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Espaço

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Programa Uniespaço desenvolve inovações tecnológicas para projetos de foguetes e satélites

UFMGMicroscopia de resina polimérica pura e reforçada com nanotubos de carbonoUFMG

Até o fim do ano, se tudo correr bem, o protótipo de um novo foguete de alumínio, totalmente projetado e construído no Brasil, estará pronto para ser lançado ao espaço do Centro de Lançamento da Barreira do Inferno, em Natal, no Rio Grande do Norte. O veículo, com 3,2 metros de comprimento, está sendo finalizado por pesquisadores do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade de Brasília (UnB). Ele faz parte de um dos 15 projetos integrantes do Programa Uniespaço, mantido pela Agência Espacial Brasileira (AEB), que tem como objetivo promover a inserção da comunidade científica nacional no Programa Espacial Brasileiro e fomentar o desenvolvimento de novas tecnologias para o setor. Depois de quase três anos de pesquisas – e o envolvimento de cerca de 50 pesquisadores de diversas universidades e institutos de pesquisa -, os resultados estão aparecendo.

“Os 15 projetos têm grande aplicabilidade em atividades da AEB em áreas como lançamentos de veículos espaciais e satélites, computadores de bordo para aplicação espacial, sensores e atuadores para sistemas de controle de atitude em satélites e materiais destinados a suportar altas temperaturas”, diz José Bezerra Pessoa Filho, chefe da Divisão de Sistemas Espaciais do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), de São José dos Campos, e membro da Comissão Técnico-científica do Uniespaço.

Além do desenvolvimento dessas novas tecnologias, os projetos também contribuem para formar mão-de-obra especializada para o programa espacial, que conta com uma ousada agenda de missões para os próximos anos. O país pretende promover, até 2014, o lançamento de três versões do Veículo Lançador de Satélites (VLS), além de colocar em órbita ou participar de trabalhos conjuntos em mais de uma dezena de satélites científicos, meteorológicos, de telecomunicações e de observação da Terra. Um desses macroprojetos é a segunda geração dos Satélites Sino-Brasileiros de Recursos Terrestres (Cbers-3 e 4), previstos para serem lançados em 2008 e 2011, respectivamente, levando a bordo câmeras totalmente produzidas no país (veja quadro). Antes disso, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) espera lançar, em maio de 2007, o Cbers-2B em substituição ao segundo satélite da série, que foi para o espaço em 2003.

O foguete projetado pela UnB é um bom exemplo do sucesso do Uniespaço, que recebeu verba de R$ 1 milhão do governo federal para financiar os projetos. O veículo, projetado para ultrapassar 10 mil metros de altitude, dispõe de uma tecnologia inédita na América Latina: seu propulsor é dotado de um sistema híbrido que funciona a partir da mistura de um oxidante líquido, o óxido nitroso (N2O), e um combustível sólido, a parafina, semelhante à usada na fabricação de velas. A principal vantagem desse tipo de combustível é que ele é mais barato e simples de ser operado. “Graças a uma válvula que controla a injeção do oxidante líquido, a combustão pode ser interrompida a qualquer momento e, por isso, sua manipulação é mais segura”, diz o professor Carlos Alberto Gurgel, coordenador do projeto. Sem falar que o combustível híbrido não é tóxico nem poluente.

O trabalho começou a ser desenvolvido por alunos de graduação de engenharia mecânica da UnB, em 2000, no âmbito do Programa Uniespaço, e foi liderado pelo engenheiro Ricardo Contaifer. Os resultados podem, no futuro, ajudar o país a adquirir tecnologia para uso de combustíveis líquidos em foguetes, a mais utilizada em veículos espaciais.

A pesquisa conduzida pelo engenheiro mecânico Carlos Henrique Marchi, coordenador do programa de pós-graduação em engenharia mecânica da Universidade Federal do Paraná (UFPR), também está associada ao desenvolvimento de foguetes de grande porte, maiores do que o VLS, que usam oxigênio e hidrogênio líquidos como propelentes. A finalidade principal desse projeto é criar aplicativos (softwares) que permitam projetar esses motores, usados atualmente pelo foguete francês Ariane e pelos ônibus espaciais norte-americanos, entre outros. “São objetivos da pesquisa prever o empuxo (ou força) produzido pelo motor, a temperatura máxima atingida pelas paredes desse mecanismo e a queda de pressão de escoamento do líquido refrigerante ao longo dos canais em torno do motor-foguete”, destaca Marchi.

