Imprimir PDF Republicar

câncer de mama

Coadjuvantes inesperados

Células normais, como os fibroblastos, podem facilitar a evolução de tumores e dificultar o tratamento

Mulheres mais jovens, às vezes com câncer de mama: causas ainda incertas

LÉO RAMOSMulheres mais jovens, às vezes com câncer de mama: causas ainda incertasLÉO RAMOS

Há mais de um século, médicos e pesquisadores têm prestado uma imensa atenção nos tumores para diagnosticar, tratar e entender a origem e o possível desenvolvimento de dezenas de formas de câncer. As células tumorais continuam sendo os atores principais do câncer, mas há alguns anos o olhar está se ampliando e os coadjuvantes – células normais que podem beneficiar o desenvolvimento de tumores – começam a ganhar atenção, dando pistas sobre por que os tumores evoluem de modo diferente ou por que os tratamentos funcionam de modo distinto nas pessoas.

Em São Paulo, equipes de duas instituições – Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e Hospital A.C. Camargo – estão verificando que células de suporte de vários tecidos, conhecidas como fibroblastos, podem ser encontradas no microambiente tumoral e produzir fatores que favorecem o crescimento desses tumores. “O microambiente tumoral pode ser decisivo na evolução do tumor”, diz Maria Aparecida Koike Folgueira, pesquisadora da USP. O microambiente é constituído pelas chamadas células estromais, principalmente fibroblastos, e pela matriz extracelular, que se encontram dentro ou ao redor do tumor. Em um dos experimentos, as pesquisadoras da USP Maria Mitzi Brentani e Maria Aparecida avaliaram o perfil de expressão gênica por meio da cultura de células cancerosas e fibroblastos obtidos de tumor mamário e linfonodo (centro de produção de células de defesa) comprometido pela doença. Elas observaram uma influência recíproca entre as células, que resulta na alteração da expressão gênica tanto de fibroblastos quanto de células cancerosas. Verificaram, também, que os fibroblastos aumentam a proliferação e a invasividade das células do câncer de mama. As equipes paulistas investem agora no sequenciamento dos RNA mensageiros dos fibroblastos para desvendar alterações que possam ocorrer nestas células encontradas no microambiente e que possam estar envolvidas no prognóstico da doença. Em colaboração com o Hospital do Câncer de Barretos, avaliam também qual seria a influência das células estromais na resposta à quimioterapia.

Em outra linha de trabalho, investigam por que o câncer de mama, doença que se manifesta principalmente em mulheres idosas, pode em certos casos se apresentar em mulheres jovens. O câncer, por ser, entre outras causas, o resultado do acúmulo de mutações genéticas que fazem as células se proliferarem sem controle, está normalmente ligado ao envelhecimento, que por sua vez está ligado ao acúmulo de defeitos na molécula de DNA.

Chamados de supressores de tumor, os genes BRCA1 e BRCA2 participam do reparo do DNA lesado. Quando apresentam defeitos, esses genes respondem por até 10% dos tumores de mama e 15% dos ovarianos. Outro gene, denominado TP53, o chamado guardião do genoma, monitora a proliferação celular e a interrompe quando detecta algo anormal, ao menos até que o sistema de reparo de DNA possa entrar em ação e fazer as correções de rumo necessárias (ver ilustração). Mutações neste gene podem levar a falhas em seu funcionamento e originar vários tipos de câncer.

“Os fatores que influenciam o surgimento do tumor de mama em idade precoce ainda são pouco conhecidos”, comenta Maria Aparecida. “Estamos examinando as mutações e o perfil molecular do tumor, para ver se ele tem alguma característica que o diferencie e ajude a explicar seu surgimento mais cedo.” Dirce Carraro e Maria Isabel Achatz, do Hospital A. C. Camargo, e Maria Aparecida e Maria Mitzi Brentani, da USP, estão avaliando as mutações nos genes BRCA1, BRCA2 e TP53 em mulheres que tiveram câncer de mama entre os 20 e os 35 anos. Elas observaram que mutações de BRCA1 e BRCA2 são mais frequentemente encontradas em pacientes jovens que referem história familiar de câncer, mas que a mutação de TP53 é pouco frequente. Em uma extensão do estudo, em conjunto com o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), Maria Aparecida está tentando identificar se hábitos, fatores ambientais e mutações somáticas (verificadas apenas no tumor e não hereditárias) poderiam ser outros fatores implicados no desenvolvimento da doen-ça em jovens.

Outro braço da pesquisa tenta avaliar os efeitos hormonais no câncer de mama. Os hormônios sexuais, estrógeno e progesterona, agem como fatores promotores do câncer de mama, ao estimular a proliferação das células mamárias. Outro hormônio, a vitamina D, que é produzida na pele, a partir de 7-de-hidrocolesterol, pela ação de raios UVB, pode ter ação antiproliferativa. Este efeito, entretanto, foi demonstrado apenas em estudos in vitro com linhagens celulares expostas a concentrações elevadas do hormônio, as quais podem ter efeitos colaterais indesejáveis in vivo, como hipercalcemia. Em vista dessas evidências, o grupo da USP, em parceria com o Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC), está estudando a ação do calcitriol, uma forma ativa da vitamina D, em concentrações não associadas a efeitos colaterais, na proliferação e expressão gênica do tumor.

