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Boas práticas

Conclusão precipitada

Paleontólogo é criticado por divulgar em documentário hipóteses embasadas apenas em preprints

O paleontólogo Lee Berger, da Universidade de Witwatersrand, na África do Sul, foi criticado por duas colegas em um artigo de opinião divulgado no South African Journal of Science. Robyn Pickering, geoquímica da Universidade da Cidade do Cabo, e Dipuo Kgotleng, diretora do Instituto de Paleopesquisa da Universidade de Joanesburgo, questionaram Berger por ter divulgado para grandes audiências interpretações polêmicas e sem base sólida que estavam lastreadas apenas na publicação de preprints, versões preliminares de trabalhos científicos ainda não revisados por outros pesquisadores.

De acordo com o site Research Professional News, a controvérsia envolve um hominídeo de cérebro pequeno, que viveu entre 236 mil e 335 mil anos atrás e foi batizado de Homo naledi, descoberto pelo paleontólogo no sistema de cavernas Rising Star, nos arredores de Joanesburgo. Berger identificou o ancestral em 2015 ao analisar mais de 1.500 pedaços de ossos e dentes de 15 indivíduos coletados em uma pequena câmara subterrânea das cavernas.

Em julho do ano passado, ele estrelou um documentário na Netflix no qual sustenta que o Homo naledi enterrava seus mortos e era capaz de fazer arte e ferramentas com pedra. A suposição era amparada em três trabalhos científicos do grupo de Berger que haviam sido submetidos para publicação em uma revista científica on-line, a eLife, em maio, e depositados em repositórios de preprints em junho. Poucos dias antes de o documentário ser disponibilizado pela plataforma de streaming, a eLife, que adota um sistema de avaliação aberto, divulgou o julgamento dos três manuscritos feito por 11 avaliadores. Dez deles alegaram não ter encontrado evidências que sustentem a hipótese defendida no documentário, de que o Homo naledi fazia sepultamentos e arte em pedra. Em novembro, um artigo publicado por paleontólogos britânicos e espanhóis na revista Journal of Human Evolution também refutou as conclusões de Berger, afirmando que o espalhamento dos ossos encontrados não condiz com a tese do sepultamento intencional e que um objeto de pedra encontrado no sítio pode perfeitamente ser uma formação natural, e não algo esculpido pelo Homo naledi.

Pickering e Kgotleng criticam o fato de o documentário da Netflix não mencionar que as conclusões eram preliminares e estavam sujeitas a revisão. “Como poderia uma narrativa não revisada entrar na esfera pública de forma tão abrangente?”, indagam as duas autoras, lembrando que o programa esteve entre os mais vistos na África do Sul na semana de seu lançamento. Elas avaliam que os preprints cumprem um papel importante, como foi o caso da divulgação rápida de pesquisas sobre a Covid-19 durante a pandemia, mas argumentam que esse senso de urgência não se aplica a qualquer disciplina ou situação. “A paleoantropologia não é uma área que necessita de investigação urgente e de avanços rápidos. Dado o enorme e amplo interesse público na evolução humana e nas nossas origens, esse campo de investigação se beneficia de uma investigação muito mais lenta, comedida e cuidadosa”, escreveram. “Não há nenhuma necessidade demonstrável de vender ao público uma narrativa não revista”. Berger não se posicionou sobre as críticas.

Em setembro do ano passado, outra ação midiática promovida por Berger foi criticada pelas duas colegas. Dois fragmentos de fósseis do Homo naledi fizeram uma viagem de oito horas ao espaço no bolso do bilionário sul-africano Timothy Nash, a bordo da nave espacial VSS Unity, da empresa Virgin Galactic.

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