Nada é mais revelador do sucesso de uma investida do que o fato de os sócios na empreitada ficarem igualmente satisfeitos com os resultados obtidos. A fórmula engendrada na concepção do programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE) requer a satisfação das três pontas envolvidas na tarefa de gerar inovação tecnológica. De um lado, estão as universidades ávidas por recursos que possibilitem o aprofundamento do conhecimento com a intensificação de pesquisas. Do outro, as empresas empenhadas para que haja o máximo aproveitamento das descobertas efetivadas por meio de palpáveis resultados comerciais. E, por fim, a FAPESP, em seu papel de intermediar os contatos, oferecendo recursos e estimulando o desenvolvimento da aplicação direta da ciência em benefício do desenvolvimento social e econômico do país.
A noção de que o conhecimento tornou-se legítima riqueza das nações é recorrente. Disseminá-los assumiu, assim, um certo caráter de emergência. “Para a FAPESP, o desafio não significa abandono das realizações anteriores, como agência eficaz no desenvolvimento do conhecimento fundamental”, ressalta Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente da Fundação e reitor da UniversidadeEstadual de Campinas (Unicamp).“Ao contrário, a partir da aceitação vertiginosa do avanço das fronteiras sem fim da ciência e da intensificação da dependência da tecnologia em relação aos desenvolvimentos científicos, tornou-se natural para a Fundação exercer esse novo papel como promotora e indutora das aplicações da ciência”, acrescenta.
Os casos bem-sucedidos dão respaldo ao projeto implantado pela FAPESP a partir de 1995, numa época em que havia poucas iniciativas similares. Entre eles, há dois constantemente citados, por resumir na prática o que se esperava do PITE: envolvem tecnologia aplicada a softwares, em benefício de ganhos de produtividade dentro da operação da Petrobras, parceira da FAPESP no financiamento dessas pesquisas – situam-se, portanto, num campo de fundamental importância para a economia e para o bem-estar de milhões de brasileiros. Um foi desenvolvido pelo Departamento de Engenharia Química da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). O outro, pelo Centro de Pesquisas em Petróleo da Unicamp.
O primeiro resultou num sistema capaz de otimizar a produção em dez das refinarias da companhia de petróleo e ainda numa usina de processamento de xisto,como descreveu a revista Pesquisa FAPESP em sua edição 58, de outubro de 2000. A solução encontrada atualizou o Sistema de Controle Avançado (Sicon), da Petrobras, garantindo, logo de início, um ganho adicional de US$ 0,25 por barril – ganho que cresceria com a continuação das pesquisas e poderia resultar, levando em conta a produção da empresa, numa economia diária de US$ 900 mil. O software foi gerado a partir de matrizes de algoritmos estudados na USP sob a coordenação de Cláudio Augusto Oller do Nascimento, do Departamento de Engenharia Química da Escola Politécnica. A proposta era de adaptação dos estudos para a realidade de uma unidade de refino – e seus resultados incorporaram-se à rotina da empresa.O aporte de recursos por dois anos de pesquisa foi da ordem de R$ 573 mil por parte da Petrobras e de US$ 167,9 mil e mais R$ 22 mil pela FAPESP.
A segunda pesquisa, desenvolvida na Unicamp a cargo de Denis Schiozer, da Faculdade de Engenharia Mecânica, resultou em um programa de computação paralelo destinado à área de extração de petróleo. Com ampla aplicação em análises do comportamento de reservatórios antigos, o software – que distribui as tarefas computacionais – vem sendo utilizado em controle de poços no Nordeste. Serve para o acompanhamento das necessidades de injeção de fluidos e deslocamentos subterrâneos, e possibilitou uma economia de tempo de até 85% em relação ao método antes usado. O projeto mobilizou recursos da Petrobras, que investiu R$ 261 mil, e da FAPESP, divididos em duas etapas de US$ 160 mil e mais R$ 1,3 mil.
Outra experiência vitoriosa, dessas que viram case digno de constar em manuais de administração, envolveu uma parceria entre a Itautec, empresa de tecnologia da holding Itaúsa, dona do Banco Itaú, a FAPESP e as três universidades paulistas, Unicamp, Unesp e USP. Gerou um inovador programa de revisor gráfico e gramatical para a língua portuguesa. O ineditismo da iniciativa atraiu a gigante norte-americana Microsoft, que procurou a Itautec para negociar o produto resultante das pesquisas. O software acabou incorporado ao Office 2000, vendido globalmente pela multinacional.