084-087_cancerdemama_esp50Hormônios e vitaminas
Após verificar que pacientes com câncer de mama apresentam tendência à insuficiência ou deficiência de vitamina D, as pesquisadoras analisaram a ação da suplementação de calcitriol por curto período (um mês) antes da cirurgia em mulheres com câncer de mama que já haviam entrado em menopausa. Nesse período a doença não progrediu – o tumor não cresceu. Entretanto, verificaram, a análise do tumor coletado antes e após esta suplementação indica que a ação da vitamina D na expressão gênica é muito sutil. O grupo avalia agora, em estudos de xenoenxerto (implante tumoral) em animais, se a injeção intratumoral de vitamina D poderia ter efeito antiproliferativo.

Um dos trabalhos de destaque do grupo é a busca por marcadores de resposta à quimioterapia. As equipes de São Paulo acreditam que poderiam avaliar previamente a eficácia da quimioterapia por meio de marcadores genéticos. A busca por marcadores moleculares de resposta ao tratamento se tornou mais fácil com os chamados chips – também denominados de microarranjos – de DNA, que permitem a análise da expressão de muitos genes simultaneamente.

 

Em 2005, com os chips de DNA desenvolvidos pelo Instituto Ludwig de Pesquisa sobre Câncer, Maria Mitzi e Maria Aparecida testaram 4.608 genes de uma vez só em amostras de RNA extraídos de tumores de mama de 51 mulheres entre 51 e 67 anos, em busca de diferenças que pudessem indicar algo novo sobre a evolução da doença. Em meio a todos esses dados, encontraram um conjunto de três genesPRSS11, CLPTM1 e MTSS1 – que poderiam selecionar pacientes responsivas ou não ao tratamento quimioterápico, um dos grandes problemas enfrentados pelos oncologistas. Muitos tumores, nos exames, parecem perfeitamente tratáveis.

Uma das estratégias é começar pela quimioterapia, para reduzir o tamanho da massa a ser extraída cirurgicamente, e depois partir para a operação em si. Contudo, nem todas as pacientes respondem da mesma maneira. Enquanto a maioria realmente apresenta uma redução da massa tumoral pelo uso da doxorrubicina – o principal componente do coquetel usado na quimioterapia –, cerca de 20% parecem não reagir ao procedimento. E o mais dramático: não há como saber de antemão para quem o tratamento seria benéfico.

Teste de menor custo
Dois anos atrás, Maria Mitzi e Maria Aparecida demonstraram que era possível substituir os microarranjos por uma técnica mais barata, chamada PCR (sigla para polimerase chain-reaction, ou reação em cadeia da polimerase), que amplifica o sinal de genes ativados por meio da multiplicação das moléculas de DNA, e apresenta um custo menor que os chips. Entretanto, neste estudo ainda utilizaram tumores frescos congelados.

Nos hospitais, porém, a amostra do câncer é colocada em parafina para então ser encaminhada para exames. Portanto, o próximo passo é demonstrar que é possível obter os mesmos resultados quando o RNA é extraído de material parafinado. Se conseguirem, será uma aplicação médica de um conhecimento gerado em laboratório para detectar e tratar com mais precisão uma doença complexa em seus detalhes e suas particularidades.

Os Projetos
1. Marcadores moleculares da resposta à quimioterapia neoadjuvante do câncer de mama (nº 2001/00146-8) (2001-2004); Modalidade Linha regular de auxílio a projeto de pesquisa; Coordenadora Maria Mitzi Brentani – Faculdade de Medicina da USP; Investimento R$ 515.088,21
2. Expressão gênica de fibroblastos associados a carcinomas de mama classificados em subtipos de acordo com receptores de estrógeno e progesterona e C-ERBB2 (nº 2009/10088-7) (2009-2012); Modalidade Projeto Temático; Coordenadora Maria Mitzi Brentani – Faculdade de Medicina da USP; Investimento R$ 1.492.318,72
3. Sinalização heterotípica entre células epiteliais tumorais e fibroblastos no carcinoma de mama (nº 2004/04607-8) (2005-2008); Modalidade Projeto Temático; Coordenadora Maria Mitzi Brentani – Faculdade de Medicina da USP; Investimento R$ 755.501,06

Artigos científicos
BARROS FILHO, M. C. et al. Gene trio signatures as molecular markers to predict response to doxorubicin cyclophosphamide neoadjuvant chemotherapy in breast cancer patients. Braz J Med Biol Res. v.43, n. 12, p. 1225-31, 2010.
FOLGUEIRA, M. A. et al. Gene expression profile associated with response to doxorubicin-based therapy in breast cancer. Clin Cancer Res. v. 11, n. 20, p. 7434-43, 2005.
ROZENCHAN, P.B. et al. Reciprocal changes in gene expression profiles of cocultured breast epithelial cells and primary fibroblasts. Int J Cancer. v. 125, n. 12,
p. 2767-77, 2009.

De nosso arquivo
Os primeiros sinais de alerta – Edição nº 115 – setembro de 2005
Mutação em gene pode definir prognóstico do câncer de mama – Edição nº 26 – novembro de 1997

Republicar