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ENTREVISTA

Celso Grebogi: Domador do caos

Físico curitibano cria estratégias para intervir em sistemas complexos como o clima e as redes ecológicas

Adriana Meneguzzo Scaglioni

Quando era criança, Celso Grebogi acordava às 5h, ajudava o pai a distribuir os pães na região sul de Curitiba e depois ia à escola. Mais tarde, fez um curso técnico no ensino médio, graduou-se em engenharia química, saiu da capital paranaense para fazer mestrado no Rio de Janeiro e viveu 27 anos nos Estados Unidos. Em 1981, contratado como professor pela Universidade de Maryland, começou a estudar uma área nascente, a dos sistemas não lineares – as estruturas matemáticas que apresentam vários caminhos e múltiplos cenários finais, definidos a partir das condições iniciais –, que incluem a teoria do caos, na qual ele conquistou reconhecimento internacional.

Em março de 1990, Grebogi e outros dois professores de Maryland, Edward Ott e James Yorke, apresentaram o método OGY (o nome deriva das iniciais dos sobrenomes) na revista científica Physical Review Letters. Trata-se de estratégias para controlar, ainda que parcialmente, os sistemas caóticos, depois verificadas experimentalmente e usadas em telecomunicações e previsões climáticas (ver Pesquisa FAPESP nos 65 e 107).

Idade 75 anos
Instituição
Universidade de Aberdeen, Escócia
Especialidade
Física de plasmas, sistemas complexos e teoria do caos
Formação
Graduação em engenharia química pela UFPR (1970), mestrado em física pela PUC-RJ e pela Universidade de Maryland, Estados Unidos (1975), doutorado em física pela Universidade de Maryland (1978)

Diretor do Instituto de Sistemas Complexos e Biologia Matemática do King’s College da Universidade de Aberdeen, na Escócia, e professor visitante em duas universidades da China, ambas em Xi’an, com 431 artigos científicos publicados, ele trabalha atualmente com redes ecológicas, prevendo o efeito de migrações de populações de animais, e com a interação entre o cérebro e o computador. Casado com uma paulistana formada em artes, Adriana Meneguzzo Scaglioni, com quem tem um filho, Mateus, de 22 anos, Grebogi concedeu esta entrevista por plataforma de vídeo no início de janeiro de sua casa, em Aberdeen.

Em 2001, você veio dos Estados Unidos, ficou quatro anos na Universidade de São Paulo [USP] e foi para a Escócia. Não conseguia se aquietar?
Saí dos Estados Unidos em 2001, um ano depois de meu filho nascer. Eu não queria que ele fosse educado lá, mas voltamos para o Brasil por outra razão. Vim de uma família extremamente pobre e consegui fazer tudo por causa do Brasil. Não paguei universidade, estudei na PUC-RJ [Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro] com bolsa do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] e queria dar minha contribuição ao país. Dei aula para turmas grandes, de 900 estudantes, na Escola Politécnica da USP, e no Instituto de Física da USP para turmas de 150 a 200 estudantes. Mas as coisas ficaram complicadas naquele momento na universidade. Estava muito difícil trabalhar. Sempre havia protestos, alto-falantes e pessoal reivindicando aumento de salário. Eles fechavam os prédios e eu não podia ir a minha sala. Foi desagradável. Até que recebi um convite do vice-chanceler da Universidade de Aberdeen para ir para a Escócia. Eu estava escrevendo o e-mail: “Eu não quero sair do Brasil, vim aqui para ficar”, quando minha mulher, Adriana, disse: “Celso, você não está feliz, não quer dar uma olhada na proposta?”. Olhei e aceitei. Foi tudo muito rápido. Vim para a Escócia em 8 de junho de 2005 e acertei tudo. Voltei ao Brasil, saí da USP e nos mudamos. Comecei aqui em 31 de julho. Só algum tempo depois retornamos a São Paulo para vender o apartamento. Aceitei uma posição importante, a cadeira de sexto século. Sexto século por causa da idade da universidade, criada em 1495. É uma das mais antigas da Escócia. A mais antiga é St. Andrews, de 1413, a cerca de 150 quilômetros daqui.

