Em 16 de dezembro, o Instituto Butantan concluiu a submissão do pedido de registro da Butantan-DV, a candidata brasileira a vacina contra a dengue, à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o órgão responsável por autorizar o registro e o uso de medicamentos e vacinas no país. Se aprovada, a Butantan-DV será o primeiro imunizante contra a dengue a ser administrado em dose única.
A formulação foi testada em um estudo iniciado em 2016 e concluído em junho de 2024. Nele, 16.235 participantes foram acompanhados durante cinco anos. A maior parte dos voluntários (10.259) recebeu a Butantan-DV, enquanto uma substância inócua (placebo) foi administrada aos outros 5.976 participantes.
O candidato nacional a imunizante contra a dengue reduziu em 79,6% o risco de adoecer em consequência da infecção pelo vírus causador da doença, segundo dados publicados no início de 2024 no The New England Journal of Medicine (ver Pesquisa FAPESP nº 324). Passados quase quatro anos da aplicação do imunizante, sua proteção cai um pouco, mas continua elevada: diminuiu, em média, em 67,3% o risco de as pessoas apresentarem sintomas leves, moderados ou graves de dengue, mostrou outro trabalho, publicado em agosto na revista The Lancet Infectious Diseases. O mais importante é que ele baixou em 89% o risco de quem foi imunizado desenvolver dengue grave ou com sinais de alarme, uma vez exposto ao vírus (ver Pesquisa FAPESP nº 343).
O candidato do Butantan a vacina contra a dengue é tetravalente e deve proteger contra os quatro sorotipos do vírus, que é transmitido pela picada do mosquito Aedes aegypti. O imunizante usa uma formulação contendo o vírus atenuado, isto é, que mantém a capacidade de se multiplicar, mas não de causar a doença. A Butantan-DV foi desenvolvida no instituto a partir de um protótipo de vacina criado pela equipe de Stephen Whitehead, dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos, especialista em vacinas contra vírus transmitidos por insetos.
No Laboratório de Doenças Infecciosas dos NIH, Whitehead e colaboradores conseguiram reduzir a capacidade de o vírus da dengue causar doença eliminando um pequeno trecho de seu material genético. Funcionou para os sorotipos 1, 3 e 4, mas não para o 2. Os pesquisadores, então, criaram um vírus híbrido, que contém a parte interna do sorotipo 4 e a externa do 2. Os quatro componentes foram misturados em uma formulação contra a dengue.
Partindo do protótipo vacinal fornecido pelos NIH, a equipe do Butantan conseguiu aumentar a produção do vírus, melhorar sua purificação e liofilizar o composto (transformar em pó, mais estável à temperatura ambiente) sem que perdesse a capacidade de despertar a produção de anticorpos – a versão original tinha de ser mantida a -80 graus Celsius. O desenvolvimento da etapa brasileira, que incluiu a realização dos testes em seres humanos, contou com financiamento da FAPESP, do governo do estado de São Paulo, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Ministério da Saúde.
“Esse é um dos maiores avanços da saúde e da ciência na história do país e uma enorme conquista em nível internacional. Que o Instituto Butantan possa contribuir com a primeira vacina do mundo em dose única contra a dengue mostra que vale a pena investir na pesquisa feita no Brasil e no desenvolvimento interno de imunobiológicos”, afirmou o infectologista e imunologista Esper Kallás, diretor do Instituto Butantan, em um comunicado à imprensa.
A Anvisa avalia a eficácia, a segurança, a qualidade e as condições de fabricação de imunobiológicos que podem futuramente ser comercializados e oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A agência deve analisar a documentação enviada pelo Butantan. Anteriormente, os técnicos da Anvisa inspecionaram e emitiram um certificado de boas práticas de fabricação para a fábrica da Butantan-DV, localizada no Centro Bioindustrial do instituto, na capital paulista. “A expectativa é que a resposta da Anvisa seja célere porque é uma parte menor do processo”, contou Gustavo Mendes, diretor de Assuntos Regulatórios, Qualidade e Ensaios Clínicos do Butantan.
Se o parecer de registro da Anvisa for positivo, o Butantan deverá, então, enviar uma solicitação de aprovação de preço à Câmara de Regulação de Mercado de Medicamentos (CMED), órgão que analisa os custos do desenvolvimento, os benefícios do medicamento e define o preço para o mercado. Após essa avaliação, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) irá estudar a possível incorporação da vacina ao SUS.
Caso o candidato a imunizante seja aprovado pela Anvisa, o instituto afirma ter condições de fornecer cerca de 100 milhões de doses da Butantan-DV ao Ministério da Saúde nos próximos três anos, sendo 1 milhão já em 2025. Pessoas que nunca foram infectadas ou que já tiveram dengue, em princípio, poderão ser imunizadas. O esquema de vacinação deverá ser definido futuramente pelo ministério.
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