A cor azul é abundante no céu e nas águas, mas não entre os organismos vivos. Em aves é resultado da forma como as penas filtram a luz branca e refletem luz azul, não pela presença de pigmento. Entre os minerais, pigmentos azuis muitas vezes contêm metais que podem ser tóxicos. Nas plantas, é uma cor ainda mais rara. As hortênsias produzem pigmentos chamados antocianinas (flor azul, em grego), que se ligam a metais e pintam as flores de azul, mas se degradam uma vez extraídos da planta. O índigo, extraído de plantas do gênero Indigofera e usado para tingir roupas, é um dos poucos corantes de origem natural adequados para o uso industrial. Uma alternativa foi apresentada hoje (3/4) em artigo da revista Science Advances: a BeetBlue.
“Criamos um novo corante azul a partir do pigmento da beterraba, uma matéria-prima atóxica e renovável”, conta o químico Erick Bastos, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP). O pigmento tinge papel, tecido de algodão, fios de seda, cabelo, iogurte, entre outros materiais. A BeetBlue foi produzida a partir da betanina, um pigmento vermelho abundante na beterraba e que é encontrado em menor quantidade também na primavera rosa, na pitaia e no amaranto. A cor aparece porque o pigmento reflete a luz vermelha quando iluminado com luz branca. “Durante uma conversa com a bioquímica Barbara Freitas-Dörr, então estudante de doutorado, percebemos que a estrutura da betanina poderia ser modificada para obter uma nova molécula azul. Deu certo na primeira tentativa”, conta Bastos.
“A reação é simples”, diz Bastos. “Primeiro, purificamos a betanina porque o suco da beterraba contém uma infinidade de moléculas.” Depois, é preciso quebrar a betanina para produzir o ácido betalâmico, uma reação com rendimento muito baixo. Em seguida, uma reação química que dura poucos segundos transforma o ácido betalâmico em BeetBlue (ver infográfico).
“O trabalho usou uma estratégia sintética elegante e efetiva para produzir um corante azul a partir de pigmento natural”, diz a química Adriana Rossi, do Instituto de Química da Unicamp, que não participou do estudo. “O composto é estável mesmo com variações de acidez, diferentemente das antocianinas e betalaínas, classe de substâncias na qual se inclui a betanina.” A pesquisadora ressalta que, ao contrário de pigmentos naturais, o BeetBlue não contém metais em sua estrutura, o que normalmente torna tóxicos os corantes sintéticos. Os metais presentes nas antocianinas também são muito reativos e por isso mudam de cor.
Para verificar se a BeetBlule é tóxica ou causa mutações ao DNA, a equipe da USP realizou ensaios com células humanas de fígado, de retina e com o peixe-zebra (Danio rerio), normalmente chamado de paulistinha no Brasil. Os ensaios não detectaram efeitos, mas são insuficientes para determinar que a substância é segura para consumo humano. Para isso, são necessários testes mais complexos e caros.
O pesquisador abriu mão de registrar patente sobre a BeetBlue. “Esse trabalho, calcado em muito estudo molecular, é também uma ode à ciência básica em uma época na qual valorizar a ciência é muito importante”, diz. “O eventual sucesso do corante será uma demonstração de que a ciência é o primeiro passo para desenvolver a base tecnológica da sociedade.” Para Bastos, entender como as coisas funcionam é fundamental para resolver os problemas que a humanidade enfrenta.
Projetos
1. Uso de solventes verdes e suas misturas na otimização de processos químicos (nº 14/22136-4); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Omar Abou El Seoud (USP); Investimento R$ 2.695.151,81.
2. Betalaínas: relações estrutura-propriedade (nº 16/21445-9); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Erick Leite Bastos (USP); Investimento R$ 203.438,61.
3. Caracterização fotofísica e potencial anti-inflamatório de betalaínas (nº 19/06391-8); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Erick Leite Bastos (USP); Investimento R$ 188.124,81.
Artigo científico
FREITAS-DÖRR, B. C. et al. A metal-free blue chromophore derived from plant pigments. Science Advances. v. 6, eaaz0421. 3 abr. 2020.