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Comunicação científica

Ciência a distância

Cancelamento de conferências científicas por causa da Covid-19 faz pesquisadores recorrerem a plataformas digitais para encontros virtuais

A primeira reunião internacional sobre lixo marinho e microplásticos aconteceu em 2018 no Quênia; a quarta edição, marcada para maio no Peru, foi cancelada

Photo by IISD/ENB (enb.iisd.org)

Conferências científicas fazem parte do calendário dos pesquisadores, mas em 2020 tudo será diferente. A restrição à circulação de pessoas, uma das estratégias usadas para conter a disseminação do novo coronavírus (Sars-CoV-2), levou ao cancelamento de numerosas reuniões científicas programadas para este ano. Outras foram adiadas e ainda não têm novas datas definidas.

Foi cancelada, por exemplo, a quarta reunião internacional sobre lixo marinho e microplásticos, organizada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e programada para ocorrer entre os dias 4 e 8 de maio em Lima, no Peru. “Eu participaria do encontro como membro da delegação brasileira indicada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações [MCTIC]”, conta o biólogo Alexander Turra, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP). Outro evento importante de que Turra participaria, suspenso devido à escalada dos casos de Covid-19, foi a reunião global de planejamento para a Década da Ciência Oceânica das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável. O encontro seria realizado entre os dias 18 e 20 de março, em Paris, França.

O cancelamento, ou o adiamento, de encontros científicos tem como objetivo diminuir o risco de contaminação pelo novo coronavírus. Como se trata de conferências internacionais, reunindo pesquisadores e tomadores de decisão de todos os cantos do mundo, a dinâmica de transmissão do vírus entre os participantes poderia ser desastrosa do ponto de vista sanitário e epidemiológico, resultando no aumento global do número de casos.

É difícil estimar a extensão dos impactos que essa onda de adiamento e cancelamentos pode ter na dinâmica de produção e comunicação do conhecimento científico. Em geral, esses eventos são fóruns importantes de discussão de novos conhecimentos e lugar para conhecer pesquisadores de diferentes origens, além de pavimentar novas colaborações e permitir a tomada de decisão sobre problemas que afligem a humanidade. Nesse sentido, uma das preocupações é que esse movimento seja particularmente prejudicial para os estudantes e pesquisadores em início de carreira, que costumam usar as reuniões para prospectar oportunidades de emprego em laboratórios de pesquisadores sêniores ou para divulgar seus trabalhos de pesquisa.

O efeito do cancelamento de conferências científicas se soma, em muitos casos, à suspensão de atividades de pesquisa, o que pode gerar um intervalo preocupante na geração de dados científicos. “Eu deveria estar na Espanha esta semana”, diz a bioquímica Alicia Kowaltowski, do Instituto de Química da USP, referindo-se à sua bolsa de pesquisa sobre o efeito do excesso de lipídeos nas mitocôndrias do fígado, concedida pelo Programa Erasmus Mundus, financiado pela União Europeia. “Mas minha temporada de pesquisa na Universidade de Barcelona foi adiada para 2021 por conta da pandemia de Covid-19.”

Reprodução Apresentação da física Laura Cadonati, do Instituto de Tecnologia da Geórgia, transmitida virtualmente aos participantes da reunião anual da APS no dia 20 de abrilReprodução

Alternativas digitais
Para mitigar os efeitos da pandemia nas conferências científicas, organizadores e pesquisadores buscam alternativas. Uma das estratégias envolve o uso de plataformas digitais para realizar encontros virtuais. A ideia é promover sessões pela internet com cientistas de vários países e permitir que eles possam compartilhar seus trabalhos—muitos dos quais resultados de parcerias estabelecidas em conferências anteriores.

A Sociedade Americana de Física (APS) é uma das que aderiram a essas plataformas. Sua reunião anual será realizada virtualmente entre os dias 18 e 21 de abril. “O encontro contará com sessões plenárias transmitidas ao vivo e mais de 150 sessões e eventos, também ao vivo, além de apresentação de pôsteres e palestras pré-gravadas. Esperamos reunir mais de 2.500 participantes”, disse a Pesquisa FAPESP David Barnstone, gerente de Comunicação Científica da APS.

O encontro é um dos mais importantes e tradicionais do calendário científico mundial, com palestras e apresentações sobre todos os campos da física, e estava programado para acontecer entre os dias 2 e 6 de março, na cidade de Denver, no estado norte-americano do Colorado. No entanto, no sábado, 29 de fevereiro, antevéspera do início da reunião, a organização anunciou que o encontro havia sido cancelado por conta do avanço do novo coronavírus nos Estados Unidos. Vários pesquisadores já estavam na cidade-sede do evento e foram pegos desprevenidos. Diante disso, reuniram-se informalmente para discutir e divulgar seus trabalhos.

Na avaliação da engenheira ambiental Angela Ortigara, coordenadora de projetos em manejo de recursos hídricos no Fundo Mundial para a Natureza (WWF), a realização de conferências científicas on-line seria uma oportunidade para tornar esses encontros mais acessíveis a pesquisadores de instituições de países mais pobres, que nem sempre dispõem de recursos financeiros para viajar ao exterior e participar de conferencias internacionais, ainda que o acesso à internet em muitos países esbarrem em limitações que comprometam a participação desses indivíduos mesmo em reuniões virtuais.

“É importante que as plataformas usadas para promover esses encontros contem com ferramentas que permitam aos pesquisadores interagir uns com os outros da o mais próximo possível da forma que o fazem em conferências presenciais. Do contrário, corremos o risco de transformar esses eventos em monólogos, sem discussões entre os participantes”, ressalva Ortigara, que participará de uma conferência on-line entre os dias 27 e 29 de abril sobre processos sustentáveis na produção têxtil, programada para ser realizada em Amsterdã, nos Países Baixos.

Para ela, esse hiato nas conferências presenciais representa uma oportunidade para a comunidade científica internacional redimensionar a necessidade das conferências no processo de comunicação científica. “Essa também pode ser uma chance para pensar maneiras mais sustentáveis de promover encontros entre cientistas para trocar resultados e experiências”, diz, referindo-se especificamente à emissão de dióxido de carbono (CO2) resultante do deslocamento de pessoas pelo mundo para participar de conferências.

O debate sobre o impacto ambiental associado à realização de conferências científicas vem ganhando corpo sobretudo entre os pesquisadores mais jovens. Isso porque esses eventos apresentam um dilema para os cientistas preocupados com o clima. “Se quisermos ser verdadeiramente éticos em nossas práticas de pesquisa, precisamos enfrentar o alto preço ambiental associado ao circuito internacional de conferências científicas, o que inclui emissões e uso desnecessário de recursos naturais finitos”, disse Sophia Kier-Byfield, pesquisadora da Universidade de Loughborough, no Reino Unido, em entrevista ao jornal inglês The Guardian.

Na avaliação de Ortigara, após a pandemia, “talvez alguns encontros possam migrar completamente para a versão digital, enquanto outros possam ser organizados de forma descentralizada, evitando longos deslocamentos e reduzindo as emissões de CO2”. Alexander Turra vê com bons olhos a realização de conferências científicas digitais, mas reforça a necessidade de promover o contato entre pesquisadores em encontros presenciais. “Alguns aspectos dos trabalhos científicos e de decisões em fóruns multilaterais envolvem certos níveis de detalhes e de confiança que só podem ser tratados presencialmente.”

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