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Química

Atrito reduzido

Polímero misturado ao etanol faz o biocombustível percorrer alcoolduto com maior velocidade

Edvaldo Sabadini/Unicamp Imagens mostram diferenças em experimento com água pura (no alto) e com polímeroEdvaldo Sabadini/Unicamp

Turbulências e redemoinhos estão associados a problemas em viagens de avião, em mar agitado e até em furacões e ciclones. Além disso, eles trazem prejuízos também ao bom escoamento de combustíveis em tubulações. Para levar petróleo, gasolina e etanol, ou mesmo água, de um lado para outro dentro de tubos é preciso enfrentar um ambiente turbulento e repleto de redemoinhos que diminuem a vazão e exigem equipamentos potentes para impulsioná-los. Há muitos anos esse fenômeno intrínseco a qualquer tipo de líquido é estudado e a solução para facilitar o bombeamento de petróleo por longas distâncias foi dissolver pequenas quantidades de certos polímeros nesse combustível. Os polímeros funcionam como redutores de atrito hidrodinâmico, um procedimento já utilizado, por exemplo, no estado norte-americano do Alasca em petrodutos com extensão de 1.287 quilômetros.

Faltava uma solução para o etanol, o álcool combustível que ganha maior importância no mercado brasileiro e também para a exportação, exigindo cada vez mais o transporte em alcooldutos. “A adoção de um redutor de atrito pode aumentar a vazão de etanol, numa tubulação, em 20% ou mais, que implica a economia proporcional em energia elétrica para fazer funcionar as bombas que impulsionam o líquido”, diz o professor Edvaldo Sabadini, do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ele estudou o fenômeno e encontrou um polímero eficaz para transporte de etanol, tendo inclusive depositado uma patente no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) por meio da Agência de Inovação (Inova) da universidade.

“O redutor de atrito atenua a turbu­lência e elimina os vórtices muito pequenos que se formam quando o líquido ganha velocidade”, diz Sabadini. Os vórtices são movimentos muito rápidos que parecem se torcer neles mesmos e possuem direção e formação caótica, caracterizando o regime de turbulência. “Esses redemoinhos microscópicos fazem frear o líquido em todas as direções. Os polímeros adicionados ao etanol interagem com esses vórtices, absorvendo suas energias e evitando suas propagações.” O poli (óxido de etileno) foi o polímero utilizado no experimento, mas os pesquisadores estudam outros mais baratos e comerciais porque esse é usado principamente em laboratórios. “É preciso uma quantidade muito pequena de polímero, da ordem de 30 partes por milhão (ppm), que equivale a adicionar 30 gramas do polímero em 1 tonelada de etanol. Uma quantidade maior não traz benefício adicional. O polímero precisa ser formado por super- macromoléculas com altíssima massa molecular e com características de ser flexível e muito solúvel no líquido que se quer usar”, diz Sabadini.

Os pesquisadores entendem que a atenuação dos vórtices acontece pelo movimento de esticar e encolher das moléculas do polímero. Pelo menos essa é a explicação até agora aceita porque os estudos sobre a natureza da turbulência ainda são inconclusivos. “Ela ainda é um dos grandes desafios da física”, diz Sabadini. Para exemplificar essa questão ele lembra do físico alemão Werner Heisenberg, Prêmio Nobel de Física de 1932, que teria dito (não está escrito) que, se encontrasse Deus, faria duas perguntas: por que a relatividade é tão estranha? E como explicar a turbulência? Ele teria concluído que Deus saberia a primeira resposta, mas não a segunda.

Efeito gota
Para estudar e tentar avançar no conhecimento da interação do polímero em meio à turbulência e escolher uma substância que atue como redutor de atrito hidrodinâmico para o etanol, os pesquisadores se valeram de um experimento que usa o efeito de gotas caindo sobre um líquido. Após o impacto, ocorre a formação do splash, que dura cerca de 0,1 segundo. No início, forma-se uma espécie de coroa e logo em seguida um jato é impelido no sentido perpendicular à superfície do líquido. O grupo observou que o splash possui estruturas diferentes, se a água está pura ou com polímero. Com o aditivo, a água forma um jato muito maior. “O impacto da gota gera turbulência e o redutor de atrito permite que o líquido deslize com maior facilidade e com menor dissipação de energia, impelindo o jato em alturas maiores.” O experimento foi realizado com uma câmera filmadora ultrarrápida, capaz de capturar mais de 18 mil fotos por segundo adquirida por meio de um projeto de auxílio regular da FAPESP. “Medimos os milissegundos de cada imagem.” O experimento é feito com água porque o etanol tem tensão superficial pequena, o que dificulta a observação do splash.

O efeito do polímero no etanol foi comprovado pelos pesquisadores por meio de um reômetro, aparelho constituído por uma espécie de copo cilíndrico contendo o líquido a ser estudado, e também de um cilindro, com diâmetro menor no interior, para rodar em diferentes velocidades. O líquido preenche o espaço entre os dois cilindros. No caso do etanol, foi medido o esforço com o cilindro girando a 1.200 rotações por minuto. Foi então medido na mesma rotação o esforço do álcool com o poli (óxido de etileno) dissolvido que apresentou 15% de redução de atrito. De certa forma, o aparelho simula a turbulência gerada nos alcooldutos. Assim, segundo Sabadini, bombear grandes quantidades de etanol com aditivo em tubulações pode representar uma boa economia. Sabadini também estuda, em colaboração com o Centro de Estudos de Petróleo da Unicamp, o uso de redutores de atrito para diesel e petróleo, que no Brasil é muito pouco usado.

A história dos redutores de atrito em líquidos começou em 1948 com o químico B. A. Toms, da Universidade de Birmingham, na Inglaterra. Ele demonstrou que uma solução diluída de poli (metil metacrilato) misturada a monoclorobenzeno oferece menor resistência ao fluxo que o solvente puro. Uma das imagens marcantes desses redutores é uma fotografia do final dos anos de 1960 que registra uma demonstração dos bombeiros de Nova York, nos Estados Unidos. Eles usaram uma mesma bomba para impulsionar água em uma das mangueiras e água contendo algumas poucas quantidades de poli (óxido de etileno) na outra. O jato com o aditivo foi lançado a uma distância 80% maior. Agora é a vez do etanol.

O Projeto
Redução de atrito hidrodinâmico a partir de imagens de impacto de gotas (nº 2005/00873-8); Modalidade Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa; Coordenador Edvaldo Sabadini – Unicamp; Investimento R$ 36.677,24 e US$ 60.372,00 (FAPESP)

Artigos científicos
DA SILVA, M. A. et al. New experimental technique to measure the efficiency of drag reducer additives for oil samples. Energy & Fuels. v. 23, p. 4.529-32. 2009.
SABADINI, E.; ALKSCHBIRS M.I.; Drag reduction in aqueous poly (ethylene oxide) solutions based on drop impact images. Journal of Physical Chemistry B. v. 108, p. 1.183-88. 2004.
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