“Agora que não se beija mais no mundo, vamos ver a desigualdade de renda desaparecer?” Com essa pergunta, a engenheira química norte-americana Frances Arnold, ganhadora do prêmio Nobel de Química em 2018, entregou no dia 17/9 o prêmio Ig Nobel na categoria Economia ao psicólogo Christopher Watkins, da Universidade Abertay, na Escócia. “Não”, ele respondeu, depois de breve hesitação. Os discursos passam longe da formalidade nessa sátira anual do prêmio Nobel, que propõe selecionar trabalhos que fazem rir, e depois pensar.
O estudo em questão, publicado em abril de 2019 na revista Scientific Reports, encontrou uma correlação intercultural entre a frequência de beijos na boca e a desigualdade de renda, na comparação entre 13 países – o Brasil entre eles. O beijo também seria considerado mais importante em relações mais estabelecidas do que na fase da conquista.
Parece engraçado, mas para os estudiosos da psicologia evolucionista o assunto é sério. Segundo o biólogo brasileiro Marco Antonio Correa Varella, coautor do artigo, não tinha ocorrido a eles como o trabalho soaria improvável para não especialistas. Pesquisador em estágio de pós-doutorado no Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP), ele foi responsável pela coleta de dados no Brasil por meio de um questionário on-line. “Temos apenas correlações”, reconhece. “Mas elas nos ajudam a focar nas próximas pesquisas em quais parâmetros investigar mais profundamente.”
Varella explica que, diante das incertezas do ambiente ancestral em que seres humanos viviam, foi importante do ponto de vista evolutivo promover a estabilidade do casal para melhorar as chances de conseguir criar uma prole tão custosa, que envolve um longo período de intenso cuidado. “Com desigualdade econômica, um componente-chave do relacionamento amoroso fica abalado pelo risco de falta de recursos e decorrente separação. A frequência aumentada de beijos nesse contexto faria sentido ao promover união e sinalizar comprometimento”, detalha. “É inusitado pensar que atos que fazemos sem pensar muito – e quando pensamos tendemos a atribuir apenas a costume, hábito ou convenção social – podem ter raízes mais profundas na evolução e ainda hoje contribuir para a sobrevivência e a reprodução.”
O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, foi premiado na categoria Educação Médica, concedida conjuntamente com outros chefes de Estado “por usar a pandemia viral da Covid-19 para ensinar ao mundo que políticos podem ter um efeito mais imediato sobre a vida e a morte do que cientistas e médicos”. Os demais países contemplados foram Reino Unido, Índia, México, Bielorrússia, Estados Unidos, Turquia, Rússia e Turcomenistão. Os maus exemplos, fica claro, também ensinam.
A bem-humorada cerimônia manteve seus ritos, embora devido à necessidade de distanciamento social tenha sido pela primeira vez realizada inteiramente on-line e não no imponente teatro Sanders, na Universidade Harvard, Estados Unidos. Ganhadores de prêmios Nobel e Ig Nobel participam, muitas vezes fantasiados. Alguns apresentam as palestras 24/7, em que primeiro é preciso fazer uma apresentação técnica completa (e incompreensível para não especialistas) de seu trabalho em 24 segundos, e em seguida explicar em sete palavras de maneira que qualquer pessoa consiga entender. Cientistas também atuam em uma opereta, que neste ano contava a história de uma barata que despertou transformada em pessoa, sátira da criação de Franz Kafka (1883-1924) em A metamorfose.
Outros estudos reconhecidos envolviam fazer crocodilos vocalizarem em uma câmara com ar enriquecido em hélio, sobrancelhas como pista para narcisismo, medir o que acontece com a forma de minhocas vivas quando sujeitas a uma vibração de alta frequência, aracnofobia entre estudiosos de insetos, a comprovação de que facas feitas com fezes humanas congeladas não funcionam. Por incrível que pareça, todas são pesquisas sérias – que divertem e fazem pensar.
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