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Saúde

Avanços nos diagnósticos

Novos sensores desenvolvidos no Brasil fazem análises clínicas mais sensíveis e detecção precoce da dengue

raul aguiarDois sensores desenvolvidos recentemente podem levar a métodos de análises clínicas e a diagnósticos de doenças mais rápidos e baratos. Em São Carlos, uma equipe da Universidade de São Paulo (USP) aperfeiçoou um tipo de transdutor químico, chamado sistema de detecção condutométrica sem contato (C4D), tornando-o 10 mil vezes mais sensível. O avanço o deixa equiparável aos melhores métodos existentes para análises clínicas ou químicas em sistemas microfluídicos que utilizam microchips. No Rio de Janeiro, pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio), em parceria com pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), criaram um sensor de fibra óptica para diagnosticar a dengue.

O químico Renato Souza Lima, do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP e do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, de Campinas, diz que na última década dispositivos microfluídicos têm sido muito usados como ferramenta analítica em áreas diversas como a análise de metais pesados, controle de qualidade de bebidas e alimentos e em aplicações biológicas na área de medicina. Os microchips com o sistema C4D têm outras vantagens, como a facilidade de miniaturização e o seu caráter universal como detector. “Isso faz dessa técnica uma alternativa ideal para uma variedade enorme de análises químicas e bioquímicas”, diz Lima.

Apesar de suas vantagens, a C4D apresentava, no entanto, uma limitação importante quando comparada a técnicas eletroquímicas clássicas como a amperometria e a voltametria: a sua baixa sensibilidade. “Esses dois tipos de análises são milhares de vezes mais sensíveis que a detecção sem contato (C4D)”, explica Emanuel Carrilho, professor do IQSC da USP e orientador do doutorado de Lima. “Por isso, nosso objetivo foi aumentar a eficiência do dispositivo com a expansão da área de cobertura dos eletrodos (responsáveis pela detecção das substâncias em análise) e a redução da espessura do dielétrico (isolante elétrico que os cobre). Ou seja, o que fizemos foi transformar o dispositivo para diagnóstico, que era pouco sensível, em um sistema 10 mil vezes mais eficiente.”

Para chegar a esse resultado, os pesquisadores de São Carlos modificaram a arquitetura do equipamento, trocando os eletrodos de lugar. Normalmente, os microchips com C4D são compostos por uma lâmina de vidro com microcanais, pelos quais corre o fluido que se quer analisar, e uma outra, plana, que serve como “tampa” e na qual estão instalados dois eletrodos. Nessa configuração, eles ficam fora dos microcanais, gravados em outra lâmina de vidro. Assim, a única forma de elevar a sensibilidade do dispositivo seria aumentar a área de detecção dos eletrodos, o que é pouco prático. “Nossa solução foi colocá-los dentro dos microcanais, como um anel concêntrico”, conta Carrilho. Para evitar que o eletrodo entre em contato com a substância a ser analisada, característica do detector C4D, ele é isolado por meio de uma cobertura fina, feita com uma camada de 200 nanômetros de dióxido de silício.

Infográficos: ana paula campos / Ilustrações: raul aguiar

Para fazer a análise clínica de sangue ou urina, por exemplo, uma gota do material é induzida a passar pelos canais, onde o eletrodo detecta a presença das substâncias de interesse, sejam endógenas, como glicose ou ácido úrico, por exemplo, ou exógenas, como fármacos e poluentes. Isso é feito de forma indireta, porque o sensor (microchip) mede a condutividade elétrica da amostra de microfluido. “Essa condutividade muda de substância para substância e de concentração para concentração de uma mesma substância”, explica Carrilho. “Qualquer uma que alterar a condutividade da solução preenchendo o canal pode ser detectada.”

Óptica na dengue
O sensor desenvolvido pelas equipes da PUC-Rio e UFPE, por sua vez, é baseado na ressonância de plasmon de superfície localizado (LSPR, na sigla em inglês), um fenômeno óptico que ocorre quando a luz interage com nanopartículas metálicas, induzindo a uma excitação coletiva de elétrons. A LSPR permite que determinados comprimentos de onda (cores) possam ser absorvidos. A física Isabel Cristina Carvalho, responsável pelo Laboratório de Optoeletrônica do Departamento de Física da PUC-Rio e uma das coordenadoras do trabalho, explica que o dispositivo é feito com um fino filme de ouro com 6 nanômetros de espessura depositado na ponta de uma fibra óptica e depois aquecido por quatro minutos a 600ºC, o que o transforma em nanopartículas de ouro.

“Em uma ponta da fibra, sobre as nanopartículas de ouro, é fixado o anticorpo NS1 da proteína de mesmo nome excretado pelo vírus”, diz Rosa Dutra, professora da PUC-Rio. “A outra ponta é conectada a um acoplador, do qual saem duas outras fibras ópticas, uma que será ligada a uma fonte de luz branca e a outra a um espectrômetro que detecta o sinal refletido na ponta da fibra contendo as nanopartículas e os anticorpos anti-NS1”, diz Isabel. No teste, se a solução não contiver o antígeno, o comprimento de onda medido pelo espectrômetro não sofre modificação. Caso contrário, o sinal medido sofrerá variações na cor, o que determinará as diferentes concentrações do antígeno NS1.