Conseguiu fazer o que queria em Aberdeen?
Como fundador e diretor do Instituto de Sistemas Complexos e Biologia Matemática, empreguei, com o apoio da administração, 14 professores em vários níveis e trouxe pesquisadores visitantes, estudantes de pós-graduação e estagiários de pós-doutorado. O instituto funciona em média com 40 a 50 pessoas. Fico mais na administração e deixo o pessoal livre, mas, em reuniões semanais, acompanho o que fazem e ajudo no que posso. Passo a maior parte do tempo me dedicando a minhas pesquisas. Como eu já havia dado aula por 40 anos, quando vim para cá, pedi, como parte do contrato, que eu não precisasse ministrar aula ou cuidar dos cursos. Minha participação no ensino é a interação com os estudantes de pós-graduação e em estágio de pós-doutorado e com os colegas. Já produzimos bastante.

Queremos entender fenômenos naturais, fazer previsões e melhorar o nível de vida da população

Que trabalhos destacaria?
Um deles, muito interessante, trata do controle de produção de proteínas nas células. As proteínas são produzidas a partir da informação contida no DNA, armazenado no núcleo das células. Uma molécula chamada RNA mensageiro copia o trecho do DNA que codifica uma determinada proteína e leva essa cópia até a periferia da célula, onde a informação é lida por uma estrutura chamada ribossomo, que une os aminoácidos e forma a proteína. Quem traz os aminoácidos até o ribossomo é outra molécula, o RNA transportador. Cada aminoácido é codificado por uma sequência de três letras [bases nitrogenadas] do RNA mensageiro. Esses trios de bases nitrogenadas formam 64 combinações possíveis, mas apenas 20 aminoácidos entram na composição das proteínas. Isso significa que algumas combinações são como sinônimos e representam um mesmo aminoácido. Como a quantidade de alguns tipos de RNA transportador é muito baixa, o ribossomo tem de ficar esperando. Nesse projeto, olhamos para a parte matemática do problema e procuramos melhorar. Mostramos que é possível substituir alguns trios por outros, que são sinônimos e funcionam mais rápido. Assim, aumentamos a produção de proteínas, inclusive com impacto na indústria. A base desse trabalho é matemática, vimos teoricamente o congestionamento de aminoácidos no ribossomo, e os biólogos daqui fizeram os experimentos. Depois fomos além. Licenciamos essa tecnologia, porque as empresas precisam acelerar a produção rápida de proteínas, usadas, por exemplo, em diagnóstico de doenças. Esse trabalho foi feito há uns 10 anos e até hoje recebemos royalties para continuar pesquisas nesse tópico.

Como é o trabalho entre especialistas de áreas diferentes?
A interação entre áreas diferentes é fundamental para fazer bons trabalhos. Não podemos pensar a ciência do século XXI sem interdisciplinaridade. Aplicamos conceitos da matemática para fazer uma biologia teórica, porque até recentemente a biologia era totalmente empírica. Queremos entender fenômenos naturais, fazer previsões de experimentos e melhorar o nível de vida da população. Os biólogos estavam na entrevista inicial que fiz com o vice-chanceler, fizeram perguntas específicas e mostraram grande interesse em trabalhar com matemáticos e físicos. Eu nunca tinha trabalhado com biologia, mas imediatamente comecei a ir a seminários e conferências no Instituto de Ciência Médica e logo bolamos projetos de pesquisa conjuntos. Com um amigo matemático do Imperial College London, envolvendo biólogos também, conseguimos um financiamento de £ 4,6 milhões [aproximadamente R$ 29,5 milhões] do Conselho de Pesquisa em Biotecnologia e Ciências Biológicas [BBSRC] propondo novas abordagens para entender os mecanismos de adaptação e de patogenicidade de Candida albicans e C. glabrata, duas espécies de fungo que vivem no organismo humano e normalmente são detidas pelo sistema de defesa, mas, às vezes, causam doenças. Nesse e em outros projetos, olhamos para os dados, tentamos fazer um modelo matemático e o aplicamos. Se não dá certo, corrigimos ou jogamos fora e tentamos de novo. Quando funciona, as equações fazem previsões dos resultados de experimentos dos biólogos e ajudam a melhorar os modelos.

