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Neurologia

Conexão banana

Sinal elétrico enviado diretamente para o cérebro fornece pista a macacos de onde encontrar comida

UNIVERSIDADE DUKEUm experimento com macacos-da-noite comprovou que eles são capazes de interpretar múltiplos sinais elétricos transmitidos diretamente para seus cérebros, aprimorando os resultados alcançados em um teste de adivinhação. Conduzido pela equipe do neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, esse trabalho representa um passo importante para a compreensão de como o cérebro funciona e para o desenvolvimento de tecnologias que possibilitem construir próteses robóticas mais facilmente controláveis e que reproduzam algumas características do corpo humano, como o tato ou a sensibilidade à temperatura. A aposta dos pesquisadores é que, se deu certo com macacos, deve funcionar com seres humanos, já que o cérebro de ambos apresenta estrutura parecida e funciona de modo semelhante.

“Há um grande interesse no desenvolvimento dessa área, pois se acredita que os microeletrodos poderão servir como um canal artificial para transmitir ao cérebro as sensações perdidas por causa de danos neurológicos ou para transmitir sensações da prótese de um membro”, diz Nicolelis, que, anos atrás, já percorreu o caminho inverso: usou os sinais elétricos captados por microeletrodos implantados no cérebro de macacos para movimentar um braço robótico.

Dessa vez, no laboratório da Universidade Duke, Estados Unidos, os pesquisadores submeteram duas fêmeas de macaco-da-noite (Aotus trivirgatus) a 40 sessões de um teste que, de início, lembrava brincadeira de criança, mas gradualmente se tornou complexo e sofisticado. Numa primeira etapa, ele e os neurofisiologistas Nathan Fitzsimmons, Weying Drake e Mikhail Lebedev simplesmente treinaram as macacas para apontar atrás de qual de duas portas de madeira estaria escondido um pedaço de banana. Antes, porém, davam uma pista: deixavam-nas ver a porta em que estava a comida através de uma barreira de vidro.

Quando elas se tornaram craques em encontrar o lanche, os pesquisadores começaram a dificultar as coisas. Em vez de abrir a porta da caixa em que estava a banana para que elas espiassem, passaram a acionar um pequeno vibrador no ombro correspondente à porta com o alimento. Se as macacas errassem, uma pessoa da equipe imediatamente retirava a banana da outra porta para evitar que usassem a falha como uma pista de onde estava a comida.

O passo seguinte foi substituir o pequeno tremor, que funcionava como um leve toque no ombro, por sinais elétricos transmitidos diretamente para a região do cérebro — o córtex somatossensorial — que interpreta as sensações de dor, frio e calor da mão. Durante um período de transição, Nicolelis e sua equipe repetiram os experimentos fornecendo simultaneamente os dois tipos de pista — a vibração no ombro e os sinais elétricos no cérebro “, até que elas aprendessem a associá-los. Por volta da 35a sessão do teste, as duas voluntárias de grandes olhos castanhos alcançaram um nível de acerto superior a 85%, mostrando que haviam aprendido a usar a pista dada pelos pesquisadores.

Como os eletrodos foram implantados apenas no hemisfério esquerdo do cérebro, responsável pela sensibilidade do lado direito do corpo, Nicolelis recorreu a uma estratégia um pouco mais rebuscada. Com o auxílio de um computador, passou a enviar para os eletrodos no cérebro das macacas duas seqüências de pulsos elétricos com 4 segundos de duração cada um: pulsos curtos ou pulsos longos. A seqüência de pulsos curtos, com duração de 150 milissegundos intercalados por intervalos de 100 milissegundos, indicava que a porta correta era a da direita. Já a seqüência de pulsos longos (300 milissegundos de duração e intervalos de 200 milissegundos) significava: a comida está atrás da porta esquerda. Dessa vez as macacas alcançaram um bom nível de desempenho mais rápido, já na oitava sessão, como descrevem os pesquisadores em artigo publicado na edição de 23 de maio de Journal of Neuroscience.

Depois que aprenderam a diferenciar as dicas codificadas na forma de pulsos longos e curtos — informação que os pesquisadores chamaram de temporal —, as macacas tiveram de lidar com mais um desafio: identificar a ordem em que os quatro microeletrodos eram acionados. Nessa etapa do experimento, em vez de enviar os pulsos simultaneamente para todos os eletrodos, Nicolelis passou a acioná-los em seqüência — A, B, C e D, significando “porta da direita”, ou D, C, B e A, “verifique a porta esquerda” “, associando uma característica espacial à informação, que as macacas conseguiram interpretar mais rápido ainda.

“Acreditamos que essa espécie de macaco consiga compreender ao menos dez formas de estímulos espaço-temporais, número que certamente poderia ser ultrapassado pelos seres humanos”, diz Nicolelis, que ainda desenvolve pesquisas na Universidade Politécnica de Lausanne, na Suíça, e no Instituto Internacional de Neurociência de Natal Edmondo e Lily Safra, no Rio Grande do Norte.

Esses resultados são importantes para que se compreenda como o cérebro responde a esses estímulos e os usa para controlar o comportamento. Segundo Nicolelis, ainda que seja quase impossível reproduzir o funcionamento natural dos neurônios por meio de pulsos elétricos enviados para eletrodos implantados no cérebro, a fidelidade dessa transmissão de informações pode ser suficiente para melhorar a qualidade de vida de usuários de próteses robóticas. A outra boa notícia é que os microeletrodos não danificam o sistema nervoso, mesmo quando usados por longos períodos.

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