Uma dupla de pesquisadores do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro, está propondo uma forma aparentemente simples de alterar de modo controlado as propriedades magnéticas de áreas muito pequenas de certos materiais. Simulações feitas pelo físico peruano Helmunt Vigo-Cotrina e pelo brasileiro Alberto Passos Guimarães sugerem que é possível usar pulsos magnéticos intensos e muito breves para criar e manipular em metais ferromagnéticos, como o cobalto, regiões nas quais poderiam ser armazenadas informações digitais. Apresentada em dois artigos publicados em abril no Journal of Magnetism and Magnetic Materials, a estratégia, criada por meio de um modelo matemático, talvez permita transformar áreas até 100 mil vezes menores do que a espessura de um fio de cabelo em um substrato adequado para registrar os números zero e 1, que compõem o bit, a unidade básica de informação do código binário usado pelos computadores. O procedimento, se puder ser realizado na prática, deve abrir caminho para a criação de dispositivos de memória potencialmente com maior capacidade de armazenamento e menor gasto de energia do que os atuais.
Há pelo menos uma década, os físicos sabem que, ao produzir um pulso magnético com uma bobina, é possível modificar as características de regiões muito pequenas – com diâmetro de uns poucos nanômetros (nm), o correspondente a milionésimos de milímetro – em blocos ou filmes de materiais contendo ferro, cobalto ou níquel. Esses elementos químicos são metais que, sob certas condições, funcionam como ímãs. Essa característica se deve à forma como as partículas subatômicas, em especial os elétrons da camada mais externa, estão organizadas e interagindo no interior do material. Elétrons têm uma propriedade peculiar chamada spin, que, grosso modo, é compreendida como um movimento rotacional. O spin faz o elétron atuar como um ímã de escala microscópica. “Nos materiais ferromagnéticos, os elétrons têm o spin alinhado em um mesmo sentido, o que permite preservar essa característica de ímã em escala macroscópica”, conta Guimarães.
Em 2009, o físico alemão Sebastian Mühlbauer, da Universidade Técnica de Munique, e seus colaboradores demonstraram experimentalmente que pulsos magnéticos invertiam o spin do elétron em pequenas regiões circulares de uma liga metálica de manganês e silício (MnSi), como havia sido previsto três décadas antes pelo russo Valery Pokrovsky. Esses círculos muito homogêneos e estáveis nos quais as partículas têm spin oposto ao dos elétrons no restante do material foram chamados de skyrmions magnéticos. Esse nome é emprestado de uma partícula hipotética, o skyrmion, proposto em 1962 pelo físico britânico Tony Skyrme (1922-1987).
Os skyrmions magnéticos chamam a atenção dos físicos por causa de algumas propriedades. Eles são muito pequenos – os menores têm 1 nm de diâmetro – e ocupam menos espaço do que os transistores de um chip convencional de computador. Segundo estudos teóricos e experimentais, os skyrmions não se desfazem facilmente com variações de temperatura nem de campos elétricos e magnéticos. Eles podem se deslocar a altas velocidades empurrados por uma corrente elétrica e não são destruídos por imperfeições no material. Essas características tornam os skyrmions criados em camadas magnéticas finas bons candidatos a codificar os bits de informação, que precisam ser estáveis para que os dados não se percam.
Há várias maneiras de criar skyrmions. Alguns surgem espontaneamente em função da dimensão ou da geometria do material, enquanto outros só se formam por interferência externa, como a passagem de uma corrente elétrica ou a aplicação de pulsos magnéticos. Até hoje, porém, não se conseguiu uma forma controlada de gerar skyrmions. Diante dessa dificuldade, Vigo-Cotrina e Guimarães decidiram averiguar se haveria como dominar a produção e a manipulação dos skyrmions e de outra estrutura magnética mais complexa, o skyrmiônio. Formado por um skyrmion e um antiskyr-mion, o skyrmiônio assume a forma de dois círculos concêntricos: um interno e outro externo, cada um deles contendo elétrons com spin de inclinação ligeiramente diferente em relação à do outro.
Especializados em nanomagnetismo, Vigo-Cotrina e Guimarães usaram simulações magnéticas para representar a interação entre um disco de cobalto de 150 nm de diâmetro por 1 nm de espessura submetido a um campo magnético. Ao alimentar o modelo com as propriedades do disco, os pesquisadores verificaram que era preciso usar pulsos magnéticos muito rápidos, durando de 510 a 900 picossegundos (trilionésimos de segundo), e intensidade relativamente alta, entre 449 e 926 miliTesla, para fazer surgirem os skyrmions com as características que desejavam formar. Já os skyrmiônios surgiam com pulsos, em média, mais intensos (de 904 a 998 miliTesla) e curtos (300 a 430 picossegundos), segundo o artigo publicado em 1o de abril no Journal of Magnetism and Magnetic Materials.
A dupla observou também que um skyr-mion podia se transformar em um skyrmiônio. “As simulações sugerem que, alterando as características do pulso magnético, é possível selecionar a estrutura magnética que se deseja produzir [skyr-mion ou skyrmiônio]”, explica o físico peruano, que realizou o trabalho durante o estágio de pós-doutorado no CBPF, feito sob a supervisão de Guimarães e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).
Controlar o tipo de estrutura a ser criada é desejável, mas talvez não seja suficiente. É que os skyrmions têm um problema. Uma propriedade chamada carga topológica, que pode ser positiva ou negativa, costuma forçá-los a migrar para as bordas do material quando impulsionados por uma corrente elétrica no interior de um campo magnético, o que pode destruí-los. Um jeito de contornar a questão é optar pelos skyrmiônios, que têm carga topológica neutra e se deslocam no mesmo sentido que a corrente, sem sofrer desvio (deflexão). Um modo de empregar os skyrmiônios para registrar informação é associar sua presença ou ausência, respectivamente, aos números zero e 1 (ou vice-versa). Esse uso pode se tornar mais eficiente se for possível inverter o spin dos elétrons nas duas regiões do skyrmiônio (skyrmion e antiskyrmion) e, assim, criar um skyrmiônio com polaridade invertida.
Ao menos nas simulações, Vigo-Cotrina e Guimarães conseguiram inverter a polaridade dos skyrmiônios ao ajustar a intensidade, a duração e a frequência dos pulsos magnéticos, como descrevem no segundo artigo, de 18 de abril.
Para o físico experimental Kleber Pirota, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a estratégia imaginada pela dupla do CBPF é simples e inovadora. “Reproduzi-la na prática, porém, é um desafio grande”, afirma. Afinal, não é usual construir uma bobina para gerar os pulsos magnéticos com os parâmetros sugeridos nesses trabalhos. “Essa proposta, entretanto, abre caminho para que outros pesquisadores tentem encontrar condições mais favoráveis”, diz Pirota.
Artigos científicos
VIGO-COTRINA, H. e GUIMARÃES, A. P. Creating skyrmions and skyrmioniums using oscillating perpendicular magnetic fields. Journal of Magnetism and Magnetic Materials. 1o abr. 2020.
VIGO-COTRINA, H. e GUIMARÃES, A. P. Switching of skyrmioniums induced by oscillating magnetic field pulses. Journal of Magnetism and Magnetic Materials. 18 abr. 2020.