Depois que Plutão foi destituído do status de planeta em agosto de 2006 pela União Astronômica Internacional (IAU) por ser muito parecido com novos objetos então recém-descobertos além da órbita de Netuno, a hipótese de que ainda poderia haver mundos a serem descobertos nos confins do Sistema Solar voltou a ser aventada com certo entusiasmo. Porém, nos 10 anos seguintes, nada de muito significativo ou excitante saiu dessas buscas.
Até que em 2016 dois astrônomos do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), Mike Brown e Konstantin Batygin, publicaram um artigo no periódico The Astronomical Journal formalizando uma ideia sugerida dois anos antes por Chadwick Trujillo, da Universidade do Norte do Arizona, e Scott Sheppard, da Carnegie Institution for Science: muito além do cinturão de Kuiper, na periferia do Sistema Solar, deve haver um planeta gigante desconhecido. O cinturão é uma região em forma de anel que se inicia logo depois de Netuno, o planeta mais distante do Sol. É constituído por milhões de corpos gelados de tamanhos variados – pequenos, médios e grandes, um dos maiores sendo o próprio Plutão.
Não havia (e não há até hoje) nenhuma prova observacional da existência desse suposto mundo novo, apelidado por Brown e Batygin de Planeta 9. Mas, segundo os defensores dessa hipótese, sua presença seria a melhor explicação para dar conta do estranho padrão de movimentação de aproximadamente uma dezena de objetos do cinturão de Kuiper que foram identificados nos últimos 20 anos, como o planeta anão Sedna e corpos designados apenas por nomes técnicos, compostos de números e letras. Esses astros apresentam uma órbita elíptica extremamente alongada que sempre se desloca para uma mesma região do céu. Sua movimentação pouco usual seria decorrente de interações gravitacionais com o desconhecido e avantajado Planeta 9 (ver figura abaixo).
Um trabalho coordenado por astrofísicos brasileiros, publicado em fevereiro deste ano na versão on-line da revista científica Icarus, refina essa hipótese e calcula quais seriam a massa e a localização do Planeta 9 mais compatíveis com a atual configuração do Sistema Solar, inclusive com as órbitas inusitadas de corpos do cinturão de Kuiper.
Segundo o estudo, baseado em simulações computacionais que tentam reproduzir a formação da parte mais externa do Sistema Solar há 4,5 bilhões de anos e sua evolução até hoje, o Planeta 9 deveria ter uma massa 7,5 vezes maior do que a da Terra e se localizaria a aproximadamente 600 unidades astronômicas (AU). Ou seja, estaria 600 vezes mais longe do Sol do que a Terra (uma AU equivale à distância média da Terra ao Sol, cerca de 150 milhões de quilômetros). Para efeito de comparação, cabe destacar que Netuno fica a cerca de 30 AU do Sol.
“Com esses parâmetros, o Planeta 9 leva, em nossas simulações, à formação dos quatro planetas gigantes gasosos (Júpiter, Saturno, Urano e Netuno), do cinturão de Kuiper e de toda a parte mais externa do Sistema Solar com características similares às que atualmente conhecemos. Houve um match perfeito”, diz o astrofísico Rafael Ribeiro, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Guaratinguetá, autor principal do estudo. “Trabalhos anteriores, de outros grupos de pesquisadores, apontavam que o Planeta 9 deveria ter uma massa de 10 a 15 vezes maior do que a da Terra.”
Um dos grandes diferenciais do artigo é ter conseguido reproduzir nas simulações a geração de uma classe muito rara de objetos do Sistema Solar, os cometas eclípticos de porte pequeno. A órbita desse tipo de corpo segue o mesmo plano da Terra e seu período orbital (tempo que demora para dar uma volta ao redor do Sol) é muito curto, da ordem de 20 anos. Apenas quatro cometas eclípticos, com diâmetro maior do que 10 quilômetros, são conhecidos.
