Como as células tumorais que já haviam crescido em órgãos como o pulmão, rins e intestinos chegam ao cérebro, protegido por barreiras que deveriam impedi-las de avançar? Pesquisadores de Alagoas e de São Paulo encontraram uma possível explicação: as células tumorais emitem sinais químicos que agem sobre as células do sistema nervoso central e lhes permitem atravessar a parede dos vasos sanguíneos e se instalar no encéfalo, uma estrutura com cerca de 86 bilhões de neurônios formada pelo cerebelo, na base do cérebro, e pelo próprio cérebro. Uma vez no cérebro, as invasoras ficam protegidas das células de defesa, que, em outras partes do corpo, tentariam destruí-las.
Esse mecanismo emergiu por meio da observação das interações moleculares entre três tipos de células: as tumorais, os astrócitos (células cerebrais que nutrem e sustentam os neurônios) e as células dos vasos sanguíneos da barreira hematoencefálica, uma espécie de membrana que normalmente impede a entrada no cérebro de moléculas, células e impurezas que poderiam prejudicar o funcionamento dos neurônios. As conclusões se apoiam nas análises fornecidas por uma técnica chamada sequenciamento de RNA de célula única, que revela o comportamento molecular de cada célula. Os aparelhos examinaram 128.421 células extraídas de 36 amostras de tumores no cérebro decorrentes do espalhamento (metástase) de cânceres originalmente iniciados na mama, no pulmão, na pele (melanoma), nos rins, nos ovários e no intestino.
As metástases cerebrais representam 6% de todos os casos de câncer por ano e são 10 vezes mais comuns que os tumores originados no próprio cérebro. Estima-se que em 20% das pessoas com câncer – principalmente de pulmão, mama, intestino e rins –, as células tumorais sairão dos órgãos em que se formaram e chegarão ao cérebro. Nesses casos, mesmo com as diversas possibilidades de intervenções médicas, a sobrevida após o diagnóstico é baixa.
“Com uma técnica chamada transcriptômica espacial, que mapeia onde genes específicos estão ativos no tecido cerebral, conseguimos ver exatamente onde cada célula interage com o ambiente ao redor”, diz o biólogo Carlos Fraga, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), campus de Arapiraca, principal autor do artigo detalhando os resultados, publicado em março na revista Brain Research. Coautor do estudo, o imunologista Helder Nakaya, do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein e da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP), acrescenta que os métodos de análise indicaram também quais células estão próximas umas das outras e como se organizam no ambiente tumoral.
De acordo com esse estudo, as células tumorais produzem uma proteína chamada fator de crescimento endotelial vascular (VEGF), que age sobre as células dos vasos sanguíneos da barreira hematoencefálica e estimula a formação de novos vasos, por onde elas avançam. Outros compostos aumentam a permeabilidade vascular, facilitando a passagem das células tumorais. Em seguida, as células tumorais liberam outras substâncias, entre elas as integrinas, que chegam aos astrócitos e permitem que os invasores não sejam reconhecidos como maléficos, instalem-se entre as células nervosas e voltem a se multiplicar. Genes específicos, como ITGA8, NRP1 e PLXND1, atuam como mediadores da interação entre células tumorais e a barreira hematoencefálica.
“Uma contribuição importante desse trabalho foi a identificação de mecanismos comuns usados por células tumorais de origens diferentes para ultrapassar a barreira cerebral”, comenta o médico Roger Chammas, diretor do Centro de Investigação Translacional em Oncologia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), que não participou do estudo. “Essas descobertas ainda precisam ser validadas em estudos mais amplos, mas já representam um avanço significativo.”
A equipe responsável por essas descobertas pretende, assim que possível, analisar os chamados tumores primários, formados no próprio cérebro, como os glioblastomas. “Queremos comparar os tumores primários com as metástases cerebrais para entender melhor o trajeto das células tumorais, desde o tecido em que se formaram, passando pela corrente sanguínea, até se instalarem no cérebro”, adianta Nakaya.
A reportagem acima foi publicada com o título “A conquista do cérebro” na edição impressa nº 351 de maio de 2025.
Projetos
1. Biologia de sistemas aplicada à análise transcriptômica de doenças inflamatórias (no 22/02605-6); Modalidade Bolsa de Pós-doutorado; Pesquisador responsável Helder Takashi Imoto Nakaya (USP); Bolsista Carlos Alberto de Carvalho Fraga; Investimento R$ 148.840,95.
2. Biologia integrativa aplicada à saúde humana (no 18/14933-2); Modalidade Jovens Pesquisadores – Fase 2; Pesquisador responsável Helder Takashi Imoto Nakaya (Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein); Investimento R$ 2.309.586,43.
Artigos científicos
DE CARVALHO FRAGA, C. A. et al. Revealing shared molecular drivers of brain metastases from distinct primary tumors. Brain Research. v. 1851, 149456. 15 mar. 2025.