Fechar esta edição de Pesquisa FAPESP na situação, para nós inédita, de ter uma Copa do Mundo acontecendo em casa teve qualquer coisa de insólito. Envolveu, por exemplo, o desafio de manter um grau de disciplina bem acima do usual para conseguir obedecer à dinâmica e aos prazos de produção da revista, em meio às fortes paixões despertadas pelos jogos do Brasil e ao genuíno interesse pelo futebol que outras grandes ou surpreendentes seleções mostrariam. E envolveu, certamente, uma capacidade íntima de resistência para não sermos arrastados pelo espírito geral de férias, pelo clima justificado de festa prolongada, que se espraiou pelo país desde 12 de junho, consciência sobre o lado negócios e eventuais sombras que a Copa embute à parte.
Por exemplo, no sofrido jogo do Brasil contra o México, em 17 de junho, havia que trabalhar antes dele segurando a ansiedade, e trabalhar, em seguida, contendo alguma frustração pelo empate, depois de torcer ardorosamente, olhos grudados num televisor de 42 polegadas posto estrategicamente na redação, por gols que não vieram para dissolver tamanha tensão. Foi um pouco melhor seguir trabalhando depois da vitória por quatro gols contra o time de Camarões, em 23 de junho. Mas bom mesmo nos pareceria poder sair imediatamente para comemorar e extravasar a alegria sentida. Vê-se, por esse relato, que a equipe de Pesquisa FAPESP, com raríssimas exceções, é formada por fanáticos torcedores e fanáticas torcedoras de futebol, se não sempre, pelo menos de quatro em quatro anos, nas copas. Daí por que, na reta final do fechamento da edição, vem-me a sensação de que trabalharemos depois de 13 de julho, por algum tempo, com uma estranha sensação de vazio no cotidiano da redação. Depois, a dinâmica dos dias e a plasticidade do cérebro farão seu trabalho de nos restituir a uma normalidade que não entretece jogos de futebol com entrevistas, textos, títulos, imagens, infográficos e manchas de páginas de revista.
O cérebro, a propósito, era mesmo o meu desejado ponto de chegada nesta carta – a Copa era um inescapável começo de conversa –, em função da reportagem de capa desta edição, elaborada por nosso editor de ciência, Ricardo Zorzetto. Trata-se do relato sobre o desenvolvimento de um equipamento por uma equipe de quase 40 pessoas, liderada pelo infatigável físico Sérgio Mascarenhas, 86 anos, que promete um caminho eficiente e não invasivo para o monitoramento dinâmico da pressão intracraniana e, com ele, talvez a abertura de uma via larga para a compreensão e o controle de condições patológicas que guardam aparentemente relação estreita com as variações dessa pressão.
Na linha de frente dessas condições, os pesquisadores veem a pré-eclâmpsia, que atinge aproximadamente 10% dos 3 milhões de mulheres que engravidam no Brasil a cada ano e que ameaça tanto sua vida quanto a dos fetos que elas estão gestando. Mas registre-se que a pressão intracraniana é um parâmetro extremamente importante a ser considerado quando a pessoa sofre um trauma na cabeça ou apresenta outros problemas no sistema nervoso central, derivados, por exemplo, de um tumor ou de um AVC. E poder medi-la sem invasão, com a mesma facilidade com que se mede hoje a pressão arterial, é um sonho com que o sensor de pressão intracraniana, desenvolvido em São Carlos, acena. Vale muito a pena conferir os detalhes a partir da página 16, saber quantas instituições estão envolvidas nessa pesquisa e conhecer um pouco da motivação pessoal de Sérgio Mascarenhas para desenvolver o equipamento.
Gostaria de destacar aqui várias outras reportagens, mas, dado o pequeno espaço que resta, vou me concentrar na recomendação à notável entrevista de Demi Getschko, elaborada por nosso editor de tecnologia, Marcos de Oliveira. Através da fala desse brilhante e amável engenheiro elétrico formado pela Escola Politécnica da USP, que se tornou o primeiro brasileiro a ter o nome incluído no Hall da Fama da Internet, é a própria história da montagem da rede mundial de computadores em nosso país, para a qual ele contribuiu muito desde os seus primórdios, que podemos acompanhar. É imperdível.
Boa leitura!
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