Quando por alguma razão naufragam, projetos de inovação radical, que buscam grandes avanços, resultam não apenas em frustração. Se não forem bem gerenciados, podem também levar a demissões, realocações de cargo, guinadas em carreiras profissionais, abalos na credibilidade pessoal dos responsáveis, trocas de acusações, punições, perda de dinheiro e projetos interrompidos – até mesmo aqueles que já haviam gerado produtos que seguiam uma trajetória aparentemente bem-sucedida.
“Há alguns anos”, conta o engenheiro de produção Leonardo Gomes, que estuda desde 2012 as causas, consequências e formas de prevenção dos insucessos de projetos de inovação radical, “uma certa empresa de biotecnologia tinha feito um grande investimento em um projeto e implementou um novo processo de produção. No começo, tudo correu bem”.
Alguns anos depois, o rendimento do processo de fermentação começou a cair e se estabilizou em um patamar baixo, economicamente inviável, e ninguém entendia por quê. “A empresa poderia ter revertido a situação se retomasse a pesquisa, mas os diretores desmontaram a equipe de inovação, pararam tudo e saíram desse mercado”, observa Gomes. “A paciência com as falhas tinha acabado.”
Em um de seus trabalhos recentes, publicado em janeiro na revista Research Policy, Gomes, com sua equipe da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP), examina situações reais de projetos malogrados no país. O estudo teve como base 63 entrevistas com diretores e gerentes de inovação de empresas brasileiras com pelo menos 2 mil funcionários dos setores automobilístico, de cosméticos, energético, siderúrgico e químico. O anonimato das informações foi garantido aos participantes.
Integrante do grupo de pesquisa, a administradora de empresas Rafaela Ferreira Maniçoba acompanhou algumas entrevistas. Ela notou que muitos entrevistados não queriam falar de falhas e custavam a se abrir. Outros expressavam incompreensão por meio de depoimentos (“o board [conselho] nunca nos apoiava”), decepção (“os diretores diziam que poderíamos experimentar, mas depois se queixavam dos custos e da demora”) e incertezas sobre a própria carreira profissional.
É bom ter um planejamento flexível e estar atento às oportunidades, diz André Ferrarese, da Tupy
“Uma diretora de inovação de uma companhia da área da saúde foi transferida para um cargo menos qualificado de outro setor”, conta a pesquisadora. “Ela se sentia punida porque a prova de conceito de um projeto que havia falhado tinha saído mais caro do que o previsto. O resultado não agradou a algumas pessoas.”
A conclusão a que Gomes e sua equipe chegaram é de que o mal-estar e o mal-entendido resultam primeiramente da confusão entre os conceitos de erro e falha. “Erro é quando sei o que fazer e qual resultado esperar, mas por alguma razão o trabalho não saiu como eu queria”, define Gomes, que é também vice-diretor do Bridge: Gestão de Ecossistemas para Transições Sustentáveis, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) apoiados pela FAPESP.
“Falha é quando não sei o que fazer, formulo uma hipótese e a testo, mas o resultado fica abaixo do que esperava”, diz ele. “A falha faz parte da experimentação, quando não sabemos bem o que pode acontecer nem quanto vai demorar até chegar ao resultado desejado.” Sua pesquisa mostrou que interpretar a falha, em princípio inevitável, como erro que poderia ser evitado pode resultar em punições desnecessárias e desmotivar a busca por inovações radicais. Diferenciar erro de falha é a primeira de quatro etapas de processos de inovação radical elaborado pelo grupo da USP (ver quadro).
“A incerteza sempre existe”, reconhece o administrador de empresas Henrique Pereira, gerente de inovação do Aço Cearense, grupo que atua na siderurgia, metalurgia, florestal e logística, com sede em Fortaleza (CE) – esta e outras empresas ouvidas para a reportagem não participaram da pesquisa da USP. “Uma empresa que contratamos demorou para testar uma tecnologia que nos interessava e depois solicitou que congelássemos o projeto por alguns meses. Mesmo assim, o capital perdido com o atraso sempre gera conhecimento sobre o que não fazer.”
