Uma das revoluções tecnológicas do fim do século XX foi a introdução de fibras ópticas e lasers nos sistemas de comunicação para substituir cabos e fios de cobre e permitir um maior tráfego de voz, dados e imagens. Gradativamente, esse sistema de transformar informações em sinais de luz passou a prevalecer na interligação de grandes distâncias e nos cabos submarinos que unem os continentes. Agora, as fibras ópticas começam a ser instaladas nas residências, levando sinais de TV, telefonia e acesso à internet. No Brasil, a pesquisa em comunicações ópticas começou na Unicamp, no início dos anos 1970, quase ao mesmo tempo que nos Estados Unidos. Foi uma trajetória contínua, em que o conhecimento gerado contribuiu para a formação de especialistas e resultou em pelo menos 10 empresas, criadas por ex-alunos e professores ou diretamente influenciadas pelos estudos realizados na universidade.
Criado em 1967, o Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) reuniu um grupo de pesquisadores que estavam fora do país para criar uma área de física aplicada. Foram convidados nomes como o físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite e o engenheiro elétrico José Ellis Ripper Filho, pesquisadores do Bell Telephone Laboratories (Bell Labs), o centro de pesquisa das empresas American Telephone & Telegraph (AT&T) e Western Electric, nos Estados Unidos. Os dois são formados no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). “O Rogério liderava um grupo de jovens brasileiros que estudavam ou trabalhavam nos Estados Unidos e todos pensavam em voltar para o Brasil. Ele tentou nos trazer para a Universidade de Brasília (UnB) e para a Universidade de São Paulo (USP), mas não deu certo. Conseguiu com a Unicamp e nós viemos também porque seria criada uma espécie de polo tecnológico em Campinas, como nos disse o professor Zeferino Vaz”, diz Ripper. “Ele tratou pessoalmente com cada um da vinda para a universidade.”
O projeto de unificação das telecomunicações foi um dos desdobramentos da política de integração nacional, avaliada pelo regime militar da época como condição fundamental para o desenvolvimento. Para os militares, era importante unir o país pelas telecomunicações. Em 1972, foi criada a Telecomunicações Brasileiras (Telebras) para reunir as empresas estaduais de telefonia e a Embratel. Antes de criar um centro de pesquisa, a Telebras decidiu investir em grupos na universidade. No ano seguinte, a estatal já firmava os três primeiros contratos. Um foi com a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) para um projeto de antenas. Dois foram com a Unicamp: o Projeto de Transmissão Digital, sob a coordenação do professor Rege Scarabucci, da Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação (Feec), e outro com o IFGW, sobre sistema de comunicação por laser, coordenado por Ripper. Apenas para o último foram destinados no começo dos trabalhos o equivalente a US$ 290 mil, em valores da época.
Físicos repatriados
Ainda em 1972, chegou ao IFGW, a convite de Zeferino, o físico Sergio Porto, professor da Universidade do Sul da Califórnia (EUA). Além de criar o Departamento de Eletrônica Quântica, Porto formou um grupo de fibras ópticas que incluiu outro brasileiro repatriado dos Estados Unidos, José Mauro Leal Costa, que havia feito doutorado na Universidade Católica da América sobre vidro para fibra óptica. Também participaram do grupo os físicos James Moore e Collin Rouse, norte-americanos, Ramakant Srivastava, indiano, Eric Bochove, holandês, Willy Meyer, suíço, e Wolfang May, alemão.
Ao mesmo tempo, em 1973, a empresa norte-americana Corning Glass, que viria a ser a líder mundial no desenvolvimento de fibras ópticas, anunciou a primeira fibra óptica comercial de baixa perda de luz ao longo da trajetória. Antes, em 1970, Zhores Alferov, do Instituto de Física Ioffe, na Rússia, inventara o laser de semicondutor que operava a temperatura ambiente. Logo depois, o Bell Labs anunciou que também havia desenvolvido esse dispositivo. Assim, em 1975, já existiam os dois ingredientes para as comunicações ópticas: a fibra e o laser a diodo. No fim daquele ano, a primeira conexão não experimental foi realizada em Dorset, na Inglaterra.