O Revisor da Itautec foi licenciado por três anos a um valor de US$ 421 mil, resultados que surpreendeu a própria empresa brasileira. O projeto inicial era desenvolver um revisor gramatical que substituísse, em profundidade e qualidade, o disponível no mercado interno: um software criado em Portugal, que comportava apenas 200 mil palavras. O resultado da parceria incentivada pelo PITE atingiu, em uma primeira etapa, 1,5 milhão de palavras, uma façanha das equipes envolvidas na procura de soluções. Para chegar ao Revisor, a Itautec investiu R$ 78 mil e a contrapartida da FAPESP foi de US$ 9,2 mil e R$ 17,9 mil.
Em geral, os projetos do PITE são bem-sucedidos e as falhas, raras. Até o momento apenas duas experiências não prosperaram, por desistência das empresas parceiras – um baixíssimo índice de erro que, mesmo assim, não satisfaz Francisco Antônio Bezerra Coutinho, coordenador de Inovação Tecnológica na Fundação, para quem é possível almejar 100% de acerto, diante das cautelas tomadas antes e durante o processo de seleção. Além disso, grande parte dos programas surpreende pelo enorme potencial das descobertas neles embutidas. Os PITEs, em geral, têm parcerias de grandes grupos interessados em aperfeiçoar seus sistemas produtivos. Muitas vezes, as empresas estão somente preocupadas com os ganhos imediatos de produtividade em técnicas de fabricação. Em outros casos, porém, começam também a buscar a inovação tecnológica em si, embora o predomínio, neste caso, ainda seja das pequenas empresas.
Exemplo disso está numa iniciativa que surgiu como desdobramento do programa Genoma. Em fevereiro de 2002, o programa de seqüenciamento parcial do genoma do eucalipto – bancado pela FAPESP em parceria com quatro grandes empresas do setor de papel, celulose e madeira (Votorantim, Ripasa, Suzano e Duratex) – terminou a primeira etapa achando 6.800 genes novos. “A maioria deve ser específica do eucalipto”, explica a coordenadora do projeto,Helaine Carrer, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP. Na fase inicial do projeto, a FAPESP desembolsou US$ 530 mil e o consórcio de empresas, R$ 500 mil.Na busca por genes de importância econômica para a indústria florestal que venham a ser úteis no aumento de produtividade e na redução de custos na fabricação do papel, a pesquisa vai empregar a metodologia dos chamados chips de DNA. A técnica deve revelar detalhes sobre resistência a doenças, à escassez de água e ao frio. Resultará num conhecimento mais aprofundado sobre o eucalipto.
Na mesma linha, há a aplicação dada pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) aos seus estudos conduzidos por Fernando José Landgraf sobre as famílias de aços elétricos, de importância fundamental para motores e equipamentos eletrodomésticos. Como esse insumo não era produzido no Brasil, os estudos despertaram o interesse da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). E a FAPESP, por meio do PITE, viabilizou a ligação das duas pontas, dando ao IPT condições de avançar ainda mais em suas pesquisas sobre essa categoria de aços. Concluído o projeto, já em 1997 a CSN pôde vender mais de 10 mil toneladas de aços elétricos e faturar com os novos produtos US$ 5 milhões, conforme a reportagem da edição 36, de outubro de 1998, de Notícias FAPESP, publicação que gerou a atual revista Pesquisa FAPESP. Vale citar mais alguns exemplos, todos descritos no Notícias FAPESP: os fungos para combater plantas aquáticas que provocam prejuízos para as hidrelétricas, pesquisados pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) em parceria com a CESP; as válvulas de pericárdio bovino que aumentam a sobrevida de pacientes, pesquisadas na USP de São Carlos em parceria com a Braile Biomédica, empresa de São José do Rio Preto; o domínio da tecnologia de produção de gálio, o metal estratégico na indústria de informática e telecomunicações, pesquisado pela Escola Politécnica da USP em parceria com a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA); ou ainda o desenvolvimento de novas categorias de cilindros de aço para laminação, que uniu IPT e USP em parceria com a empresa Aços Villares.
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