Para evitar gastos desnecessários de tempo e dinheiro, Pereira procura testar as hipóteses o mais rapidamente possível, avaliar os resultados e, quando dá errado, formular outro plano até encontrar o caminho mais eficiente. “Dos 24 fornos, usamos apenas três para experimentos e nunca ampliamos a solução até ter certeza de que vai dar certo”, diz. As empresas do grupo assumem os riscos da inovação em paralelo à preocupação com a sobrevivência, por meio da fabricação de produtos simples, as chamadas commodities.

EVE / EmbraerRepresentação do carro voador projetado pela EmbraerEVE / Embraer
Mesmo que as hipóteses de trabalho estejam corretas, os testes tenham sido um sucesso e a ampliação da escala de produção corra bem, sempre pode ocorrer o que o grupo da USP chama de falha profunda: quando o problema só aparece anos depois de lançado o produto que se originou da pesquisa. Foi o que se deu com a empresa de biotecnologia citada por Gomes e já aconteceu com fabricantes de automóveis, medicamentos e aparelhos eletrônicos. O pesquisador usa como exemplo a Boeing e seus novos modelos 737-MAX. “Recentemente, a companhia teve de rever a engenharia de aviões que tinham sido vendidos e já estavam voando há anos”, conta.
Oportunidades
“É óbvio que nem todos os projetos de inovação vão dar certo”, constata o engenheiro mecânico André Ferrarese, diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Tupy, que antes trabalhou 21 anos em outra grande fabricante de autopeças, a Mahle, no Brasil e na Alemanha. “É bom ter um planejamento flexível e estar atento às oportunidades que surgem no meio do caminho”, recomenda, lembrando do caso post-it. Desenvolvido pela 3M no final dos anos 1960 para funcionar como um adesivo industrial, foi um fracasso porque não colava direito. Até que alguém notou que os papeizinhos de cola fraca poderiam servir como marcadores de páginas, sem deixar resíduo. A novidade foi espalhada entre as secretárias, que o requisitaram e ressuscitaram a inovação. Outro exemplo é o Viagra, planejado inicialmente para tratar doenças do coração e depois redirecionado para disfunção erétil.
Por uma situação parecida passou a Tupy, fundada em 1938 em Joinville (SC). Ao entregar geradores de energia movidos a biogás para produtores rurais, os engenheiros da empresa observaram as dificuldades em operar o equipamento e detectaram uma oportunidade de negócio. De um trabalho em conjunto com outras áreas, nasceram as bioplantas, equipamentos de grande porte fabricados e gerenciados pela Tupy que processam dejetos de suínos e aves, recolhidos duas vezes por dia, e produzem fertilizantes, eletricidade e biometano, usado nos caminhões dos produtores rurais.
A empresa opera uma planta em Toledo, no oeste do Paraná, que reúne 27 criadores de 65 mil suínos, e planeja outras duas, uma em Divinópolis, Minas Gerais, para atender uma avícola, e outra em Seara, Santa Catarina, para tratar dejetos de 200 mil porcos e 1,7 milhão de aves.
Ao longo de 30 anos como líder de equipes de inovação na Aracruz e na Suzano, duas grandes produtoras de papel e celulose, o engenheiro-agrônomo Fernando Bertolucci, agora à frente da recém-criada consultoria Inovitae, de São Paulo, reforça o fato de que nem sempre se chega de imediato ao objetivo desejado.
Disputas internas e boicotes às novas ideias ocorrem o tempo inteiro, alerta Bruno Moreira, da Inventta
Na Suzano, ele participou do desenvolvimento de um novo produto, chamado fluff, feito com fibra curta de celulose, obtida de eucalipto. Usado em fraldas, esse material, feito até então apenas com celulose de fibra longa, de coníferas, transporta a urina até um polímero absorvente. “Quando ficou pronto, em 2020, mandamos para os fabricantes de fraldas, mas os testes não foram satisfatórios”, conta. “Não foi exatamente uma surpresa. Havíamos previsto o problema, mas não tínhamos como resolver sozinhos e precisávamos da interação com os potenciais clientes para aprender com eles.”