“Para quem trabalhava na área, tornou-se óbvio que esse sistema seria dominante”, lembra Ripper. Dois anos depois, a Telebras decidiu criar o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), com o objetivo de desenvolver e produzir equipamentos para a expansão da telefonia, principalmente uma estação telefônica digital, que seria chamada de Trópico, a primeira do país. O local escolhido foi Campinas, devido à promessa de Zeferino ao presidente da Telebras, general José Antônio de Alencastro e Silva, que a cidade seria um polo tecnológico. “A instalação do CPqD junto à Unicamp se deu porque lá existia um núcleo de profissionais que conheciam a área e porque a Telebras já tinha investido em grupos de pesquisa da universidade”, comenta a socióloga Maria Conceição da Costa, do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. “Mas em primeiro lugar estava a vontade política de desenvolver tecnologia nacional”, explica a pesquisadora, que apresentou a sua dissertação de mestrado, em 1991, sobre a política de telecomunicações no país entre 1962 e 1987.
Celeiro de inovações
O CPqD viria a ser nos anos seguintes um grande desenvolvedor de tecnologia para empresas do setor. Muitas dessas tecnologias começaram a ser elaboradas para o mercado brasileiro na Unicamp. Em 1977, foi finalizada no IFGW a primeira fibra óptica dedicada a sistema de telecomunicações. A tecnologia foi repassada para o CPqD, que montou uma fábrica-piloto de fibras ópticas. Ao longo dos anos, a parceria entre a Unicamp, responsável pela formação de pessoal e pela demonstração de conceitos da fotônica, e o CPqD, focado no desenvolvimento de protótipos e modelos pré-industriais, gerou novas tecnologias e deu origem a várias empresas de comunicações e sistemas ópticos (confira no quadro acima).
Muitos pesquisadores da universidade se transferiram para o centro para dar continuidade a seus projetos. Um deles foi José Mauro Costa, que foi trabalhar no CPqD e depois se transferiu para a empresa ABC Xtal, para montar a primeira fábrica de fibras ópticas, com sede em Campinas, ao lado do campus do CPqD. O primeiro lote de 500 quilômetros de fibra óptica foi produzido em 1984.
Outros como Ripper e Scarabucci foram trabalhar na Elebra, empresa nacional de equipamentos eletrônicos. Em 1989, Ripper criou a AsGa, uma empresa que inicialmente produziu lasers para comunicações ópticas. Depois focou na área de equipamentos que, por exemplo, amplificam o sinal dos lasers nas redes de fibras ópticas ou transformam os elétrons dos fios de cobre das redes tradicionais em sinais de luz e vice-versa. Mais tarde, Scarabucci ocupou o cargo de diretor de pesquisa e desenvolvimento da empresa.
Com a saída de vários professores do grupo de comunicações ópticas, novos pesquisadores começaram a se fixar no IFGW para dar continuidade à área de lasers e comunicações ópticas. Um deles é Carlos Henrique de Brito Cruz, atual diretor científico da FAPESP e reitor da Unicamp (2002-2005). Formado em engenharia eletrônica no ITA, fez mestrado e doutorado, entre 1978 e 1983 no IFGW, tendo o laser como tema. Outro é Hugo Fragnito, graduado em física na Universidade de Buenos Aires, que veio fazer o doutorado na Unicamp também em lasers, finalizado em 1984. Um terceiro é Carlos Lenz, com mestrado e doutorado na Unicamp. Os três fizeram pós-doutorado no Bell Labs e voltaram para o IFGW como professores.
