Sem pavimentação, estreitas e perigosas, com declives e aclives íngremes e curvas fechadas, as estradas pelas quais circulavam pessoas e mercadorias entre o interior e as cidades do litoral brasileiro até o início do século XIX eram muito precárias, mesmo para os padrões da época. Como os carros de bois dificilmente circulavam por esses caminhos, o frete era caro e o transporte de carga tinha de ser feito sobre o lombo de animais, como burros e mulas. Não era incomum que alimentos estragassem durante as longas viagens.
A situação começou a mudar quando cafeicultores do interior dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, onde ganhava espaço a então principal riqueza econômica do país, reivindicaram do governo melhores estradas para escoar a produção até os portos de Santos e do Rio de Janeiro. Na metade do século XIX, a pressão resultou na abertura de estradas de rodagem nos moldes das construídas na Inglaterra desde o final do século XVIII.
Segundo a engenheira civil Liedi Legi Bernucci, professora da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e presidente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), a Revolução Industrial, iniciada no Reino Unido na segunda metade do século XVIII, gerou a necessidade de escoamento rápido e barato da produção. O engenheiro escocês John McAdam (1756-1836) havia inventado nessa época um método de construção de estradas com superfície lisa e resistente que se mostrou bastante oportuno e foi largamente adotado.
“McAdam percebeu que poderia reduzir a espessura do pavimento ao preenchê-lo com camadas de pedras cada vez menores”, descreve Bernucci. Pedras de 5 centímetros (cm) a 7,5 cm de diâmetro formavam a base do pavimento, coberto com pedras progressivamente menores, com diâmetro de 2 cm ou menos. “Para reduzir o desgaste da pavimentação, as pedras bem pequenas eram colocadas acima das maiores e nos vazios entre elas.”
Biblioteca NacionalCarta topográfica de 1861, elaborada por Franz Keller, da estrada construída pela Companhia União e Indústria desde o Vale do Paraíba até o sul de Minas Gerais (escala 1:100.000)Biblioteca Nacional
No século XIX, o termo macadamização tornou-se sinônimo de métodos de construção ligeiramente diferentes que obedeciam ao mesmo princípio de encaixe com pedras de tamanhos diversos e resultavam em estradas de custo menor que o da técnica tradicional, adotado desde a Roma Antiga. Segundo Bernucci, a espessura do pavimento das estradas macadamizadas tinha por volta de 25 cm, enquanto o das romanas era de 1 metro. Foi com a técnica escocesa que o governo imperial brasileiro começou a abrir estradas pavimentadas e mais amplas que as anteriores a 1850.
Inaugurada em 1861, um dos primeiros trajetos macadamizados do Brasil, a Estrada União e Indústria, que ligava Petrópolis (RJ) a Juiz de Fora (MG), foi a mais importante dessa época. Com 144 quilômetros (km) de extensão e 8 metros (m) de largura, em média, permitia a circulação de carruagens à então incrível alta velocidade de 20 quilômetros por hora (km/h) e em ambos os sentidos. O trajeto de cerca de 12 horas entre as duas cidades atendeu aos interesses dos cafeicultores acionistas da Companhia União e Indústria, que a construiu em cinco anos.
Antes da União e Indústria, porém, houve outras duas, menos conhecidas. Em 1850, diante da pressão dos fazendeiros por melhores condições de escoamento do café, o governo do Rio de Janeiro financiou a construção de uma estrada macadamizada entre Mangaratiba, então o principal porto de exportação do café produzido no Vale do Paraíba e do sul de Minas, e a vila serrana de São João do Príncipe, hoje município de São João Marcos. As obras começaram em 1855 e duraram dois anos. Inaugurada em maio de 1857, a Estrada de Mangaratiba tinha 22 km de extensão, substituindo o precário caminho pelo qual tropas de mulas cortavam a serra do Piloto, próxima ao litoral fluminense, para levar toneladas de café até o porto situado entre a capital e a cidade de Paraty.