Que fenômenos biológicos podem ser convertidos em equações ou modelos matemáticos?
Depende, há vários níveis e sistemas. Podemos simplificar bastante, por exemplo, o funcionamento do coração, vendo os sinais elétricos cardíacos e manipulá-los com pequenas perturbações. O do cérebro também, até certo ponto. Em uma cirurgia de uma criança com epilepsia, é possível manipular o funcionamento do cérebro com implantes que corrijam o que não está adequado. Mas não dá para modelar as interações entre as biomoléculas nas células ou as redes de neurônios entre os dois hemisférios cerebrais. Temos de pegar um nível de interação e ver o que pode ser feito. Fiz um trabalho com uma jovem chinesa maravilhosa, Lin Gao, sobre o efeito do álcool durante a gravidez. Avaliamos a conectividade entre os neurônios em 19 adolescentes com exposição pré-natal ao álcool e 21 adolescentes saudáveis, como grupo de controle. Em um artigo de 2019 na revista Chaos, mostramos que as crianças expostas ao álcool no período pré-natal correm o risco de desenvolver transtorno fetal do espectro alcoólico (Fasd), caracterizado por falhas na conectividade entre os hemisférios cerebrais, o que pode levar a déficits em funções cognitivas. Essa estudante fez o trabalho de campo nos Estados Unidos, com jovens de 15 anos, ficou aqui seis meses e depois outros três. Desenvolvemos uma técnica que reproduz a comunicação entre os neurônios cerebrais e vimos que qualquer nível de álcool, mesmo baixo, como o ingerido no consumo casual, uma vez por semana, pode causar uma perturbação tremenda nas redes entre as partes do cérebro. Vimos também a direção da informação, de onde vem e para onde vai. Com o auxílio de um biólogo que entrou no grupo, essa técnica resultou em um possível medicamento contra a demência, desenvolvido aqui em Aberdeen, que está sendo testado na Europa, nos Estados Unidos e na Ásia.

Celso GrebogiImagem gerada em 1995 a partir de equação de controle do caos desenvolvida por Grebogi e colaboradoresCelso Grebogi

Com esses trabalhos, você e seu grupo estão mostrando claramente que é possível aplicar os conceitos de sistemas complexos, que era um objetivo seu anunciado há muitos anos.
Sim, mas, em um sistema não linear, é praticamente impossível obter funções matemáticas fechadas, que deem conta de todos os fenômenos, porque há muitas partes. Desde os anos 1970 há duas técnicas básicas para descobrir as equações que regem as unidades de sistemas não lineares, uma em que os modelos matemáticos geram os dados e outra, no caminho inverso, em que os dados geram os modelos. Eu e meu ex-estudante, de um dos principais grupos de física dos Estados Unidos, apresentamos em 2011 na Physical Review X novos usos para uma técnica chamada compressive sensing (detecção compressiva), em que se usa um conjunto de dados para obter a imagem completa de um fenômeno. Um exemplo simples: em um exame de ressonância magnética, a pessoa fica em média 30 minutos imóvel, dentro do aparelho, porque o sistema gera imagens com 1 ou 2 milhões de pixels que são transmitidos para o computador. É isso que demora. Usando o compressive sensing, mostramos que se pode enviar só alguns poucos pixels e obter uma construção perfeita da imagem.