Com base nos comentários dos fabricantes de fraldas sobre o que não tinha funcionado, a equipe de inovação retomou a pesquisa até chegar a uma segunda versão, dois anos depois, que atendia às exigências dos clientes. “Agora a celulose de fibra curta tem propriedades parecidas com as de fibra longa e um preço competitivo”, comemora Bertolucci.
Em 20 anos de consultoria de gestão de projetos de inovação, o engenheiro mecatrônico Bruno Moreira, da Inventta, uma consultoria de Campinas, interior paulista, observou que, com frequência, os líderes das áreas de inovação criam expectativas, mas depois não destinam recursos suficientes para sua equipe realizá-las. Em uma empresa química que ele atendeu, os diretores da área de negócios não estavam interessados em investir em inovação. Por essa razão, os projetos se tornaram menos ambiciosos, porque era grande a cobrança por resultados imediatos.
Moreira trouxe o problema à tona, ouviu todos os envolvidos e ajudou a implantar outro modelo de gestão: cada projeto de curto prazo destinaria 10% do orçamento para financiar os de longo prazo. Em três anos, a empresa conseguiu conciliar os projetos de inovação mais simples e os mais complexos.

Raphael Gaillarde / Gamma-Rapho via Getty ImagesO Viagra, planejado para um uso e utilizado em outroRaphael Gaillarde / Gamma-Rapho via Getty Images
Outro problema: “Disputas internas e boicotes às novas ideias ocorrem o tempo inteiro”, alerta. Um de seus alunos identificou uma oportunidade de inovação que poderia economizar alguns milhões de reais por mês em uma empresa de logística. O responsável pelo setor a quem ele apresentou a ideia, porém, deu-lhe uma bronca e disse que não tocaria a proposta adiante – se o fizesse, argumentou, poderia ser mandado embora por não ter ele próprio visto a solução que o novato lhe apontava.
Quando promove as conversas de avaliação de projetos que terminaram em decepção, Moreira enfatiza que o objetivo é aprender com a situação e evitar novas falhas, sem apontar culpados ou deixar que os participantes apontem. “Ouvir a opinião dos opositores às ideias é importante, porque eles podem ter razão”, observa.
Além de ouvir, o líder da inovação precisa conversar sempre com todos, o tempo todo. Isso é fundamental para amenizar a pressão por prazos e resultados e para que as outras áreas da empresa possam receber e continuar o trabalho. “Muitos projetos não chegam ao mercado por causa da falta de comunicação e sintonia entre as equipes de inovação, produção e marketing, que precisam cooperar”, observa a administradora de empresas Anapatrícia Morales Vilha, da Universidade Federal do ABC (UFABC) e assessora da Diretoria Científica da FAPESP para a área de inovação.
O diálogo também evita que os fracassos se sedimentem. “Há uns dois anos”, conta Moreira, “uma empresa gastou muito em um projeto e deu tudo errado. O coordenador era da diretoria e não aproveitou o momento para fazer uma avaliação do que aconteceu. O silêncio deixou um imenso mal-estar, cristalizou a ideia de que não conseguiriam fazer mais nada e impôs resistência a qualquer outra iniciativa na área de inovação”.
Bertolucci, da Inovitae, acrescenta: “A inovação só avança com uma equipe motivada, que não tenha medo de levantar a mão e dizer ‘não é por aí’, ‘está errado’ ou ‘errei’”. E Vilha sintetiza: “A cultura para inovação não combina com a cultura do medo”.

Suzano | Paulo Altafin / Raízen | Eduardo Cesar / Revista Pesquisa FAPESPTanques da Raízen para produção de etanol de segunda geração; açaí, base para cosméticos da Natura; e a celulose fluff da SuzanoSuzano | Paulo Altafin / Raízen | Eduardo Cesar / Revista Pesquisa FAPESP
Perspectivas
Além de mostrar como desfazer equívocos conceituais como a confusão entre o erro e a falha e propor estratégias de governança da inovação, o grupo da USP procura formas de ampliar o número de empresas que se aventuram em projetos ousados e de longa duração, em vez de ficarem apenas nos de resultados a curto prazo.