“Mangaratiba é, de fato, a primeira estrada de rodagem do Brasil”, afirma a geóloga Soraya Almeida, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Com a também geóloga Simone Oliveira, ela percorreu os poucos trechos que ainda exibem parte da pavimentação antiga e não foram asfaltados e incorporados à rodovia Luiz Ascendino Dantas, conhecida como RJ-149, entre Mangaratiba e Rio Claro, também no interior fluminense. As duas pesquisadoras também examinaram as ruínas do antigo trecho serrano conhecido como Estrada do Atalho, que não pôde ser incorporado à nova estrada.
Elas confirmaram a informação que o engenheiro inglês Edward Webb (1820–1879), gerente técnico do projeto entre 1855 e 1858, enviou por carta ao imperador dom Pedro II (1825-1891): o método de construção não foi o de McAdam, mas de outro engenheiro escocês, Thomas Telford (1757-1834). Nesse caso, as pedras da base do pavimento eram maiores, com diâmetro entre 15 cm e 30 cm, e a estrada tinha três camadas, com outra de pedras menores e cascalhos de 2 cm de diâmetro na superfície. Era uma técnica mais adequada ao clima chuvoso da região, mas depois de pronta a pavimentação era indistinguível da proposta por McAdam. Webb concebeu até mesmo uma forma de tornar a cobertura de pedras ainda mais resistente às chuvas, aplicando “uma camada de argila compactada com rolo compressor de ferro fundido para facilitar a rodagem”, como as geólogas descreveram em um artigo publicado em novembro de 2022 na revista Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material.
Os engenheiros da época consideraram a Estrada de Mangaratiba a melhor do Brasil naquele período, já que o tempo de viagem por ela era oito vezes menor que o da estrada anterior, bastante rústica. O transporte de café pelo caminho, porém, durou pouco. “Os fazendeiros queriam uma estrada de qualidade, mas reclamavam do preço do pedágio cobrado pela empresa que construiu e administrava a estrada”, afirma Almeida.
Em 1860, a disputa política levou à falência a Cia. Estrada de Mangaratiba, cujas contas foram rejeitadas por órgãos do governo; uma auditoria posterior questionou a análise e mostrou que o custo dos fretes havia caído e não aumentado, como os fazendeiros argumentavam. De todo modo, na década de 1860 a construção de ferrovias para o escoamento do café para o porto do Rio de Janeiro reduziu drasticamente o tráfego e a estrada foi aos poucos abandonada.
Outra estrada da mesma época teve um destino parecido. Em agosto de 1857, na região do vale do rio Mucuri, em Minas Gerais, foi inaugurada uma estrada ligando as vilas de Santa Clara, hoje município de Nanuque, e Filadélfia, atual Teófilo Otoni. Com 170 km e 54 pontes de madeira, tinha sido construída pela Companhia de Navegação e Comércio do Mucuri, empresa fundada em 1847 pelo empresário Teófilo Benedito Ottoni (1807-1869) com apoio do governo imperial, com o propósito de desenvolver o nordeste mineiro por meio da abertura de rotas de comércio para o Rio de Janeiro, de modo a ter uma saída para o mar.
Soraya Almeida / UFRRJRemanescentes da pavimentação original da Estrada de MangaratibaSoraya Almeida / UFRRJ
Em 1859 trafegaram por ela “mais de 40 carros particulares puxados por bestas, 200 carros de boi e 400 lotes de burros”, de acordo com um estudo do historiador Creso Coimbra publicado pelo Ministério dos Transportes em 1974. Mas a circulação de mercadorias foi abaixo do esperado, o governo encampou a empresa de Ottoni em 1861 e a estrada, sem manutenção e uso que a justificasse, decaiu rapidamente.