No modelo computacional, com a introdução do Planeta 9 no cenário de formação do Sistema Solar, a quantidade gerada desses corpos errantes com características especiais variou de 1,8 a 3,6, resultado da mesma ordem de grandeza dos quatro cometas eclípticos conhecidos. “O trabalho demonstra que os parâmetros mais atualizados e refinados que propomos para o Planeta 9 são amplamente consistentes com a existência dessa população de cometas”, comenta o astrofísico brasileiro André Izidoro, da Universidade Rice, nos Estados Unidos, outro autor do estudo.
No artigo, os pesquisadores ainda estimam o grau de excentricidade da provável órbita do Planeta 9 – quanto alongada seria sua trajetória em torno do Sol – e seu plano de inclinação, de cerca de 20 graus, em relação aos demais planetas. No Sistema Solar, os planetas conhecidos giram em torno da estrela-mãe com inclinações próximas a zero grau. “Basicamente, o que fazemos nas simulações é introduzir o hipotético Planeta 9 no processo de formação do Sistema Solar e ver quais resultados são produzidos”, explica o físico Othon Winter, coordenador do grupo de dinâmica orbital e planetologia da Unesp, que também assina o trabalho. “Alterando a massa e a distância, testamos se alguma configuração do Planeta 9 é compatível com a formação de um sistema como o nosso.” A abordagem não prova a existência de um novo mundo. Apenas sugere que o Planeta 9, com certa massa e localização, não é incompatível com a existência do Sistema Solar.
Se esse novo mundo de fato existir e estiver onde o artigo sugere, será um desafio obter uma prova cabal de sua presença nos fundos do Sistema Solar. Um corpo celeste situado a 600 AU estaria muito além dos domínios do cinturão de Kuiper, cujos objetos se encontram, grosso modo, entre 30 e 50 unidades astronômicas do Sol. Por ora, não há instrumentos de observação capazes de enxergar com clareza o que existe para além do cinturão, estrutura que se encontra 20 vezes mais perto da Terra do que o recôndito onde poderia estar o Planeta 9. A rigor, segundo os cálculos dos brasileiros, esse mundo estaria “perdido no espaço interestelar” entre o fim do cinturão e o início da hipotética nuvem de Oort.
Diferentemente do cinturão de Kuiper, que comprovadamente existe e é muito menor, a nuvem de Oort permanece como uma proposição teórica, embora amplamente aceita pela comunidade de astrofísicos. É descrita como uma grossa bolha ou esfera que envolveria todo o Sistema Solar. A exemplo do cinturão, seria formada por corpos rochosos gelados de tamanho variado, restos da formação do Sistema Solar. Sua borda teria início a 2 mil AU do Sol, quase 3,5 vezes mais distante do que a localização prevista no novo estudo para o Planeta 9. Cometas com períodos longos, que demoram mais de 200 anos para dar uma volta em torno do Sol, seriam originários da nuvem de Oort.
Há expectativa de que o Observatório Vera Rubin, em fase final de construção no Chile e previsto para entrar em operação ainda em 2025, consiga confirmar ou descartar a existência do Planeta 9 após um ou dois anos de funcionamento. Financiado pela National Science Foundation (NSF) e pelo Departamento de Energia (DOE), ambos dos Estados Unidos, o telescópio tem um espelho de 8,4 metros (m) e conta com a maior câmera astronômica já construída, de 3.200 megapixels. Uma de suas primeiras missões é fazer uma varredura detalhada do Sistema Solar, incluindo a enorme região depois de Netuno onde o hipotético novo mundo pode estar. “Com um pouco de sorte, é possível que o Vera Rubin consiga observar o planeta onde achamos que ele possa estar”, comenta Winter.
Mesmo que não tenha sucesso em produzir imagens de um novo mundo nos confins do Sistema Solar, o observatório situado nos Andes chilenos poderá, ao menos, reforçar ou descartar a principal crítica direcionada aos defensores da hipótese do Planeta 9. Os céticos em relação à existência desse planeta argumentam que não há evidências indiretas robustas de que exista um novo mundo desconhecido além da órbita de Netuno. A propalada tendência de alguns objetos do cinturão de Kuiper de exibir uma órbita extremamente alongada que penda sempre para a mesma região do céu, formando uma espécie de cluster de objetos em razão da presença do Planeta 9, não passaria de uma ilusão provocada por um viés observacional. Corpos que estão na fase de sua órbita mais perto do Sol e em um plano similar ao dos planetas são mais fáceis de serem flagrados do que objetos em outras condições.
