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Boas práticas

Confissões perturbadoras

Pesquisadores chineses admitem que cometeram má conduta para ampliar sua produtividade acadêmica

Protegidos pelo anonimato, 30 pesquisadores e cinco estudantes de três universidades de elite da China deram depoimentos desconcertantes sobre a prevalência de desvios éticos no ambiente acadêmico. “Não tive outra escolha a não ser cometer má conduta. Comprei o acesso a um conjunto de dados e os alterei para apoiar minhas hipóteses”, disse um dos pesquisadores. “Tive de empregar outros métodos para garantir que a minha produtividade em pesquisa cumprisse os critérios de promoção. Depois de ser promovido a professor associado, fiquei preocupado com a possibilidade de a minha má conduta ser denunciada por outras pessoas à universidade. Mas nada aconteceu até agora”, contou outro. “Como líderes, estamos bem cientes da má conduta acadêmica no corpo docente (…). Contanto que eles publiquem seus artigos, isso é tudo o que a universidade e os professores precisam”, afirmou um chefe de departamento. “Não devemos ser excessivamente rigorosos na identificação e punição de má conduta em pesquisa porque isso prejudica a eficiência dos nossos professores”, admitiu um pró-reitor.

As entrevistas foram feitas por dois pesquisadores, o sociólogo Xinqu Zhang e o criminologista Peng Wang, da Universidade de Hong Kong. Elas embasam um artigo científico publicado em abril na revista Research Ethics sobre os efeitos colaterais de um programa criado em 2015 pelo governo chinês, que ofereceu financiamento extra para que um conjunto de 140 instituições se consolidassem como “universidades de classe mundial” – as que tivessem desempenho insuficiente corriam o risco de perder o lugar na lista. Uma das conclusões do artigo foi de que os pesquisadores se sentiram até encorajados a cometer desvios éticos para proteger seus empregos. Isso porque os dirigentes acadêmicos, para atingir as metas esperadas, estabeleceram critérios exageradamente ambiciosos para a progressão na carreira dos docentes, mas ao mesmo tempo deixaram de implementar de forma deliberada mecanismos de controle para prevenir a má conduta.

O estudo foi recebido com críticas no meio científico da China. Zheng Wenwen, responsável pela integridade de pesquisa no Instituto de Informação Científica e Técnica da China, vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, disse à revista Nature que o tamanho da amostra é muito pequeno para gerar conclusões confiáveis – só três das 140 instituições ligadas ao programa foram estudadas. Ele conta que, em 2020, o governo lançou novas orientações para o programa deixando claro que as avaliações deveriam ser abrangentes e não se basearem apenas no número de artigos publicados. Segundo Wenwen, o problema não estava no programa, mas na “ênfase insuficiente na educação para a integridade” dentro das universidades. Em 2020, o governo da China também baniu as recompensas em dinheiro para pesquisadores que publicam em revistas de prestígio e instituiu punições pesadas para quem cometer má conduta, como publicar artigos fornecidos por “fábricas de papers”, serviços ilegais que produzem artigos sob demanda, muitas vezes com dados falsificados.

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