Quando começaram os grandes projetos de sequenciamento do genoma humano, no final do século passado, pensava-se que as diferenças na composição genética de pessoas distintas seriam mínimas e estariam concentradas nos genes. A partir da combinação de amostras de alguns indivíduos, sem preocupação quanto à diversidade populacional, uma das metas era obter um genoma-padrão, de referência, para a humanidade.
No meio do caminho, um resultado inesperado foi a descoberta de que os seres humanos têm muito menos genes do que se pensava. Trechos do genoma responsáveis pela ativação dos genes que codificam proteínas ganharam relevância, e ficou claro que mesmo o DNA não codificante exerce funções importantes.
Avanços tecnológicos permitiram identificar milhões de pequenas alterações no genoma – os SNP, errinhos de digitação que ocorrem quando um dos nucleotídeos (A, T, C ou G) do DNA de uma pessoa troca de lugar. Conforme sua localização, essas variações podem alterar a forma e a função das proteínas ou o padrão de ativação e desativação dos genes que as codificam. Elas podem ser compartilhadas por populações e ter consequências para a saúde, como a propensão a desenvolver tal ou qual doença e a forma como o organismo reage a uma medicação.
Compreender melhor a diversidade genética dos brasileiros significa não apenas olhar para a história da formação do país pelo prisma da ancestralidade da população, uma mistura indígena, europeia e africana. Permite o avanço nacional na medicina de precisão, ao identificar as variantes associadas a doenças mais comuns nas diferentes regiões do país ou em grupos populacionais. Com esse objetivo, foi lançado em 2019 o Programa Nacional de Genômica e Saúde de Precisão – Genomas Brasil, do Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde.
Esse é o contexto de estudo publicado na Science que aprofundou o retrato do brasileiro ao sequenciar o material genético de 2,7 mil pessoas de todas as regiões do país. O artigo científico repercutiu na imprensa, mas o tema merece uma cobertura mais aprofundada. Maria Guimarães, editora de Ciências Biológicas, conduz os leitores pelo caminho trilhado para o entendimento da relevância da diversidade genética e, especificamente, pelas etapas percorridas para montar o retrato genômico da população brasileira e tornar viável sua aplicação no sistema nacional de saúde.
Nesse tema, cabe registrar o pioneirismo do geneticista Sergio Danilo Pena no estudo das origens genéticas do povo brasileiro. Quando procurado, declinou comentar o artigo para a nossa reportagem, dizendo que o trabalho falaria por si só. Vale conferir a entrevista que nos concedeu em 2021 (ver Pesquisa FAPESP nº 306).
Para ilustrar a reportagem e a capa, mergulhamos no arquivo do fotógrafo paraense Luiz Braga. Sua exposição Arquipélago imaginário, em cartaz no Instituto Moreira Salles Paulista, traz uma “cartografia de vidas”, nas palavras de Braga, que traduz em imagens a miscigenação mapeada dentro das células dos brasileiros.
A diversidade (de temas) é marca desta revista, e esta edição não se esgota no genoma humano. No cultivo da mandioca, a importância de práticas indígenas específicas para a manutenção das variedades genéticas e a segurança alimentar; um choque ancestral que teria feito o planeta Mercúrio se configurar com um núcleo proporcionalmente bem maior que o da Terra; e o depoimento de um cientista da computação que se descobriu autista aos 54 anos são alguns dos destaques possíveis, a depender do olhar do leitor. Fecho com a antropologia dos quintais, esses espaços mágicos e tão particulares.
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