ele vai quantificar as partículas presentes na atmosfera e, ainda, identificar com mais precisão os componentes ferrosos originários da produção de aço e do transporte de minério de ferro na cidade. O aparelho também vai identificar outras partículas, determinando a origem de cada uma.
O projeto, coordenado pelo físico Paulo de Souza Júnior, é resultado da adaptação de dois equipamentos desenvolvidos para a Agência Espacial Americana (Nasa). Eles vão aperfeiçoar a rede de controle ambiental de Vitória, e contam com o apoio da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Seama), da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e da Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST).
O primeiro equipamento é o Miniaturized Mössbauer Spectrometer II (Mimos II), desenvolvido para a Nasa pelos pesquisadores da Universidade de Johannes Gutemberg, da cidade de Mainz, na Alemanha, para integrar os dois robôs espaciais que irão a Marte, em maio e julho de 2003, na missão Mars Exploration Rovers. Ele é uma miniatura do Espectrômetro Mössbauer, equipamento capaz de fazer a análise mineralógica ferrosa.
O Mimos II é do tamanho de um mouse, pesa 400 gramas e pode fazer o mesmo que um equipamento convencional, do tamanho de uma copiadora profissional. Em Marte, vai analisar os componentes do solo, das rochas e de partículas magnéticas suspensas no ar. Souza, que participou na Alemanha como convidado na formatação do Mimos, estará também em Pasadena, na Califórnia, Estados Unidos, durante a missão a Marte para analisar os dados enviados à Terra. Atualmente, ele é analista de Tecnologia, Pesquisa e Desenvolvimento da CVRD.
O outro equipamento da Nasa é o Alpha Particle X-Ray Spectrometer (APXS) usado na missão Mars Pathfinder, que explorou o planeta em 1997. A partir de janeiro, parte desse equipamento – o Sistema de Detecção de Raios X – passará a integrar o sistema de Vitória, fazendo a análise química das amostras de ar. Para explicar esses equipamentos, Souza faz uma analogia com a culinária. O APXS aponta os ingredientes que existem na cozinha e o Mimos II mostra os pratos preparados pelo cozinheiro. O segundo, portanto, indica como os elementos químicos se ligam ao ferro formando os minerais ferrosos.
Detectar poeira
O Mimos II está em testes há seis meses na rede de controle ambiental de Vitória, identificando a origem dos minerais ferrosos que influem na qualidade do ar. Nesse período, ele identificou grande variedade de fontes poluidoras: indústrias da região, construção civil, pedreiras, ruas sem pavimentação, queima de lixo e veículos automotores.
A Rede de Monitoramento da Qualidade do Ar da Grande Vitória começou a ser implantada em 1995, com o objetivo de diferenciar as fontes poluidoras do ar na região. À época, a Seama só media a quantidade de poeira no ar, mas não identificava os componentes nem suas fontes. Souza começou a participar do projeto como graduando de física da UFES, em sua primeira etapa, quando da caracterização do material particulado. “Depois de desenvolver uma metodologia para realizar a caracterização, entramos na segunda etapa, que foi identificar a origem das fontes dos materiais”, diz Souza. “A hematita (a-Fe2O3), por exemplo, está presente em diversas fontes na Grande Vitória – minério de ferro, pelotas desse minério, solos avermelhados, etc. Para determinar a sua origem foi preciso introduzir a técnica Mössbauer, que indica o local da formação da hematita presente no ar.
A terceira etapa do projeto foi desenvolver uma forma de calcular o impacto de cada fonte poluidora na região urbana e resultou na criação do Modelo Receptor Inteligente, um software que processa as informações de caracterização química, mineralógica e física apresentando os dados qualitativos (quais os materiais e de que fontes) e quantitativos (o quanto de cada material e de cada fonte) do total de componentes do ar. “A primeira medição, realizada em 1998, mostrou que 18,8% da poeira analisada tinha origem no processo de pelotização da CVRD (a transformação do pó de minério de ferro em pelotas para exportação)”, conta Souza. Com esse dado em mãos, a empresa investiu US$ 37 milhões na instalação de sete equipamentos que filtram e retêm a poeira muito fina do processo de pelotização. Na segunda medição, realizada entre 1999 e 2000, os componentes derivados da pelotização diminuíram para 7,9% do total.
Rede neural
Para resolver a demora e o custo da análise do espectrômetro Mössbauer, foi introduzida no sistema uma rede neural artificial, desenvolvida como parte da tese de mestrado de Souza, na UFES. “Esse processo de análise demora dias e demanda o trabalho de físicos experientes. Com essa rede é possível identificar os minerais automaticamente a partir de exemplos catalogados em um banco de dados”, explica o físico.
Paralelamente ao projeto ambiental, Souza desenvolve novas aplicações para a sonda espacial. Tanto a CST quanto a CVRD estão apoiando testes para uso do equipamento no controle de qualidade de seus produtos. “Vamos instalar o Mimos II e o Sistema de Detecção de Raios X do APXS nas usinas da Vale para verificar, em tempo real durante a produção, se as características das pelotas estão de acordo com os parâmetros de qualidade definidos pelos clientes. O mesmo será feito para analisar a qualidade do aço produzido pela CST. “Dessa forma, as empresas poderão detectar e corrigir qualquer alteração de qualidade”, ressalta Souza. “A indústria nacional, com esse projeto, torna-se pioneira no uso de sondas espaciais em suas instalações. Da mesma forma que em Marte, queremos analisar todos os detalhes dos minerais ferrosos nos nossos processos industriais.
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