De acordo com o pesquisador, são poucos os grupos de pesquisa em nível mundial que se debruçam sobre os três subsistemas: escoamento do motor junto com a condução de calor para a parede e o escoamento nos canais. “E mesmo esses grupos não realizam a estimativa dos erros numéricos envolvidos na solução do problema”, ressalta. “É preciso estimar o erro numérico de uma simulação. Assim, é possível comparar de forma adequada resultados experimentais com numéricos e verificar se o modelo de simulação reproduz o fenômeno real.”

Outra pesquisa importante para o país avançar na exploração espacial está se desenrolando nos laboratórios da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Lá, o engenheiro elétrico Francisco das Chagas Mota coordena um grupo que desenvolve um receptor de GPS (sigla em inglês para Sistema de Posicionamento Global por Satélites) para ser usado em veículos espaciais como foguetes de sondagem e satélites. “O equipamento serve para determinar com precisão a velocidade e a posição do foguete ou do satélite no espaço. Sua principal inovação é a incorporação de certas características, principalmente de software, que não estão presentes em receptores disponíveis comercialmente, como a capacidade de funcionar em elevadas altitudes e em alta velocidade sem perder o sincronismo com o sinal do satélite”, afirma Mota.

O projeto está na fase final de montagem da máquina e, caso não ocorram imprevistos, o receptor será instalado em um foguete de sondagem a ser enviado ao espaço no próximo ano, a partir da Barreira do Inferno. “Atualmente os foguetes de sondagem lançados no país empregam receptores de GPS importados. Com esse projeto, dominaremos a tecnologia de GPS adequada a esses veículos e, futuramente, para utilização em satélites.”

O físico Marcelo Carvalho Tosin, do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Estadual de Londrina (UEL), e o professor Francisco Granziera Júnior trabalham no desenvolvimento de um artefato com potencial para ser embarcado em veículos aeroespaciais. Trata-se de um aparelho capaz de calcular em tempo real a atitude a partir de sinais digitalizados de sensores microelétrico-mecânicos ou MEMS (Micro-Electro-Mechanical Systems). “A atitude de um objeto é a orientação que este apresenta em relação a um eixo de coordenadas fixas (latitude, longitude e altitude)”, explica o pesquisador. Saber a atitude e o movimento de um objeto é importante em diversas aplicações, como, por exemplo, para um piloto reconhecer e prever a sua trajetória durante o vôo.

Um determinador de atitude é normalmente composto por sensores e uma unidade para o processamento dos sinais desses sensores. No caso do aparelho desenvolvido em Londrina, o sistema utiliza informações em 3D sobre o campo magnético terrestre, o campo gravitacional e a velocidade angular para o cálculo da atitude. Para isso, um conjunto de magnetômetros, instrumento destinado à medição de intensidade do campo magnético, acelerômetros, usados para medir acelerações, e girômetros, que fornecem informações sobre a velocidade angular em uma dada direção, são empregados em conjunto com um sistema de digitalização e processamento de dados. Um protótipo já está pronto e o projeto será finalizado com a implementação de algoritmos de calibração e alinhamento de sensores.

Segundo Marcelo Tosin, embora possua aplicações aeroespaciais, o determinador de atitude que está desenvolvendo também é voltado para uso terrestre e pessoal como sistemas de navegação pessoal, sistemas de segurança para monitoramento de cargas, dispositivos para interação com jogos de computador e brinquedos. “O setor aeroespacial é um dos que mais contribuíram para agregar novas tecnologias a produtos de consumo em massa, tais como eletrodomésticos, carros e vestuário, entre outros. O uso de sensores MEMS de baixo custo em um determinador de atitude e a possibilidade de empregá-lo em produtos do cotidiano das pessoas são duas grandes inovações desse projeto”, diz Tosin

INPEEstruturas cilíndricas
Um dos projetos mais inovadores do Uniespaço é realizado numa parceria entre a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e o Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CDTN/CNEN) e trata do desenvolvimento de materiais compósitos (constituídos pela mistura de materiais de natureza distinta) de interesse do setor aeroespacial, sendo os nanotubos de carbono um dos constituintes. Nanotubos de carbono são estruturas cilíndricas formadas por átomos de carbono, com diâmetro de cerca de 1 nanômetro (1 milímetro dividido por 1 milhão de vezes) e comprimento ilimitado. Eles podem ter características metálicas ou de semicondutores e são ótimos condutores térmicos e elétricos, além de possuírem extrema resistência à tração e poderem ser torcidos e dobrados sem que aconteça um rompimento.

