Movimento browniano, fractais e caos têm tudo a ver, embora cada um desses conceitos da física pareça desconectado e de difícil entendimento para leigos. O primeiro conceito vem do início do século XIX. Os fractais só aparecem com esse nome em meados da década de 1970. E a teoria do caos passou a receber atenção maior apenas no final do século XX. “O tempo da ciência não é um tempo com passado, presente e futuro muito bem definidos porque, para que as idéias floresçam, ou assumam um significado, precisam estar num contexto, e este muda, mudando a percepção que temos delas”, disse a pesquisadora Carmen Pimentel Prado, professora do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), durante a palestra “Movimento browniano, caos e fractais”, no dia 22 de novembro. A palestra tentou mostrar que os três conceitos estão ligados, e entendê-los não é tão difícil assim.
Albert Einstein descreveu o movimento browniano em um dos quatro famosos artigos de 1905. Antes dele, outros cientistas já haviam tentado explicar o movimento incessante de partículas em meio líquido (no caso, grãos de pólen), observadas no microscópio pelo botânico escocês Robert Brown em 1827. Quase 80 anos depois, Einstein teve êxito: tratava-se da conseqüência dos choques das moléculas do fluido com as partículas de pólen, uma evidência experimental da existência dos átomos. Mas por que se levou tanto tempo para descrever um simples movimento? “Na mecânica clássica, bem conhecida já, antes de Einstein, o conceito de velocidade instantânea é fundamental para descrever os movimentos”, disse Carmen. “Ocorre que não existe velocidade instantânea no movimento browniano. Não dá para descrever sua trajetória com as técnicas, as teorias e a matemática que fizeram o sucesso da mecânica clássica e que permitiram e permitem até hoje descrever quase todos os outros movimentos a nossa volta, do movimento de um trem à órbita dos planetas, que são contínuos, e tem uma velocidade bem definida.” Einstein, observa a professora, percebeu isso: viu que o conceito- chave para a descrição desse tipo de movimento eram as flutuações da posição e criou uma equação específica para isso, unindo conceitos de estatística com argumentos de mecânica.
A trajetória de um movimento browniano é um exemplo real de um tipo de curva que já tinha sido proposto por matemáticos bem antes de Einstein, uma curva sem tangentes em nenhum ponto (tangente é uma linha reta que toca num único ponto de uma curva). “Ou seja, a trajetória de um movimento browniano é o que hoje chamamos de fractal, algo que se pensava existir apenas na imaginação criativa de alguns matemáticos, mas que para surpresa de muitos está presente na natureza.” O nome fractal só foi criado em 1975 pelo francês Benoît Mandelbrot, para descrever curvas com esse tipo de propriedade. Fractal vem do grego fractus, que significa quebrado, fracionado, representa uma curva contínua, mas inteiramente quebrada. É nada mais do que um objeto geométrico, como um cubo, um cone, um paralelepípedo, um losango, mas com uma dimensão fracionária. Carmen mostrou o que isso significa e como essa dimensão pode ser calculada.
Sistemas dinâmicos
A professora explicou ainda durante a palestra como é gerado o belo conjunto de Mandelbrot, que está ligado tanto com a idéia de fractal como com a arte. “Para fazer essas figuras bonitas, que encontramos hoje aos montes na internet, temos de imaginar cores e pensar não só nas equações, mas nas atividades visuais”, contou. “Os astrônomos fazem isso muitas vezes quando colorem as figuras e imagens interplanetárias e os biólogos também, quando põem corantes diferentes nas células que fotografam.” O conjunto de Mandelbrot é um dos fractais mais famosos e estudados, porque é uma das primeiras obras de arte geradas por computador, e Mandelbrot popularizou várias idéias suas em cima desse conjunto. Esse trabalho do cientista francês contém a idéia central do conceito de fractal, e reflete a dificuldade conceitual que estava por trás da descrição do movimento browniano.
A pesquisadora explicou rapidamente ainda o que a teoria do caos tem a ver com os fractais. “Foram as descobertas da teoria do caos que trouxeram à baila e deram importância ao conceito de fractal de novo, no final do século XX”, disse. Normalmente, usamos a palavra caos como sinônimo de bagunça. Em física, o termo tem um significado bem preciso. Um sistema caótico não é tão desorganizado assim. “Existem várias causas para a imprevisibilidade, caos é o nome de uma delas. Sistemas caóticos são sistemas dinâmicos que têm uma regra de evolução temporal bem definida e ainda assim se tornam imprevisíveis com o tempo.”
Na verdade, foi preciso esperar o final do século XX para que essas relações da matemática e da física, com a arte, viessem à tona, porque muitos desses estudos só podem ser feitos com computador – são inalcançáveis com o cálculo à mão. “Foi preciso o desenvolvimento da computação, de um conjunto de técnicas de simulação, para que fosse possível um acúmulo de dados, de observações, que permitissem desenvolver essas teorias.” Os sistemas caóticos estão relacionados com processos não-lineares. Muitos desses processos já haviam sido objetos de pesquisa, por exemplo, de economistas, de biólogos e de várias outras áreas diferentes da física. “A física talvez tenha sido a última área da ciência a realmente se debruçar sobre o problema do caos, da irregularidade e não-linearidade das coisas”, observou Carmen. “Existe uma forma de representar todos os movimentos em um diagrama, e quando um movimento caótico é representado dessa forma a figura que se forma é um fractal.”
Movimento browniano, caos e fractais
Carmen Pimentel Cintra do Prado, física e professora associada do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP)