Um buraco negro com massa equivalente a 36 bilhões de sóis foi descoberto no centro da Ferradura Cósmica, um bonito sistema de três galáxias situado em uma região da constelação boreal de Leão. O objeto astronômico, que está entre os mais pesados buracos negros já identificados, foi reportado em um artigo publicado na revista científica Monthly Notices of the Royal Astronomical Society (MNRAS) em agosto deste ano. “Não era meu objetivo encontrar um buraco negro tão massivo na minha pesquisa”, conta o autor principal do estudo, o físico brasileiro Carlos Melo-Carneiro, que acaba de defender tese de doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Passei três meses achando que tinha cometido um erro.”
O estudo tomou forma definitiva no ano passado, enquanto Melo-Carneiro passava uma temporada na Universidade de Portsmouth, no Reino Unido, com uma bolsa-sanduíche da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), como parte de seu doutorado. Sua ideia original era estudar a história evolutiva e a presença de matéria escura, um tipo de elemento não visível que representa pouco mais de um quarto do Universo, na Ferradura Cósmica. Seu trabalho incluía calcular a massa do buraco negro que deve existir no centro de uma das galáxias que compõem essa formação. O resultado foi uma enorme surpresa. “Sabíamos que existia um buraco negro nesse sistema, mas nossos modelos iniciais indicavam que ele teria no máximo 10 bilhões de massas solares”, diz, em entrevista a Pesquisa FAPESP, o astrofísico britânico Thomas Collett, da universidade britânica, coautor do artigo e coorientador do trabalho do brasileiro.
Devido a uma peculiaridade desse sistema de galáxias, foi possível calcular por dois métodos distintos a massa do buraco negro. Uma das técnicas permite estimar esse parâmetro por meio da medição da velocidade de deslocamento das estrelas nos seus arredores. Quanto mais pesado for o buraco negro, mais rápido essa matéria visível se move. A outra abordagem explora uma singularidade desse sistema de galáxias, cuja imagem visível é distorcida por um fenômeno conhecido como lentes gravitacionais. “Fizemos simulações computacionais e vimos que um buraco de 36 bilhões de massas solares era necessário para reproduzir simultaneamente o efeito de lente gravitacional e o movimento das estrelas nesse sistema”, comenta Melo-Carneiro. A margem de erro da estimativa da massa do buraco negro é cerca de 15%.
“O artigo é muito interessante, especialmente a determinação da massa do buraco negro usando uma mistura de métodos, a dinâmica estelar e as lentes gravitacionais”, comenta o astrofísico Rodrigo Nemmen, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), que não participou do estudo.

NasaA imagem mostra um objeto arredondado de cor vermelho-alaranjado circundado por um anel incompleto em azul e algumas formações borradas, destacadas nos retângulos. O buraco negro fica no centro do objeto alaranjado, que é uma das três galáxias do sistemaNasa
Descoberta em 2007 durante o mapeamento do céu denominado Sloan Digital Sky Survey, a Ferradura Cósmica é um dos mais conhecidos sistemas de galáxias cuja imagem nas frequências da luz visível é distorcida e amplificada pelas lentes gravitacionais. Proposto por Albert Einstein (1879-1955) na teoria da relatividade geral (1915), esse fenômeno decorre da ação da gravidade. Um objeto de enorme massa deforma, ou entorta, a curvatura do espaço e do tempo. A alteração faz com que a luz que passa em torno desse objeto seja distorcida e magnificada, como se tivesse sido ampliada por uma lente.
A imagem do sistema de três galáxias remete a uma ferradura por causa do efeito das lentes gravitacionais. Sem ele, tudo que um observador situado na Terra veria nessa região da constelação de Leão seria um objeto arredondado, de cor vermelho-alaranjado, mas não o aro azulado semifechado (a ferradura) que o circunda. Esse objeto em tom de fogo é uma galáxia do tipo vermelho luminoso e, das três, é a que está mais perto, a cerca de 5 bilhões de anos-luz. “O buraco negro cuja massa estimamos está bem no centro dessa galáxia”, explica a física Cristina Furlanetto, da UFRGS, que também assina o artigo e orientou a tese de doutorado de Melo-Carneiro.
Devido a sua enorme massa, dezenas de vezes maior do que a da Via Láctea, essa galáxia atua como uma lente gravitacional. Ela amplifica e distorce a luz de duas galáxias bem mais distantes que “se escondem atrás dela”, uma a 10,4 bilhões de anos-luz e outra a 11 bilhões de anos-luz. A ferradura azul, um tipo de formação que é denominado tecnicamente como Anel de Einstein, é o resultado do fenômeno das lentes gravitacionais, que distorce e amplia a luz da galáxia mais distante do sistema. A luz da galáxia do meio também sofre esse efeito, mas não gera formações tão bonitas como a do anel. Produz uma imagem borrada perto da galáxia luminosa vermelha e um traço azulado acima da ferradura, que podem ser vistos nos retângulos que destacam detalhes do sistema de galáxias na imagem menor publicada nesta reportagem.
Buracos negros são objetos astronômicos tão densos que, a partir de uma determinada distância de seu centro, tudo, inclusive a luz, é atraído para seu interior por sua enorme forca gravitacional. O entendimento dominante na astrofísica atual é de que a maioria das galáxias, talvez todas, deva ter um buraco negro supermassivo em seu centro. A Via Láctea, por exemplo, tem um buraco negro de cerca de 4,3 milhões de massas solares, denominado Sagittarius A*. A M87, uma das maiores galáxias conhecidas, tem um ainda maior, de 6,5 bilhões de massas solares. O buraco negro da Ferradura Cósmica está dormente. Ou seja, quase não engole a matéria visível que circula ao seu redor. Permanece silencioso a maior parte do tempo. A falta de atividade desse peso-pesado dificulta seu estudo mais a fundo.
Uma questão interessante a ser investigada na Ferradura Cósmica é como ocorreu o processo de evolução da galáxia vermelha luminosa e de seu enorme buraco negro. Eles cresceram de forma integrada ou independente? Surgiram juntos ou se formaram em épocas distintas? Essas são algumas das indagações que novas pesquisas a serem feitas pelo grupo da UFRGS tentarão responder.
A reportagem acima foi publicada com o título “Um peso-pesado galáctico” na edição impressa nº 356, de outubro de 2025.
Artigo científico
MELO-CARNEIRO, C. R. et al. Unveiling a 36 billion solar mass black hole at the centre of the Cosmic Horseshoe gravitational lens. Monthly Notices of the Royal Astronomical Society. 4 ago. 2025.