Eles foram responsáveis, junto com pesquisadores como Luiz Carlos Barbosa, pela segunda geração de estudos em lasers e comunicações ópticas. A preocupação era trabalhar com fenômenos e interações da luz com os materiais das fibras ópticas, por exemplo. “No início dos anos 1990, reconhecemos que o mais importante naquele momento era ter amplificadores ópticos, porque o gargalo nas comunicações ópticas eram os repetidores”, lembra Fragnito. Esses equipamentos, ao longo de alguns quilômetros, fazem a amplificação da luz após o decaimento da energia luminosa. “Transmissores e receptores dos lasers operavam a baixas taxas de transmissão de bits.” A perspectiva no fim dos anos 1990 era de aumento do uso da internet. Com isso, a pesquisa se direcionou para amplificadores, principalmente para seu uso em sistemas DWDM, ou Multiplexação Densa por Divisão de Comprimento de Onda, que aumenta a capacidade de transmissão das fibras ópticas
O avanço nos estudos ganhou impulso com a aprovação em 2000 do Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (Cepof), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da FAPESP, que durou até 2014 e teve investimento de R$ 24 milhões. “Dedicamo-nos à tecnologia DWDM, conseguimos trazer temas relevantes cientificamente na área de comunicações ópticas e partimos para a formação de pessoas de alto nível. Também criamos uma infraestrutura moderna para fazer pesquisa de ponta para design e fabricação de chips e dispositivos fotônicos. Muitos desses equipamentos foram usados em testes de campo na rede Kyatera”, diz Fragnito. A Kyatera foi uma rede de fibra óptica financiada pela FAPESP para experimentos de novas aplicações em internet com altas velocidades de transmissão.
Transferência de tecnologias
Parte do conhecimento gerado nos amplificadores ópticos e sistemas DWDM está hoje nos aparelhos da empresa Padtec, criada em 2001 pelo CPqD para fabricar e comercializar equipamentos para redes ópticas. Novamente entrou em ação a sequência de geração de conhecimento na Unicamp, o desenvolvimento no CPqD e o repasse da tecnologia para a indústria. Outro caso similar é o da BrPhotonics, também criada no CPqD sob inspiração de pesquisas feitas no Cepof. Ela produz chips integrados a transmissores com laser e modulador óptico destinados a aplicações de longo alcance e altas taxas de transmissão (100 gigabits por segundo).
Durante o Cepof, também avançaram os experimentos de lasers em biologia molecular, ou biofotônica, com o grupo de Carlos Lenz. Outro ganho do Cepof foi a criação de fibras de cristal fotônico, uma nova geração de fibras que podem ser usadas como sensores na biologia e na química, na análise de gases e líquidos, por exemplo. Os estudos realizados pelo Cepof continuaram no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Fotônica para Comunicações Ópticas (Fotonicom) também sob a liderança de Hugo Fragnito. Na Faculdade de Engenharia Elétrica e da Computação (Feec), um resultado importante foi alcançado este ano, quando pesquisadores bateram o recorde mundial de transmissão de dados em sistemas ópticos.
Segundo Fragnito, que se aposentou da Unicamp, o Cepof também deixou como legado uma nova geração de pesquisadores que continua com os desenvolvimentos em comunicações ópticas no Brasil e no exterior. É o caso de Cláudio Mazzali, ex-aluno de graduação e doutorado do IFGW, que hoje é vice-presidente de tecnologia da área de Comunicações Ópticas da Corning, nos Estados Unidos. “A empresa me convidou para trabalhar quando fazia meu pós-doutorado junto ao CPqD”, recorda-se Mazzali. “Sem a formação de excelência recebida na Unicamp não teria chegado onde cheguei.”
Alguns ex-alunos trabalham hoje no próprio IFGW. “Os professores mais velhos estão dando lugar a novos contratados. São pessoas novas liderando projetos de vanguarda”, conta Paulo Dainese, que ocupa a chefia do laboratório no lugar de Fragnito. Depois de fazer mestrado e doutorado na Unicamp, o físico trabalhou por sete anos na Corning.
O grupo se prepara para inaugurar um prédio novo dedicado à fotônica, que ficará pronto em dezembro deste ano. Para Dainese, os desafios científicos e tecnológicos nas comunicações ópticas ainda são grandes. “Os desafios estão nas pontas, em equipamentos para interconectar e distribuir os sinais de luz em grandes distâncias. Outro problema é o crescimento exponencial do serviço de internet e transmissão de dados. Em cinco anos, uma fibra óptica se torna obsoleta. As pesquisas se direcionam cada vez mais para o aumento da capacidade de transmissão das fibras ópticas. E esse aumento pode criar enormes problemas que precisarão ser resolvidos”, comenta.
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