“Ainda são poucas as que fazem inovação radical no Brasil”, observa Gomes. Em seguida, ele cita algumas delas: “Temos a Weg na área de motores, a Natura com cosméticos derivados da biodiversidade brasileira, a Raízen com o etanol de segunda geração, a Embraer com o eVTOL [carro voador]” (ver Pesquisa FAPESP nos 329 e 337).
Não é só no Brasil que promover a inovação radical é um desafio. Renate Kratochvil, da Escola de Economia de Estocolmo, na Suécia, fez 117 entrevistas com 37 diretores de grandes empresas daquele país de 2019 a 2023 e, em um artigo publicado em janeiro na Research Policy, apresentou sua conclusão: “Os líderes estratégicos tendem a favorecer a inovação incremental em detrimento da radical, não devido à escassez de ideias, mas porque temem fracassar”.
Com base na análise de empresas inovadoras com atuação no país, a equipe da FEA-USP formulou um modelo de governança de falhas em projetos de inovação radical, dividido em quatro etapas, conforme detalhado no artigo da revista Research Policy.
A primeira é de reconhecimento, quando se estabelece que erro é diferente de falha e se buscam caminhos apropriados para planejamento e avaliação dos projetos de inovação, não apenas em custos, prazos e resultados, como em outras áreas. “Inovação radical é uma maratona”, enfatiza Leonardo Gomes, líder do estudo. “Não pode entrar com fôlego de corrida de 100 metros.”
A segunda é a chamada emancipação conceitual, quando o líder de inovação define as novas formas de planejamento e gestão dos projetos, assume os riscos e ensina os integrantes da alta administração a ter paciência com as eventuais falhas. “O gestor da inovação tem de lidar com as expectativas de sua equipe, das outras áreas e da alta administração, explicando que o projeto tem incertezas e, portanto, pode não dar certo”, recomenda o administrador de empresas Felipe Borini, do grupo da USP.
A terceira é a do entendimento, com regras sobre como evitar e gerenciar as falhas e construir uma rede de aliados, dentro e fora da empresa, que apoiarão as novas regras. “As parcerias com outras empresas ou centros de pesquisa precisam ser feitas com muita atenção, definindo direitos e deveres de cada lado, porque são mundos distintos, com ritmos e objetivos diferentes”, comenta Anapatrícia Morales Vilha, da UFABC.
Nessa fase, ressaltam-se as incertezas e a importância de tolerar as decepções, porque é difícil prever os movimentos dos concorrentes e do mercado. “Quando uma empresa falha, ainda tem chance de se recuperar e passar à frente de quem está momentaneamente com a saída vencedora”, comenta Gomes. “Há anos a IBM lançou um novo tipo de tela de computador e construiu uma fábrica. Outra tela, de outra empresa, se mostrou melhor, mas a IBM lançou uma terceira tela e dominou o mercado. A Petrobras também teve persistência e capacidade de aprender até se tornar uma das maiores empresas de exploração de petróleo em águas profundas do mundo.”
O quarto passo é a incorporação de novas diretrizes para tratar a inovação radical, com práticas mais adequadas aos projetos de inovação radical, que permitam aprender a partir de falhas, adiamentos e custos inesperados. “Para evitar cobrança por resultados, é bom balancear o portfólio, com projetos radicais e incrementais, para ter sempre resultados de curto prazo para oferecer à alta administração”, sugere Ferrarese, da Tupy. Projetos que não chegam aos resultados esperados poderiam ser guardados e reavaliados meses ou anos depois, com outras perspectivas.
A reportagem acima foi publicada com o título “Fracassamos. E agora?” na edição impressa nº 352 de junho de 2025.
Projeto
Cepid Bridge: Gestão de Ecossistemas para transições sustentáveis (nº 22/14561-3); Modalidade Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid); Pesquisador responsável José Afonso Mazzon (USP); Investimento R$ 4.670.920,14.
Artigos científicos
GOMES, L. A. de V. et al. Transformation of the governance of failure for radical innovation: The role of strategic leaders. Research Policy. v. 54, n. 1, 105108. jan. 2025.
KRATOCHVIL, R. The process of framing innovation activities: How strategic leaders erode their ideas for radical innovations. Research Policy. v. 54, n. 1, 105107. jan. 2025.