Cilindros formados por uma camada enrolada de grafite com apenas um átomo de espessura, os nanotubos de carbono podem ser a matéria-prima para a criação de uma nova geração de componentes eletrônicos mais eficientes. Aparentemente versáteis como nenhuma outra estrutura física, podem atuar como condutor, semicondutor ou isolante elétrico. Para mudar suas propriedades, bastaria alterar a geometria das lâminas atômicas. Parece simples, mas ninguém sabe como nascem e crescem os nanotubos, tampouco como se controla a sua produção.
Na edição de 11 de fevereiro da revista norte-americana Science, uma equipe de pesquisadores dos Estados Unidos, França e Brasil formulou uma teoria para explicar o surgimento de tais estruturas quando criadas pelo método do arco elétrico, o mesmo empregado para produzir os primeiros nanotubos de carbono em 1991. Teoria líquida – e certa, acreditam eles. Em vez de se edificar a partir do carbono gasoso, como até agora se pensava, os nanocilindros de grafite, estruturas sólidas, apesar das dimensões infinitesimais, são filhos de gotas de carbono geradas a temperaturas de alguns milhares de graus Celsius. Pelo menos é o que propõem os autores do artigo científico.
A idéia é controversa, como os próprios pesquisadores admitem. “Não há provas de que o carbono em sua fase líquida exista, embora nós acreditemos que sim”, explica o físico Daniel Ugarte, do Laboratório Nacional de Luz Síncroton (LNLS) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), um dos autores do trabalho (seu colega Jefferson Bettini, do LNLS, também participou do estudo). Como a temperatura de fusão do elemento químico mais abundante na Terra é superior a 4.000°C, alguns cientistas acreditam que o carbono evapora antes de fundir.
De sólido, vira gás sem passar pela fase líquida, num fenômeno chamado sublimação, que acontece à temperatura ambiente com a naftalina colocada no armário. Então os pesquisadores formularam uma teoria para explicar a origem dos nanotubos a partir de uma forma de carbono cuja existência ainda não é totalmente aceita pela comunidade científica? Exatamente. E ainda publicaram o texto que apresenta a estranha tese numa das mais importantes revistas científicas. “Há dois anos, fizemos uma primeira versão do artigo, mas não estava bom. Jogamos o escrito fora e fizemos outro”, diz Ugarte. Apesar de questionável, a nova explicação para a formação dos nanotubos agradou.
A teoria se aplica apenas às fibras de moléculas de carbono produzidas pelo antigo método do arco elétrico, hoje pouco utilizado pelos grupos de pesquisa, que preferem recorrer a técnicas de menor custo para gerar seu material de estudo. Por esse método, os nanotubos surgem, misteriosamente, após a aplicação de uma alta descarga elétrica em eletrodos de grafite, a forma de carbono que recheia os lápis de escrever, mantidos numa atmosfera de hélio, um gás inerte. As hipóteses mais difundidas atribuem o aparecimento dos nanotubos ao rearranjo sólido, na forma de cilindros, de átomos de carbono que se evaporaram ao atingir temperaturas da ordem de 5.000°C. Mas, ao examinar em detalhes os nanotubos gerados em seus experimentos, a equipe de pesquisadores norte-americanos, franceses e brasileiros viu algo que ninguém tinha percebido ou dado importância: imagens de microscopia eletrônica revelaram a ocorrência de esferas sobre alguns nanotubos. Bolhas que lembram as gotas de orvalho que seformam sobre os fios de uma teia de aranha.
Era a pista de que precisavam para formular a sua teoria. “Apenas olhando as gotas percebemos que tinham alguma coisa a ver com líquido”, afirma o físico Walt A. de Heer, do Instituto de Tecnologia da Geórgia, Estados Unidos, principal autor do trabalho. “Então fizemos a seguinte pergunta: se as gotas foram um dia carbono líquido, e os nanotubos aos quais elas estão ligadas também são carbono, por que o carbono líquido não dissolveu o nanotubo? A resposta é que o líquido deve ter sido vidro de carbono a uma temperatura menor do que a do nanotubo.”
Segundo os pesquisadores, a seqüência de eventos que levam ao surgimento dos nanotubos pode ser assim resumida. Primeiro, formam-se as gotas de carbono, resultado da liquefação desse elemento quando submetido a altíssimas temperaturas. Em seguida, devido à evaporação de átomos, a porção mais externa de cada gota se esfria muito rapidamente. Tal resfriamento, violento, cria na superfície da gota um revestimento de um líquido viscoso.
De vidro de carbono. No interior da crosta vítrea, no entanto, ainda há carbono líquido e quente. “O resfriamento da parte interna da gota se dá por condução de calor, num processo mais lento do que a evaporação de átomos da superfície”, explica Ugarte. À medida que a temperatura cai dentro da gota, os nanotubos se cristalizam. Por fim, a gota se parte e os nanotubos atravessam o líquido viscoso que os revestia, restando sobre os nanocilindros porções de esferas vítreas. O resultado final é uma imagem de nanotubos com bolinhas, um cenário semelhante ao de uma teia de aranha pontilhada pelo orvalho.
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