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Astrofísica

‘Brasil é importante para nós’, diz diretor do Observatório Europeu

Holandês Tim de Zeeuw afirma que telescópios europeus estão abertos aos astrofísicos brasileiros mesmo antes de o país ratificar sua entrada na entidade

de San Pedro de Atacama

Tim de Zeeuw, diretor-geral do Observatório Europeu do Sul (ESO), fala sobre como anda o processo de entrada do Brasil na entidade

Divulgação Tim de Zeeuw, diretor-geral do Observatório Europeu do Sul (ESO), fala sobre como anda o processo de entrada do Brasil na entidadeDivulgação

Em 29 de dezembro de 2010, o Brasil assinou um termo formal de adesão ao Observatório Europeu do Sul (ESO), um consórcio de 14 países europeus que administra três sítios de observação astronômica no Chile com alguns dos melhores telescópios do mundo. Ao lado dos americanos e japoneses, o ESO é, por exemplo, um dos sócios do Alma — o maior observatório de radioastronomia do mundo, inaugurado no início do mês passado na região de San Pedro de Atacama, norte do Chile — e está à frente do projeto de construção do European Extremely Large Telescope (E-ELT), um telescópio gigante com espelho de quase 40 metros, previsto para entrar em operação no início da próxima década. A adesão do Brasil ao ESO ainda não foi ratificada e o processo de entrada do país na entidade europeia foi alvo de discussões entre os astrofísicos nacionais.

Nesta entrevista, concedida em San Pedro de Atacama, após a inauguração do Alma, o holandês Tim de Zeeuw, diretor-geral do ESO, fala sobre como anda o processo de entrada do Brasil na entidade. “Todos nós gostaríamos que o processo se resolvesse logo. Ele não pode durar para sempre. Gostaríamos de ter isso resolvido neste ano”, disse de Zeeuw, que, dois anos atrás, assinou o termo de adesão ao lado do então ministro da Ciência e Tecnologia Sérgio Rezende.

Como estão as negociações entre o Brasil e o ESO?

Fiquei muito contente quando obtivemos a confirmação de que a presidente Dilma enviou [recentemente] a proposta do acordo com o ESO para o parlamento brasileiro. Foi um passo muito importante. Trata-se de um acordo entre estados, no qual o ESO representa 14 países e o ex-ministro Sérgio Rezende representava o Brasil. Como qualquer tratado internacional, o acordo precisa ser ratificado pelo parlamento. Afinal, o Brasil é uma democracia. Houve troca de governo [depois que o acordo foi assinado] e o processo inicialmente não caminhou tão rapidamente. Nada aconteceu no primeiro ano depois do acordo e fiquei preocupado. Em maio do ano passado, a proposta chegou à Casa Civil. Os ministros organizaram o documento para que a presidente pudesse examiná-lo. No momento, não há realmente mais negociações. É uma questão de processo parlamentar. O ESO abriu seus telescópios para os brasileiros, embora o Brasil ainda não seja um membro pleno. O Brasil ainda não pagou suas contribuições e, quando o acordo for ratificado, prometeu pagar até pelos anos anteriores. O Brasil é importante para nós. Tem uma comunidade astronômica ativa, forte e crescente.

Quanto o Brasil pagará para se tornar membro do ESO?

Há dois pontos nessa questão. O Brasil pagará uma espécie de taxa de entrada e uma contribuição anual. A taxa de entrada se justifica porque o Brasil terá acesso a equipamentos que foram custeados pelos outros membros do ESO. Será uma taxa de € 132 milhões, dividida em 10 anos. Devo dizer que a taxa de entrada do Brasil é proporcional ao tamanho de sua economia em relação às dos países membros do ESO. A Alemanha, por exemplo, paga muito mais do que Portugal. Normalmente, um país entra no ESO pagando 100% de sua contribuição anual. Mas, como o Brasil não é uma nação europeia e vai demorar mais para se integrar totalmente ao ESO, e também o ESO vai demorar mais para se integrar ao país, acertamos que o Brasil começará pagando 20% do total da anuidade. Em 10 anos, o valor subirá gradativamente e atingirá o total da anuidade, que é cerca de € 20 milhões. Os negociadores brasileiros foram muito habilidosos. Isso foi feito porque sabemos que demorará um tempo para o Brasil se beneficiar por completo do ESO. É a primeira vez na história do ESO que permitimos algo assim. Ficamos contentes. Do ponto de vista estratégico, é importante ter o Brasil conosco para fins de pesquisa e também para financiamento do novo telescópio gigante.

