Oportunidades de atuação profissional que se configuram por projetos, em geral durante períodos mais curtos de tempo, têm levado cientistas de diferentes áreas do conhecimento a oferecer seus serviços de forma autônoma. Atentas a essas demandas que têm crescido nos últimos anos, sobretudo no exterior, plataformas digitais como Kolabtree, Cactus Communications, Pivigo e Upwork vêm trabalhando para aproximar e mediar as relações entre organizações e profissionais independentes.
Plataformas desse tipo integram um cenário que se tornou conhecido por economia gig – termo utilizado para definir relações de trabalho estabelecidas entre freelancers e empresas que contratam para serviços pontuais – e já são amplamente utilizadas nas áreas contábeis e de advocacia, além de transporte e entregas. A pesquisa científica constitui uma das modalidades em ascensão.
“No Brasil ainda é pouco difundida a possibilidade de se atuar como freelancer em projetos de pesquisa”, observa Celine Pompeia, que desde o final de 2019 tem oferecido seu conhecimento científico em duas dessas plataformas. “Além de ser uma alternativa para quem não quer dedicação exclusiva ou não encontra colocações de tempo integral, essa é uma maneira interessante de acompanhar as pesquisas que estão sendo feitas em diferentes lugares do mundo”, completa. Com graduação em farmácia e bioquímica, além de direito, títulos de mestrado e doutorado, todos pela Universidade de São Paulo (USP), Pompeia reúne no currículo cinco períodos de pós-doutorado, quatro deles em instituições dos Estados Unidos. Dentre os trabalhos realizados pela pesquisadora nas plataformas estão a preparação e edição de artigos científicos no campo da biomedicina. “Em geral, edito textos de outros pesquisadores que desejam submetê-los a publicações científicas, o que requer conhecimento sobre a área de estudos pesquisada, bem como sobre as normas e especificações exigidas por determinada revista”, explica.
Com alcance global, plataformas que oferecem trabalhos e reúnem cadastros de cientistas freelancers costumam ter em seus portfólios projetos de diferentes partes do mundo. Na Kolabtree, empresa fundada em 2015 e com sede em Londres, na Inglaterra, estão cadastrados mais de 15 mil cientistas. Com a proposta de ampliar o acesso ao conhecimento científico, a empresa oferece profissionais capacitados para realizar serviços diversos como análises estatísticas e de dados, formulação e desenvolvimento de produtos e consultorias sobre assuntos que vão desde a melhor forma de aproveitar alimentos em um restaurante até a solução de problemas em uma linha de produção industrial, por exemplo. Também sediada em Londres, há sete anos a Pivigo auxilia empresas de pequeno porte que não dispõemde recursos para manter cientistas de dados e m seus quadros, conectando-as a profissionais dispostos a trabalhar por projeto.
Mais voltada para soluções de conteúdo científico como edição, tradução e revisão de textos em diferentes línguas, a Cactus Communications, por sua vez, foi criada em 2002, em Mumbai, na Índia, com o objetivo de auxiliar pesquisadores com dificuldades em processos de divulgação de textos acadêmicos, principalmente na submissão de artigos em publicações científicas. A plataforma reúne cerca de 3 mil cadastros de profissionais freelancers situados em mais de 90 países. Já a norte-americana Upwork não se restringe aos serviços ofertados por cientistas, compreendendo também trabalhos relacionados a produção de logotipos, ilustrações, desenvolvimento de softwares, design gráfico, dentre outros. De modo geral, empreitadas realizadas por intermédio das plataformas são remuneradas por hora de trabalho em sistemas próprios, o que evita a negociação fora do ambiente virtual e reduz a possibilidade de não recebimento pelo trabalho realizado.