Todas essas propriedades fazem dos nanotubos de carbono candidatos a reforço em compósitos poliméricos para setores estratégicos, como os nanocompósitos de resina epóxi ou resina fenólica utilizados na fuselagem de foguetes e outros veículos aeroespaciais. A resistência da estrutura das aeronaves é importante principalmente na reentrada dos veículos na atmosfera terrestre. “O uso de materiais compósitos de resina polimérica e nanotubos de carbono, inicialmente em lugares estratégicos da estrutura de veículos espaciais, poderia trazer ganhos em propriedades mecânicas e na dissipação de calor e carga eletrostática, minimizando os danos causados pelo bombardeio de íons”, diz a pesquisadora do CDTN, Clascídia Furtado, uma das coordenadoras do projeto junto com a professora Glaura Silva, da UFMG. Os benefícios do uso de uma cobertura de nanotubos na estrutura das aeronaves representam também uma barreira funcional de baixo peso para evitar interferências eletromagnéticas.

Os nanotubos também podem resolver os danos estruturais e de alteração de dispositivos eletrônicos em aeronaves devido ao fenômeno de lightning (descargas elétricas ocorridas em tempestades de raios). Materiais altamente condutores baseados em nanotubos de carbono poderiam dissipar as cargas oriundas de uma descarga elétrica. “O grande desafio é justamente transferir o conjunto de propriedades dos nanotubos para um sistema compósito, o que depende principalmente do grau de dispersão dos nanotubos e das interações interfaciais entre eles e a matriz polimérica”, diz Clascídia. “Estamos trabalhando no que é chamado pesquisa ‘pré-competitiva’, em que a tecnologia está sendo desenvolvida ao mesmo tempo que a pesquisa fundamental.” Segundo a pesquisadora, o Brasil não está defasado em relação a outros países na busca de tais tecnologias.

Fotografia espacial
Os Satélites Sino-Brasileiros de Recursos Terrestres (Cbers), versões 3 e 4, desenvolvidos em cooperação com a China, vão subir ao espaço com duas das quatro câmeras imageadoras projetadas e construídas exclusivamente no Brasil. Uma delas, a Câmera Multi-Espectral (MUX), já passou no meio deste ano pelos primeiros testes no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Desenvolvida pela Opto Eletrônica, uma empresa de base tecnológica da cidade paulista de São Carlos, a nova câmera gera imagens em quatro bandas do espectro eletromagnético, do azul ao infravermelho próximo. Com resolução de 20 metros de resolução, ela é destinada ao monitoramento ambiental e gerenciamento de recursos naturais. Seu campo de visada, a faixa do solo visualizada pela câmera, é de 120 quilômetros de largura. “É a primeira câmera com essas características inteiramente desenvolvida e produzida no Brasil”, afirma o engenheiro do Inpe Mário Luiz Selingardi, gerente-técnico do Projeto MUX.

A segunda câmera será uma atualização da Câmera Imageadora de Amplo Campo de Visada (WFI, sigla em inglês de Wide Field Imager). Ela está sendo desenvolvida em conjunto pela Opto Eletrônica, responsável pela parte óptica, e pela Equatorial Sistemas, empresa de São José dos Campos especializada na fabricação de artefatos espaciais e que foi adquirida recentemente pela companhia francesa EADS. É uma câmera de média resolução, com 64 metros, e alta abrangência de cobertura. Ela funciona como uma câmera de lente grande angular e tem um campo de visada de 866 quilômetros.

O valor investido no desenvolvimento das duas câmeras chega a R$ 90 milhões. “A fabricação desses equipamentos no Brasil representa um ganho tecnológico importante. As empresas envolvidas se capacitam em áreas de ponta, o que impulsiona o desenvolvimento de outros produtos”, destaca o engenheiro do Inpe Marcos Bertolino, responsável-técnico pelo projeto da WFI.

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