Como está o financiamento do E-ELT?

Uma parte do financiamento vem de nossa renda normal, dos 14 países membros. Outra do dinheiro decorrente da entrada do Brasil e grande parte vem de contribuições extras dos 14 estados membros. Doze dos 14 membros já se comprometeram formalmente a dar esse dinheiro extra. Essa contribuição extra não será pedida ao Brasil. No momento, todos estão convencidos de que a competição pelos primeiros contratos para a construção do novo telescópio acontecerá logo. Os primeiros contratos serão para construir as estradas e nivelar a montanha [onde ficará o telescópio] e o próximo será para a construção de todo o domo e a estrutura. Até onde sabemos, a indústria brasileira atua no Chile e ela poderia aplainar o topo da montanha. Esse trabalho não é necessariamente de tecnologia de ponta. Construir o domo e a estrutura principal é um trabalho substancialmente mais difícil. Haverá muitos contratos, alguns de tecnologia de ponta. Esperamos que o Brasil consiga alguns. Seu país faz aviões, pode fazer qualquer coisa. Mas só é possível ganhar um contrato depois que o país tiver entrado totalmente no ESO.

Alguns pesquisadores no Brasil, mesmo astrofísicos, acham que a taxa de entrada do Brasil no ESO é muito elevada, em vista do tamanho da comunidade nacional de astrofísicos. Como o senhor responde a essa crítica?

Conheço as pessoas que fazem essa crítica. Diria duas coisas. Participei de um dos encontros da Sociedade Astronômica Brasileira (SAB). Fiquei surpreso com a quantidade de jovens pesquisadores usando dados de diversos instrumentos. Eles são muito ativos, muitos estão aprendendo e se aperfeiçoando em outros países. Ou seja, não há por que se preocupar com a capacidade de crescimento da comunidade brasileira. Em segundo lugar, é justamento por isso que o Brasil teve esse grande desconto nos primeiros 10 anos em que estiver no ESO. O desconto fez o país economizar 100% de três contribuições anuais ao ESO. Isso foi levado em conta na hora da negociação. Mas não se pode usar duas vezes o mesmo argumento. Assim que esses jovens pesquisadores tiverem acesso aos nossos telescópios, vão começar a produzir e publicar papers. Esse problema, portanto, se resolverá.

Outra crítica é a de que os pesquisadores brasileiros, inclusive muitos desses jovens, teriam dificuldade em obter tempo de observação nos telescópios do ESO, visto que terão de concorrer com comunidades maiores e já estabelecidas de astrofísicos da Europa. O que o senhor tem a dizer sobre isso?

Vamos falar de futebol. Claro que os brasileiros são os melhores do mundo. Na ciência, como no futebol, você faz duas coisas para melhorar: treina e compete. Se você ficar praticando só no seu jardim e não competir, não vai atingir o seu potencial máximo. O ESO tem como princípio o fato de que todos os astrônomos devem competir para se aprimorar. Não acho que os pesquisadores brasileiros precisam temer a competição de modo algum, mas será necessário algum treinamento. De novo, é justamente por isso que demos esse desconto inicial. Sei que há uma certa hesitação dos astrônomos brasileiros em pedir tempo, mas o melhor que eles podem fazer é pedir. Se não der certo da primeira vez, tentem de novo. Não é na primeira vez que se consegue a medalha de ouro.

Há um prazo final para o Brasil ratificar sua entrada no ESO?

Todos nós gostaríamos que esse processo se resolvesse logo. Ele não pode durar para sempre. Gostaríamos de ter isso resolvido neste ano. As primeiras concorrências pelos contratos industriais para a construção da estrada e da plataforma [para o novo telescópio] estão começando e devem se encerrar até outubro. Devemos conceder esses contratos aos vencedores em novembro. Por essa época, a questão deverá ter sido resolvida se o Brasil quiser participar desses contratos. Caso contrário, os outros países vão nos questionar sobre a conveniência de dar contratos para o Brasil. Os próximos seis meses serão muito importantes.

 

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