Vocês criaram um filtro de informação?
Não um filtro, mas um mecanismo de seleção aleatória de informações, que já é o suficiente para obter as equações de sistemas complexos, em forma de funções, e chegar ao resultado desejado. Por exemplo, se quero determinar a rede de amizades dos estudantes na sala de aula, posso escolher qualquer pessoa. Uma tem um amigo, outra pode ter cinco, outra sete, não mais que isso. Em uma sala com 100 estudantes, posso determinar exatamente a rede de amizades entrevistando 60 deles. Não é preciso examinar tudo. Há um problema antigo da matemática: como encontrar uma moeda falsa entre 12 moedas? Todas são iguais, mas a falsa é mais pesada ou mais leve que as outras. Quantas pesagens tenho de fazer para encontrar a falsa? Já que a moeda falsa é escassa, apenas 1 em 12, não preciso fazer 12 pesagens, mas apenas três, com grupos de três moedas, e ver se o peso total ficou maior ou menor. Também fizemos experimentos para validar o compressive sensing. O meu amigo chinês da Universidade Estadual do Arizona, Ying-Cheng Lai, fez um teste para ver a rede de amizades entre 22 estudantes. Com 12 dados já se pôde estabelecer a rede de amizade entre eles. Incrível.

O que tem feito na China?
Nos últimos anos passei seis meses por ano na China, interagindo com as principais universidades de lá, fundando departamentos de física. Lá é muito fácil trabalhar em áreas interdisciplinares, como nos Estados Unidos e no Reino Unido. Toda a minha pesquisa na China é aberta e o pessoal é bom, extremamente treinado, com uma disciplina incrível. Lá nunca sei quando é sábado, domingo ou segunda, porque o trabalho é igual todo dia. Um dos lugares em que às vezes passo algum tempo, Xi’an, se tornou uma referência no uso da teoria do caos na comunicação de uma maneira sofisticada. Codificamos uma trajetória contendo a mensagem a ser transmitida usando perturbações pequenas no sistema caótico. Tenho trabalhado bastante em dispositivos para a comunicação entre cérebro e computador, codificando as trajetórias vindas da cabeça. Fizemos até um show de televisão lá. Colocamos estudantes em cadeiras de rodas, eles olhavam para uma tela à frente deles e controlavam os movimentos da cadeira de rodas só usando a mente, nada mais. Transferir os dados da cabeça para o computador, a chamada interface cérebro-máquina, é bem complicado.

Com uma pequena perturbação, podemos alterar o sistema caótico para se comportar como queremos

Você começou na engenharia química e migrou para a física, matemática e biologia. O que motivou as mudanças de área?
Eu falo para o meu filho, Mateus: “Não se preocupe, se precisar mudar de área, mude”. Ele está se formando agora em química e biologia na Universidade de St. Andrews, a cerca de 150 quilômetros daqui, e indo para medicina. Fiz engenharia química porque os melhores professores daquela época na Universidade Federal do Paraná [UFPR] estavam nesse curso. Os três primeiros anos foram extremamente bons, mas o quarto e o quinto, não. Me aproximei do Instituto de Física, especialmente de um professor chamado Hugo Frederico Kremer [1929-1969], que estava criando a pós-graduação no Paraná. Mas ele foi assassinado na própria faculdade por outro professor e perdi a vontade de ficar por lá. Kremer já tinha sugerido que eu fizesse o mestrado na PUC-RJ, que tinha professores muito bons naquela época. Minha ideia era estudar relatividade, que eu já tinha começado a ver com Kremer. Fiquei três anos dando seminários, assistindo a aulas e entendendo relatividade. Mas na PUC-RJ as coisas não iam para a frente, muitos professores já tinham saído e um colega brilhante começou a beber e acabou morrendo. Um dia um professor me disse: “Você nunca vai ter chance de sair do Brasil, porque você precisa fazer um mestrado na PUC”. E o mestrado da PUC não ia para frente. Me rebelei, fui para o consulado dos Estados Unidos em Curitiba e o vice-cônsul me deu uma bolsa para estudar em Maryland. Foi uma decisão pessoal dele, e também me deu a passagem de ida pela Pan Am [empresa aérea internacional fechada em 1991].

