Um tema quente no jornalismo científico da virada do século foi o Projeto Genoma Humano. Avanços tecnológicos permitiram que regiões do DNA humano que codificam proteínas fossem sequenciadas (lidas) e analisadas por um consórcio internacional de 20 instituições, em 13 anos de trabalho, ao custo de US$ 3 bilhões. Acrescentando temperatura à história, uma empresa privada lançou iniciativa paralela, criando uma corrida pelos dados que, anunciava-se, revolucionariam a ciência e a medicina.
Muitas promessas não se concretizaram. Entre outros pontos, os poucos genomas usados não retratavam a variação genética da nossa espécie, com implicações para a medicina. Isso motivou iniciativas como o Pangenoma Humano, que agora almeja o sequenciamento completo de 350 pessoas ao redor do mundo, para ampliar o referencial. As doenças de maior incidência estão ligadas a múltiplos genes, acrescentando complexidade aos estudos. Viu-se que as partes do DNA que controlam a ação dos genes são tão importantes quanto as que carregam o código para proteínas, respondendo pelas diferenças entre organismos.
O que levava meses e até anos agora é feito em um dia, e a quantidade de dados disponível cresce em ritmo alucinado, colocando desafios. Dados pouco representam se não forem analisados à luz de boas perguntas. Questões enfrentadas hoje pelos pesquisadores na genética são tema da capa desta edição.
Último texto a ser escrito, o editorial permite um olhar que identifica conexões entre reportagens. Em outras edições, a leitura do conjunto evidencia a variedade de temas. Este número se enquadra na segunda alternativa, trazendo pautas sobre as quais nunca havia pensado.
A ideia de tratar a dependência em cocaína com uma vacina, por exemplo. A estratégia de acionar o sistema imunológico para enfrentar o vício não é nova. A molécula de cocaína não possui tamanho ou complexidade suficientes para gerar uma resposta imunológica do corpo humano, precisando ser associada a uma macromolécula. A busca de vacinas contra drogas ainda não produziu resultados consistentes, mas os dados de ensaios iniciais em animais alcançados por pesquisadores da UFMG os motivam a continuar a busca por mais um recurso para esse complexo problema de saúde pública.
Classificada como limpa e renovável, a energia solar é usada de forma crescente. Com vida útil de 25-30 anos, os painéis fotovoltaicos apresentam um problema no descarte. Compostas principalmente por vidro e alumínio, as placas contêm uma pequena quantidade de metais valiosos e substâncias poluentes. Essa sucata demanda processamento adequado, e a presença de elementos de maior valor é um incentivo à incipiente reciclagem comercial.
Historicamente, a importância dos engenheiros ingleses na construção de ferrovias e pontes é bem documentada e conhecida. Menos famosos são os engenheiros escoceses e seus métodos, protagonistas da construção das estradas de rodagem brasileiras a partir de meados do século XIX, encomendadas para escoar a produção de café, mostra a seção Memória.
Conheci ainda a zooliteratura, ramificação do vasto mundo de estudos sobre os animais não humanos. Unindo referências da filosofia, biologia, política e ecologia, essa área reflete sobre as nossas complexas e controversas relações com os bichos, conta em entrevista a pesquisadora Maria Esther Maciel.
Espero que a sua leitura seja tão instigante quanto foi a minha.
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