“Nossos dados dos objetos mais extremos [situados depois de Netuno] são completamente consistentes com uma distribuição aleatória”, disse no ano passado, à revista Astronomy, a astrofísica Samantha Lawler, da Universidade de Regina, no Canadá, que estuda corpos celestes do cinturão de Kuiper. “Realmente, não acho que exista cluster algum.”
De qualquer forma, há consenso de que a entrada em funcionamento do observatório no Chile será importante para encaminhar os estudos sobre a procura de novos mundos no Sistema Solar. “O Vera Rubin pode não descobrir o planeta diretamente, mas vai nos permitir entender se as estranhas órbitas de alguns objetos distantes do cinturão de Kuiper realmente existem ou se são um viés de nossas observações atuais”, diz, em entrevista por e-mail a Pesquisa FAPESP, o astrofísico italiano Alessandro Morbidelli, do Observatório da Côte d’Azur, em Nice, na França. “Ele vai fazer um mapeamento exaustivo nessa região. Se as órbitas desses objetos forem reais, o planeta estará lá.” Um dos maiores especialistas na dinâmica sobre a formação do Sistema Solar, Morbidelli assina o artigo na Icarus com os colegas brasileiros.

NASA / Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory / Southwest Research Institute Por 76 anos, Plutão foi considerado um planeta, até ser rebaixado à categoria de planeta anãoNASA / Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory / Southwest Research Institute
A queda de Plutão Desde que não seja um satélite natural, como a Lua, um corpo celeste do Sistema Solar merece o status de planeta apenas se obedecer a três condições: estar em órbita em torno do Sol; ter massa suficiente para que sua gravidade o leve a apresentar uma forma quase redonda; e ter a vizinhança de sua órbita livre de objetos significativos que pudessem entrar no seu caminho. Foi com esse trio de regras objetivas que a União Astronômica Internacional (IAU) aposentou, em 26 de agosto de 2006, o conceito antigo e vago de planeta, associado à ideia de um corpo errante e luminoso que podia ser visto no céu.
Os oito primeiros planetas do Sistema Solar (Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno) se encaixavam na nova caracterização. O então ainda considerado nono planeta, o caçulinha da turma, descoberto apenas em 1930, não. “Plutão é um ‘planeta anão’ segundo a definição acima e é reconhecido como o protótipo de uma nova categoria de Objetos Transnetunianos [situados depois de Netuno]”, escreveu a direção da IAU na resolução B6 divulgada naquela data.
No mesmo documento, a entidade determina que um planeta anão, além de não ser um satélite, deve obedecer às duas primeiras condições impostas aos planetas, mas não precisa ter sua órbita livre de outros corpos celestes.
As decisões da resolução resguardaram o conceito de planeta dentro do Sistema Solar para apenas oito objetos conhecidos. Se a mudança não tivesse sido adotada, outros objetos do cinturão de Kuiper, muito parecidos com Plutão, também teriam de ser considerados planetas. Descoberto em 2005, o objeto transnetuniano denominado Éris era um desses casos. Com massa maior que a de Plutão, chegou a ser anunciado como um novo planeta – até que a resolução da IAU barrou sua entrada no clube planetário, expulsou Plutão da turma e reduziu seus membros a oito.
A reportagem acima foi publicada com o título “Na órbita do Planeta 9” na edição impressa nº 351 de maio de 2025.
Projeto
A relevância dos pequenos corpos em dinâmica orbital (n° 16/24561-0); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Othon Winter (Unesp); Investimento R$ 5.073.662,49.
Artigos científicos
SOUSA, R. R. et al. Reassessing the origin and evolution of ecliptic comets in the planet-9 scenario. Icarus. 19 fev. 2025.
BATYGIN. K. e BROWN. M. E. Evidence for a Distant Giant Planet in the Solar System. The Astronomical Journal. 20 jan. 2016.
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