Conhecidas por auxiliar na digestão de alimentos, as incontáveis bactérias que vivem no intestino de mamíferos são capazes de regular a expressão de genes nas células epiteliais que revestem a parede do intestino, podendo ajudar a prevenir infecções e o desenvolvimento de tumores. Essa é a principal conclusão de um estudo desenvolvido por um grupo internacional de pesquisadores, entre eles brasileiros do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp) e do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas do campus de Diadema da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Em experimentos in vitro e com camundongos, eles verificaram que os ácidos graxos de cadeia curta, moléculas produzidas durante a digestão de alimentos, podem penetrar as células que revestem a parede do intestino e afetar a expressão de seus genes e suas funções.
Os ácidos graxos de cadeia curta são subprodutos da fermentação pelas bactérias de fibras provenientes da alimentação. Por se tratar de um processo comum durante a digestão, essas moléculas são encontradas em altas concentrações no trato gastrointestinal. Estudos desenvolvidos nas últimas duas décadas verificaram que elas podem desempenhar funções anti-inflamatórias, ativando células do sistema imune, por exemplo. No estudo publicado agora na revista Nature Communications, a equipe coordenada pelos bioquímicos Patrick Varga-Weisz, do Instituto Babraham, na Inglaterra, Marco Aurélio Vinolo, do IB-Unicamp, e Tiziana Bonaldi, do Instituto Europeu de Oncologia, na Itália, constatou que essas moléculas também podem desempenhar outras funções.
Ao entrar nas células epiteliais, os ácidos graxos de cadeia curta desencadeiam uma cascata de eventos bioquímicos que alteram a atividade das células. Há muito se sabe que o DNA se encontra envolto dentro do núcleo das células por um conjunto de proteínas chamadas histonas, um empacotamento que em grande parte determina os trechos do material genético disponíveis para transcrição. No estudo, os pesquisadores observaram que, ao penetrar o interior das células epiteliais, os ácidos graxos de cadeia curta inibem um grupo de enzimas chamadas histonas desacetilases (HDACs), dando início a um processo conhecido como crotonilação, que altera a estrutura das histonas.
“Verificamos que modificações nas histonas podem modular a expressão de determinados genes, como os associados à proliferação celular”, explica Vinolo. Ainda não foi possível determinar se isso inibe ou estimula a multiplicação das células, mas perceber a relação já é um ponto de partida. “Desse modo, acreditamos que a regulação da crotonilação de histonas das células intestinais pode abrir caminho para novas estratégias de prevenção e tratamento de doenças inflamatórias, infecciosas e tumores intestinais”, ele afirma.
O estudo é resultado de um projeto mais amplo, financiado pela FAPESP e pelo Conselhos de Pesquisa do Reino Unido (RCUK, na sigla em inglês). Segundo Vinolo, o próximo passo agora será analisar o impacto da dieta e de complicações como inflamações e infecções intestinais na produção de ácidos graxos de cadeia curta pelas bactérias e na crotonilação de histonas, e como isso afeta o processo de regulação gênica nas células epiteliais.
Projetos
1. Papel das modificações epigenéticas induzidas pelos AGCCs em células epiteliais intestinais (n° 15/50379-1); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Marco Aurélio Ramirez Vinolo (Unicamp); Investimento R$ 66.191,79.
2. Envolvimento dos ácidos graxos de cadeia curta e seu receptor (GPR43) na resposta imune a bactérias anaeróbias in vivo e in vitro (nº 12/10653-9); Modalidade Jovem pesquisador; Pesquisador responsável Marco Aurélio Ramirez Vinolo (Unicamp); Investimento R$ 1.069.055,50 (FAPESP).
Artigo científico
FELLOWS, R. et al. Microbiota derived short chain fatty acids promote histone crotonylation in the colon through histone deacetylases. Nature Communications. v. 9, n. 105, p. 1-15. jan. 2018.