Infográficos: ana paula campos / Ilustrações: raul aguiar

Alexandre Camara, aluno de doutorado de Isabel, explica como esse conjunto funciona. “O efeito LSPR devido às nanopartículas imobilizadas com anticorpos anti-NS1 na ponta da fibra óptica é afetado pelo ambiente externo, ou seja, com a presença ou não de antígeno NS1. A resposta do sensor é altamente dependente desse ambiente externo e qualquer mudança nesse fator faz com que a cor absorvida pelo meio mude e o sinal monitorado se modifique. “Não detectamos diretamente o vírus da dengue, mas sim uma proteína (NS1) que o vírus excreta. Em uma fase aguda da doença essa proteína tem o seu valor aumentado, o que é um indicativo precoce da gravidade da doença.”

A física Paula Gouvêa, do Laboratório de Sensores a Fibra Óptica (LSFO) da PUC-Rio e também uma das líderes do trabalho, conta que o sensor de dengue teve origem em outro, criado anteriormente por seu grupo. “Este é uma adaptação do que começamos a desenvolver em 2007”, lembra. “Naquela época iniciamos uma colaboração entre o LSFO, o Laboratório de Optoeletrônica e o Instituto Real de Tecnologia, da Suécia, para desenvolver um sensor de fibra óptica utilizando nanopartículas de ouro.” Em 2011, Renato Araújo, da UFPE, viu uma apresentação de Paula sobre o dispositivo e teve a ideia de adaptá-lo para detectar dengue.

Começou assim, em 2012, a colaboração entre os grupos da PUC-Rio e da UFPE. “Ela teve início com o trabalho experimental realizado pelos alunos Alexandre Camara e Ana Carolina Dias”, conta Paula. Nessa etapa de adaptação do sensor para a detecção da dengue, o trabalho foi desenvolvido nas duas universidades. “O Alexandre aprendeu a técnica na UFPE em Recife e a trouxe para o Rio.” Por enquanto, os testes foram realizados apenas em soluções feitas em laboratório com os antígenos da dengue. O próximo passo será a realização de medições in vivo, com amostras de sangue de pacientes infectados. “O que fizemos até agora consiste em uma prova de conceito do novo sensor, que ainda não é um protótipo”, explica Araújo. “Como o nosso, existem alguns poucos métodos demonstrados em laboratório que poderiam ser utilizados no diagnóstico da dengue. A transformação de um resultado como o que conseguimos em um produto exige ainda a execução de vários passos, como a avaliação econômica de produção das diferentes técnicas.”

Sem sintomas
Pelos resultados obtidos nos testes, o novo dispositivo mostrou-se bem promissor. Uma de suas maiores vantagens é permitir a detecção da dengue desde o primeiro dia de contaminação, quando o paciente ainda não começou a apresentar os sintomas da doença. Isso é muito útil, porque um diagnóstico precoce pode evitar a morte de pacientes por não receber tratamento adequado a tempo de prevenir problemas mais graves como os causados pela dengue hemorrágica. “Outra vantagem do nosso sensor é o fato de que com ele é possível realizar as medições com apenas uma gota de amostra”, acrescenta Camara. “O pouco tempo necessário para o teste (em 20 minutos é possível ter um diagnóstico) e o esperado baixo custo de produção também o tornam atrativo.” Rosa Dutra lembra que o sensor pode ser portátil e usado também em laboratórios.

O trabalho foi financiado pela parceria entre a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e a Swedish Foundation for International Cooperation in Researchand Higher Education, que apoia estudos conjuntos entre Brasil e Suécia. A pesquisa também contou com recursos das duas universidades, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). Um artigo foi publicado na revista Optics Express.

O sensor químico para análises clínicas desenvolvido pela equipe da USP de São Carlos também ainda não está pronto. “Ele gerou patente, mas precisa de desenvolvimento”, diz Carrilho. “Está no ponto de sair da universidade e ir para uma empresa de base tecnológica para chegar ao mercado. Uma empresa de São Carlos chamada ParteCurae Analysis demonstrou interesse na transferência da tecnologia.” Segundo Carrilho, há apenas dois pequenos fabricantes de microchip com C4D no mercado, por isso as melhorias que os pesquisadores desenvolveram nesse tipo de sensor poderiam torná-lo mais competitivo. A pesquisa contou com apoio da FAPESP, por meio de uma bolsa de doutorado a Lima, da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e resultou em artigo publicado na revista ChemComm, da Royal Society of Chemistry.

Projeto
Sistemas microfluídicos eletroquímicos ultrassensíveis (nº 2010/08559-9); Modalidade Bolsa de Doutorado; Pesquisador responsável Emanuel Carrilho – IQ-USP; Bolsista Renato Souza Lima; Investimento R$ 88.808,87 (FAPESP).

Artigos científicos
Lima, R.S. et al. Highly sensitive contactless conductivity microchips based on concentric electrodes for flow analysis. Chemical Communications. Publicado on-line em 9 out. 2013.
Camara, A.R. et al. Dengue immunoassay with an LSPR fiber optic sensor. Optics Express. v. 21, n. 22, p. 27023-31. nov. 2013.

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