Os anos na PUC foram perdidos?
Não, porque não precisei fazer todos os cursos em Maryland. Estudei relatividade com Charles Misner, que hoje está com 90 anos. Terminei o mestrado em um ano e em 1976 ele me chamou: “Quais são seus planos?”. Eu disse que queria continuar com o doutorado, iniciado no ano anterior, e voltar para o Brasil. Ele disse: “Volte, sim, porque a relatividade é um conceito importante e só vou orientar estrangeiros que voltem para seus países”. Mas no doutorado mudei para física de plasma, com um físico recém-chegado de Princeton, muito bom, Chuan Sheng Liu. Em 1978 fui para um pós-doutorado na Universidade da Califórnia em Berkeley e comecei a aprender outras coisas. Passava a maior parte do tempo no Departamento de Matemática em aulas e seminários sobre sistemas dinâmicos e teoria do caos. Aí voltei como professor para Maryland, onde fiquei de 1981 a 2001.

Foi nessa volta que começou a se dedicar à teoria do caos?
Exatamente. Quando comecei, era uma área ainda nova, em que havia muitas diferenças de terminologia. O pessoal da aplicação tinha se envolvido com a dinâmica não linear, que inclui a teoria do caos, e estava descobrindo novos fenômenos e aplicações. Em Maryland tínhamos uma vantagem que os matemáticos não tinham: podíamos fazer conjecturas [ideias ou fórmulas baseadas em fundamentos não verificados empiricamente] e ir adiante. Freeman Dyson [1923-2020], um físico inglês que conheci pessoalmente na Royal Society em Londres, escreveu corretamente que o caos não pode ser controlado, porque uma pequena perturbação pode ter efeitos sobre toda a estrutura caótica. Ele estava correto. Mas mostramos que, com uma pequena perturbação, podemos alterar o sistema caótico para a trajetória se comportar de uma maneira que queremos.

É esse o método OGY?
Sim. Ele foi uma maneira de mostrar que o caos poderia ser alterado, com pequenas perturbações, que teve consequências na teoria de comunicações e em outras áreas. Logo depois de nosso artigo apresentando essa abordagem, publicado na Physical Review Letters em 1990, o grupo do Antônio Azevedo da Costa e Sérgio Rezende, na Universidade Federal de Pernambuco, mostrou isso experimentalmente. Eles submeteram uma amostra de lítio e ferro a um campo magnético e alinharam os spins [propriedade de um elétron, que define sua interação com o campo magnético]. Usando uma frequência de micro-ondas, formaram ondas de spins e as perturbaram, para controlar o comportamento das ondas, de acordo com uma das estratégias que havíamos sugerido. Foi a primeira verificação experimental do controle de caos. Depois uma equipe da Universidade da Califórnia em Los Angeles aplicou essa estratégia para controlar os ritmos do coração e do cérebro, no Hospital da Criança, em Washington. O caos é comum na natureza. Nesses casos, como são sistemas altamente dissipativos [com perda ou transformação de energia], com pequenas perturbações pode-se levar o coração e o cérebro a estados diferentes, porque o sistema caótico acessa diferentes estados periódicos o tempo todo. Mostramos que é possível escolher um dos estados periódicos e, com uma pequena perturbação, fazer com que, assintoticamente [de modo bastante aproximado], o estado caótico se transforme em periódico. Mas em sistemas de dimensão mais alta, como redes complexas, o negócio é complicado.

Minha mãe era enfermeira e tinha como objetivo de vida dar educação para mim e meus três irmãos