“No período colonial, as estradas, mesmo muito precárias, eram importantes para delimitar as fronteiras e controlar o contrabando de metais e pedras preciosas”, afirma o historiador Télio Anísio Cravo, em estágio de pós-doutorado no Instituto de Estudos Políticos (SciencesPo) de Paris. “Mais tarde, no Império, passam a ter as funções de integração do Estado-nação e de arrecadação de impostos, além do controle da produção e da circulação de mercadorias.”
Apesar da importância das estradas para o desenvolvimento econômico, o Brasil do final do século XIX tinha apenas cerca de 400 km de rodovias macadamizadas. Na década de 1930, os 805 km de estradas desse tipo e os 104 km de estradas de concreto e concreto asfaltado não completavam mil quilômetros de rodovias no país. Nos anos 1950, quando o asfaltamento começou a engrenar, o país ainda tinha apenas 1.300 km de rodovias pavimentadas, enquanto a Argentina desfrutava de 10 mil km.
Foi apenas a partir de 1956, com o início do governo de Juscelino Kubitschek (1902-1976), que o Brasil começou a construir rodovias em larga escala. O projeto de JK era investir em transporte rodoviário para atrair as indústrias automobilísticas para o país. A estratégia atingiu o objetivo, ainda que à custa do descuido com a manutenção das ferrovias. “Foi uma opção totalmente errada, porque as formas de transporte são complementares, não concorrentes”, avalia Bernucci.
Nos anos 1960 e 1970, durante os governos militares, houve outra explosão na construção de rodovias, com financiamento externo. Encerrada a fase de rápido crescimento na década de 1970, conhecida como milagre econômico, o investimento minguou e a manutenção das estradas voltou a ser negligenciada. Nos Estados Unidos, era comum o monitoramento de longo prazo das rodovias, já que conheciam os processos de envelhecimento da malha rodoviária, “uma experiência que só tivemos 50 anos depois da expansão promovida por JK”, acentua a engenheira da USP.
Arquivo Público do Estado de São PauloConstrução da Imigrantes nos anos 1970, para desafogar o tráfego da capital paulista ao litoralArquivo Público do Estado de São Paulo
Segundo Bernucci, as rodovias norte-americanas e europeias são geralmente construídas para durarem de 20 a 30 anos (em alguns casos nos Estados Unidos, 40 anos) antes de precisarem de reformas, enquanto as brasileiras são projetadas para 10 anos. Essa é uma maneira de reduzir os custos da construção, ainda que encarecendo a manutenção a longo prazo e ampliando o impacto social, já que rodovias malcuidadas podem provocar acidentes e perda de vidas humanas.
Atualmente não falta tecnologia para a construção de estradas no Brasil. Inaugurada em 1976, a rodovia dos Imigrantes (SP-160), por exemplo, foi construída na serra do Mar e liga a capital paulista aos municípios litorâneos da Baixada Santista. O objetivo foi desafogar a rodovia Anchieta, estreita e perigosa. O projeto foi considerado ousado na época por ter uma pista composta quase inteiramente de viadutos (44) e túneis (11 em uma pista e 14 na outra).
Com 58,5 km de extensão, a pista norte da Imigrantes é uma obra viária de alto nível e complexidade, segundo Bernucci. “Em muitos trechos, a fragilidade do terreno dificultou a construção dos viadutos, projetados para sofrer movimentação”, explica a pesquisadora. Em 2002 foi inaugurada a pista sul com quatro túneis – dois deles são os mais extensos do país, com 3.146 m e 3.009 m. Os viadutos e longos túneis foram a solução encontrada para que o impacto ambiental na serra fosse o menor possível.
Apesar do domínio tecnológico, o ritmo de construção e de ampliação de rodovias está aquém das necessidades do país, considerando-se o aumento da frota de veículos, de acordo com levantamentos da Confederação Nacional dos Transportes (CNT). Por sua vez, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) alerta que a falta de investimento em infraestrutura de transporte é um gargalo para o desenvolvimento econômico, encarece o frete e diminui a competitividade dos produtos brasileiros.
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