Da série Encontros da UnB, que promovi quando decano de extensão da Universidade de Brasília (UnB) e presidente do Conselho Editorial da Editora UnB – que recebeu nomes como Raymond Aron, Gilberto Freyre, John K. Galbraith, Miguel Reale, Karl Deutsch e Afonso Arinos – foi Norberto Bobbio, sem dúvida, quem mais tocou o público e obteve maior número de leitores.
A edição, até o presente, de 37 títulos de suas obras por editoras, além da Editora UnB, como a Editora da Unesp, a Contraponto e a Campus, e a realização do V Seminário Internacional de Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em 2009, tendo como tema “Norberto Bobbio: democracia, direitos humanos e relações internacionais”, organizado pelo professor Giuseppe Tosi, atestam a expressiva presença de Bobbio no ambiente intelectual brasileiro, construída desde 1983, ano do colóquio da UnB, e do lançamento da obra A teoria das formas de governo.
Qual a razão deste acolhimento, igual ou superior ao da Itália, da figura e da obra de Bobbio no Brasil? Em sua modéstia, ele me disse que ficou surpreso com os “bobbiólogos” que encontrou aqui. Relato, também, minha surpresa, porque logo após ter decidido e comprado, na Feira do Livro de Frankfurt, os direitos autorais do Dicionário de política, organizado por Bobbio, fiquei preocupado quanto à aceitação da obra no Brasil. Hoje é o best-seller da Editora UnB…
Creio que existem dois motivos para esta conexão intelectual: a) a sua ligação com aquilo que “il mio Hobbes” chamava a conversação universal da teoria política; e b) a vocação maior de Bobbio como um grande professor.
O ponto de partida para a entrada na conversação universal era, como disse Bobbio na UnB, estar na posição indicada por Isaac Newton: “Sou um anão; se vejo mais longe é porque subo em ombros de gigantes”. Bobbio subiu e nos levou para ombros de Maquiavel, Hobbes, Kant, Hegel, Marx e Pareto. Recordo o encontro com ele na biblioteca, em sua casa em Turim, ao verificar como se sentia acompanhado, à vontade, e em diálogo com os mestres e as obras que tanto admirava.
O diferencial de Bobbio era a sua alma de professor, que mergulha nas dificuldades do texto e faz trabalho de garimpeiro para nos oferecer, com entusiasmo, somente o metal precioso. Era a alegria da luz produzida com o novo conhecimento e de compartilhá-lo com amigos, companheiros políticos, alunos e colegas acadêmicos.
Bobbio está na linha dos grandes intérpretes dos clássicos. Prefere a fidelidade ao autor do que privilegiar uma performance personalista, a la prima donna. Com profundidade e clareza, oferece-nos pontes para ir direto a estas fontes essenciais e de difícil acesso.
A obra Norberto Bobbio: democracia, direitos humanos, guerra e paz, da Editora da UFPB, em dois volumes, com os trabalhos apresentados em 2009, é uma excelente contribuição pela qualidade dos autores e por permitir continuar o debate dos grandes temas recorrentes da política.
O livro apresenta os trabalhos conforme o programa do temário do encontro: 1) Perfil de Bobbio; 2) Democracia e estado de direito em Bobbio; 3) Bobbio e o marxismo; 4) Bobbio e os direitos humanos e 5) Bobbio, a guerra e a paz; além de bibliografia de e sobre Norberto Bobbio no Brasil.
Sublinhe-se o alto nível da iniciativa da UFPB, que contou com as parcerias das Universidades de Florença e do Minho. É igualmente importante o fato de o evento ter sido realizado fora do eixo acadêmico Rio-São Paulo.
Vem-me à memória a última conversa que tive com Bobbio, quando me manifestou seu contentamento por ter recebido o Prêmio Hegel na Alemanha. Lembro o livro Studi hegeliani – diritto, società civile, stato, que teve edição, em 1995, pela Brasiliense/Unesp. Sua reedição seria outra bela homenagem a ele.
Os dois volumes da UFPB levam-nos a aprofundar no labirinto de Bobbio, o labirinto do século XX, por ele vivido e pensado intensamente. Evoca a lição permanente do mestre de Turim, expressa em Elogio della mitezza: “Per me la nostra ragione non è un lume: è un lumicino. Ma non abbiamo altro per procedere nelle tenebre da cui siamo venuti alle tenebre verso le quali andiamo”.
Carlos Henrique Cardim (chcardim@uol.com.br) é diplomata de carreira, embaixador e professor do Instituto de Ciência Política da UnB. Organizou Bobbio no Brasil – um retrato intelectual (Editora UnB, 2001) e é autor de A raiz das coisas – Rui Barbosa: o Brasil no mundo (Editora Civilização Brasileira, 2007).
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