Os conceitos básicos sobre o controle do caos que você criou com seus colegas ainda são usados?
São usados, sim. Um deles, o de limites da bacia fractal [separação de duas ou mais orientações em um sistema caótico], serve para estudar o aquecimento global, porque as mudanças ambientais e climáticas dependem de vários fatores. Uma paisagem pode sofrer uma mudança de estado, por exemplo, com pequenas alterações. Hoje, 50% do espaço ecológico terrestre já sofreu mudanças irreversíveis, por causa da fragmentação das florestas, do desenvolvimento urbano etc. Em 2040, a Terra estará se aproximando da mudança do estado planetário. Posso descrever esses fenômenos de duas maneiras. Olhando a função resiliência, que leva a uma bifurcação, com dois estados, o de sobrevivência de um lado e o de extinção de outro. Ou olhando a sobrevivência, também com uma bifurcação, com uma possibilidade de recuar e outra para avançar. Podemos já estar em um momento de crise, um dos conceitos formulados em Maryland. Já passamos do ponto de não retorno e estamos esperando o colapso ocorrer, mesmo sem nenhuma deterioração ambiental extra. Existe a situação sustentável e, depois, um momento de espera, dado por uma expressão exponencial, a equação de transformação de Lorentz [que, criada pelo físico holandês Hendrik Lorentz, 1853-1928, descreve as diferenças dos valores de tempo, distância e ordem de eventos observados por duas pessoas que se movem com velocidades diferentes]. Para voltar à situação anterior à bifurcação, temos de trabalhar arduamente. As abelhas silvestres, que funcionam como polinizadoras de culturas agrícolas, estão desaparecendo por causa de doenças, da destruição de seus hábitats ou do aquecimento global. Esse é um problema extremamente sério, porque, se as abelhas desaparecerem, a humanidade terá, teoricamente, apenas mais quatro anos para viver. Existe uma interação mutualística, em que o polinizador se beneficia das plantas e as plantas do polinizador, e uma discriminação, porque cada polinizador não poliniza todas as plantas e uma planta não dá comida para todos os polinizadores. Então, se perde um dos polinizadores, pode-se perder também as plantas associadas a ele e vice-versa. Podemos demonstrar essa situação em dados, o estado de sobrevivência no hábitat, o tipping point, a extinção ou a recuperação mutualística.

Quais são agora suas prioridades de pesquisa?
As redes ecológicas. Estou vendo as interações entre hábitats, os efeitos de migrações e os pontos de inflexão, de grandes mudanças. Por exemplo, se algumas espécies estão desaparecendo de um lugar e migrando para outro, a migração talvez crie relações mutualísticas com as plantas do novo lugar, permitindo a recuperação da vegetação. Estou também trabalhando com a interface entre o computador e outros dispositivos, para detectar, por exemplo, os estágios do sono ou do cansaço quando se dirige. Com um grupo do Arizona, estamos usando o que se chama computação de reservatório. É uma rede de neurônios, que pode aprender ou evoluir, à medida que a alimentamos com dados. Como podem aparecer erros, tenho de provar que o comportamento da rede é verdadeiro, para que possamos fazer previsões.

Você ainda vai para Curitiba?
Bastante. Fui rapidamente duas vezes em 2022, quando dois primos faleceram devido à pandemia. Tenho irmãos lá. Minha mãe morreu em 2012, meu pai em 1997. Quando era criança, a gente morava em uma casa de madeira longe de Curitiba, perto de uma estradinha de barro. Quando fiz 7 anos, me lembro como se fosse hoje, meu pai me disse: “Agora você já pode trabalhar”. Ele trabalhava à noite na padaria. Eu e meus irmãos nos levantávamos às 5h13, tomávamos um café com açúcar que ele preparava e saíamos às 5h30 para ajudar a distribuir o pão na região sul de Curitiba. Às 7h30 ele nos colocava no ônibus para irmos à escola. Quando completei 14 anos, terminei o ginásio e ele me disse: “Agora não precisa estudar mais”. Mas minha mãe nos apoiava, porque o pai dela, Jarek Chruściel, havia crescido em uma mansão em um vilarejo na Polônia e teve educação formal. Ele era primo de Antoni (Chruściel), o comandante do levante polonês contra os alemães em 1944. Os russos prometeram apoiar os poloneses, mas ficaram estacionados do outro lado do rio Vístula, resultando no massacre de mais de 30 mil poloneses envolvidos no levante e na total destruição de Varsóvia. Foi Jarek que veio para uma colônia de poloneses no Rio Grande do Sul. Minha mãe trabalhava duro, plantava, cuidava dos porcos e das vacas, mandava o leite para vender, fazia nossas roupas, tudo. Ela era enfermeira de cirurgias na Santa Casa de Curitiba antes de se casar, admirava os médicos e tinha como objetivo de vida dar educação para mim e meus três irmãos. Por causa dela é que fiz o científico, um curso técnico, nunca estudei biologia e cheguei até aqui.

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