Pelo fato de já estarem acostumados a cumprir períodos de trabalho com prazo determinado, como os assumidos em nível de pós-doutorado, por exemplo, pesquisadores têm avaliado bem a oportunidade de se envolverem em projetos mais curtos. “Além das empresas que não conseguem investir em estudos científicos de maneira institucionalizada, hoje em dia já nãoé tão fácil para as organizações manter grandes equipes de pesquisa e a oferta de serviços trazida por pesquisadores autônomos é uma forma eficiente de atender a essas demandas”, observa o pró-reitor de Pesquisa da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Carlos Frederico de Oliveira Graeff. Além de gerar oportunidades para que organizações, sobretudo de médio ou pequeno portes, tenham acesso aos ganhos trazidos pela produção de conhecimento científico, Graeff também chama a atenção para a necessidade de diversificar a relação existente entre pesquisa e inovação, uma vez que há um gargalo nas universidades que, sobrecarregadas, não devem ser vistas como a única via para a realização de pesquisas. “Criar um ecossistema que ofereça múltiplas possibilidades para resolução de problemas é crucial para promover a inovação”, avalia Graeff.
Há três anos atuando como freelancer na área de análise de dados, Tomoe Daniela Hamanaka Gusberti trabalha principalmente com modelagem de equações estruturais. Com graduação em farmácia, mestrado e doutorado em engenharia de produção pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Gusberti tem obtido a maioria dos projetos por meio das plataformas Kolabtree e da holandesa Peerwith. “Profissionais e cientistas têm dificuldades ao analisar dados de pesquisas que abrangem múltiplas variáveis, envolvendo associações e hipóteses relacionadas a fenômenos complexos”, explica Gusberti. A pesquisadora também oferece serviços de planejamento de pesquisas a serem utilizados na formulação de políticas públicas de conscientização e campanhas de saúde e outras questões de relevância social, ações de marketing, gerenciamento de recursos humanos e gestão, dentre aplicações diversas envolvendo dados de comportamento e percepção humana. “As demandas partem tanto de empresas quanto de pesquisadores.”
Com mestrado na área de ciências ambientais, desde o início de 2019 a psicóloga Carolina Abilio tem trabalhado na tradução e formatação de artigos científicos relacionados a saneamento, qualidade do solo e do ar, ruído urbano e sustentabilidade. Diferentemente da maioria dos pesquisadores que se cadastraram no site da Cactus para oferecer trabalho, Abilio foi contatada pela empresa por meio de uma rede social. “No momento em que fui procurada, havia uma grande demanda por profissionais para traduzir e editar textos em língua portuguesa, principalmente na área da saúde”, afirma. Para fazer parte da rede, no entanto, além de se cadastrar é preciso submeter-se a alguns testes de verificação de habilidades. Comprovada a aptidão, o profissional passa a receber, por e-mail, avisos sobre propostas de trabalho, mas sem acesso ao nome de quem solicita o serviço. “É uma forma de proteger a identidade dos pesquisadores e evitar que haja negociações por fora da plataforma, o que pode ser arriscado, uma vez que são projetos de diferentes partes do mundo”, afirma Abilio.
Para atender a demandas de investigadores de dentro e de fora das universidades, no estado de São Paulo instituições como Unesp e Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) se uniram em torno da USP Multi, plataforma criada pela USP e voltada para compartilhamento de microscópios, lasers, cromatógrafos, analisadores de rede, aparelhos de ressonância magnética nuclear, entre outros equipamentos.
“A racionalização de equipamentos é algo que acontece no mundo todo e vem ao encontro dessa nova demanda criada por pesquisadores que trabalham de forma autônoma”, afirma Sylvio Roberto Accioly Canuto, pró-reitor de Pesquisa da USP. Além de possibilitar a utilização de determinado instrumento, o serviço também dispõe de técnicos aptos a orientar e auxiliar os pesquisadores no manuseio dos aparelhos. “Nosso objetivo com esse serviço é ampliar a interação entre os centros de pesquisa e a sociedade, o que envolve também o compartilhamento dos dados produzidos nas pesquisas”, conclui.
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